Realizado em 1982, Blade Runner, de Ridley Scott, foi saudado por muitos, na época, como um novo título excepcional do realizador e também como outro momento notável do gênero da ficção-científica no cinema, que havia alcançado 12 anos antes, com 2001: uma odisseia no espaço, de Stanley Kubrick, seu ponto mais alto, até hoje insuperável. Aqui mesmo, neste espaço, ele foi recebido como uma obra-prima e se parte da crítica, naquele tempo ainda marcada por certo preconceito com o cinema de língua inglesa e disposta a reverenciar mesmo filmes menores falados em outros idiomas, ignorou seus méritos, tal fato não impediu que, com o passar dos anos, os novos espectadores colocassem o filme no lugar merecido. Baseado em original de Philip K. Dick, a obra teve dois roteiristas: David Peoples e Hampton Fancher. Peoples seria mais tarde o roteirista de Os imperdoáveis, de Clint Eastwood, e Fancher está de volta, como autor do argumento e do roteiro para esta segunda parte, Blade Runner 2049. Scott, no entanto, cedeu o posto de direção para um dos mais expressivos nomes da nova geração de cineastas, o canadense Denis Villeneuve. O cineasta do primeiro filme, nascido em 1937 e ainda em atividade como diretor, preferiu permanecer na função de produtor executivo. O resultado é um filme de méritos inegáveis que, mesmo não podendo ser comparado ao original, hoje um clássico, é obra digna do talento de um cineasta que, desde que realizou Incêndios, uma notável e impactante variação do tema edipiano, ocupa posição destacada no cinema contemporâneo.
A situação básica do primeiro filme é retomada sem que repetições prejudiquem a narrativa. Um texto informa o espectador, antes de a ação começar, que os primeiros replicantes foram substituídos por outros mais submissos e, portanto, mais aptos a executar tarefas sem manifestar qualquer gênero de contestação. Toda uma sociedade é, portanto, organizada de forma que a engrenagem se movimente sem nenhum tipo de perturbação. O novo protagonista tem a mesma função do protagonista do primeiro filme. É um títere encarregado de exterminar os antigos replicantes, que ainda existem, alguns ocultos em atividades nada ameaçadoras, mas sua simples presença será sempre uma ameaça. A sequência inicial lembra, de certa forma, o prólogo de outro filme admirável, Bastardos inglórios, de Quentin Tarantino, e não apenas por ser rural o cenário. O policial vivido por Ryan Gosling é o instrumento do sistema em ação, controlado para tirar de cena os elementos indesejáveis. Depois, a prospecção do terreno causa uma descoberta inesperada, um sinal de vida e a revelação de que os títeres podem adquirir existência autônoma. A ideia do filme anterior é então retomada, pois o que o espectador acompanhará é uma jornada penosa na busca do sinal revelador e da verdade oculta.
Uma sociedade organizada através do trabalho mecânico é vista de uma forma a não deixar dúvida sobre seu fracasso. O relacionamento é obtido através de um programa de computador, que quando acionado se manifesta através do tema principal do Pedro e o lobo, o conto infantil musicado por Prokofiev, uma clara referência ao fato de os replicantes não terem uma infância ou a possuírem mediante um implante de memória. O filme de Villeneuve é também um daqueles que se manifesta principalmente através do cenário. O mundo anterior, representado por figuras bastante conhecidas e com imagens preservadas no cenário onde vive escondido o primeiro caçador, desapareceu. A sociedade parece mergulhada num caos urbano onde predomina o tumulto e tudo é artificial. A revolta das figuras mecânicas é assim um símbolo da inconformidade humana diante de grande fracasso, um tema caro ao gênero do qual o filme faz parte. Essas figuras artificiais criadas pela técnica parecem mais humanas que seus criadores, cuja figura mais importante é um poderoso sem visão. E mesmo que na conclusão o filme procure sem alcançar a grandeza do sacrifício do personagem de Rutger Hauer no filme anterior, o essencial é mostrado ao espectador. E o encontro com a filha, encenado de forma a não permitir excessos, é um uma forma de resistência e um recomeço necessário.