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Agronegócios

- Publicada em 18 de Setembro de 2017 às 08:13

Doutores no campo

Os caminhos entre o mundo acadêmico e a produção rural estão cada vez mais próximos, inclusive no topo da cadeia do conhecimento. Um bom exemplo desse movimento são agricultores e pecuaristas que, mesmo tendo avançado da graduação para o mestrado, e posteriormente ao doutorado, não se afastaram da vida rural e da lida no campo. Um dos sinais deste encurtamento de distâncias é a elevada participação de artigos científicos publicados no Estado que são voltados ao agronegócio - 9% do total, superado apenas pelos voltados à área médica, que representa 11%.
Os caminhos entre o mundo acadêmico e a produção rural estão cada vez mais próximos, inclusive no topo da cadeia do conhecimento. Um bom exemplo desse movimento são agricultores e pecuaristas que, mesmo tendo avançado da graduação para o mestrado, e posteriormente ao doutorado, não se afastaram da vida rural e da lida no campo. Um dos sinais deste encurtamento de distâncias é a elevada participação de artigos científicos publicados no Estado que são voltados ao agronegócio - 9% do total, superado apenas pelos voltados à área médica, que representa 11%.
Outro bom exemplo desse avanço é o edital Pesquisador Gaúcho lançado neste ano, que seleciona pesquisadores doutores interessados em executar projetos de pesquisa em ciência, tecnologia ou inovação. Em 2017, a área de Ciências Agrárias teve a segunda colocação em número de propostas: dos 1.602 projetos submetidos, 276 são de Ciência Agrárias, o que representa 17% da demanda total. A primeira colocação, porém, fica com as Ciências Biológicas e, como existe interdisciplinaridade entre estas duas áreas, somadas, elas representam 35% do total.
Além desses números, chama a atenção do presidente do diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs), Odir Dellagostin, o envolvimento de uma elevada parcela de doutores e mestres diretamente com a atividade rural, algo raro até pouco tempo atrás. Para Dellagostin, o empreendedorismo por parte de doutores e doutorandos se torna cada vez mais frequente por mais de um motivo.
Um deles, diz, é que a redução no número de posições para professores em universidades e concurso públicos estaria levando professores e candidatos à carreira de mestre buscarem um negócio próprio. "O empreendedorismo acadêmico tem sido uma ação mais frequente por parte de quem busca um doutorado. É algo ainda incipiente, especialmente no meio rural, mas também já não é tão incomum", avalia.
A grande vantagem de se ter doutor em campo é que ele tem um treinamento para a pesquisa. O doutor, diz Dellagostin, não busca apenas ter melhores indicadores, que é o que a maioria dos produtores, gestores e empresários faz em suas atividades. "O doutor tem uma visão diferenciada porque está direcionado para a pesquisa, com metodologia cientifica. Ele testa e arrisca mais sem tantas perdas, porque é treinado para isso", esclarece o diretor-presidente da Fapergs. Em relação específica ao meio rural, o mais interessante é que os doutores não tomam suas decisões de formas empírica, como muitos produtores acabam fazendo por se basearem apenas em palpites ou no que julgam ser certo.
Presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado, Rodrigo Marques Lorenzoni, aponta outros fatores que vêm estimulando universidades e acadêmicos a colocarem pés, mãos e cérebros no mundo rural: a mecanização e o avanço do tecnologia agrária. Com o trabalho braçal cedendo cada vez mais espaço à técnica, aos equipamentos e à inovação, o conhecimento ganha relevância e espaço na produção agropecuária.
"A tecnificação da produção é um dos fatores que levam mais cientistas, pesquisadores e doutores a também terem atividades rurais, em diferentes áreas", opina Lorenzoni. No entanto, essa realidade começa ainda a tomar forma. "Não é frequente encontrar doutores entre executivos das empresas, por exemplo, mas isso vem em um crescente", afirma.
A tendência de aumento da procura por cursos de pós-graduação também é motivada pelo fato de o curso de Ensino Superior já não ser mais o suficiente para se diferenciar no mercado ou garantir um emprego com bom salário, como acontecia tempos atrás. Atualmente, a graduação é considerada requisito mínimo, exigindo que os profissionais da área busquem qualificação acadêmica após a obtenção do diploma.
Com menos posições para absorver essa mão de obra, é comum que mestres e doutores acabem empreendendo, inclusive no mundo rural. Essa mudança de atitude ajuda a transformar uma questão que sempre preocupou o setor: os filhos de agricultores, que normalmente não voltavam para a propriedade depois de se formarem, passam não apenas a se estabelecer no campo, como também a aplicar mais conhecimento no campo.

Iniciativa privada deve demandar por mais  profissionais pós-graduados

Estudiosos focam suas pesquisas em atividades práticas

Estudiosos focam suas pesquisas em atividades práticas


/FREEPIK/DIVULGAÇÃO/JC
Assim como há alguns anos não era comum a presença de mestres atuando nas empresas, especialistas avaliam que a participação de doutores nos quadros de pessoal das corporações deve crescer. Uma das razões para essa aproximação é que muitos estudiosos já buscam estruturar seus trabalhos também com foco em atividades práticas e relacionadas ao dia a dia do trabalho, e não mais privilegiando somente a teoria.
As barreiras para esse ingresso no mundo corporativo, porém, podem ser comportamentais, avalia o diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs), Odir Dellagostin. Para ele, muitas companhias não contratam mais porque empresário e gestores, em geral, se sentem incomodados em ter um doutor entre os demais integrantes da equipe.
"A linguagem e o conhecimento de quem vem da academia intimidam, algumas vezes. Mas, na atual crise, é esse conhecimento que pode ajudar as companhias a superarem dificuldades", ressalta Dellagostin, ao antecipar que, atenta a isso, a entidade estuda inclusive criar um programa de apoio ao empreendedorismo e à academia em todas as áreas.
Assim, a Fapergs poderá apoiar e até mesmo estimular essa migração e aproximação entre as duas áreas. Coordenador da GVAgro, criado em 2006, o ex-ministro Roberto Rodrigues cita o próprio Centro de Agronegócio da Fundação Getulio Vargas com exemplo do avanço da academia com a gestão da pecuária e da lavoura.
"Esse distanciamento entre a teoria e prática do mundo dos negócios começou com os MBA profissionais, que unem conhecimento acadêmico e o mundo corporativo, focando nas rotinas e nas necessidades dos gestores, por exemplo independente da área. E com o agronegócio não é diferente", sentencia Rodrigues.

Da sala de aula para a pecuária

Carolina divide sua experiência no mercado com os estudantes do curso de Veterinária da UniRitter

Carolina divide sua experiência no mercado com os estudantes do curso de Veterinária da UniRitter


/ARQUIVO PESSOAL/DIVULGAÇÃO/JC
Carolina Heller Pereira é quase tão presente no campo quanto na universidade. O pensamento e as atenções se dividem em igual proporção entre a criação de bovinos na propriedade da família e as lições na faculdade de Medicina Veterinária da UniRitter. Da graduação, concluída em 2008, ela emendou um mestrado na área de fisiologia da reprodução em fêmeas bovinas e, logo depois, ingressou em um doutorado com passagem como pesquisadora na North Dakota State University.
"Meu trabalho foi a partir de um software para administração e gestão econômica em propriedades de bovinos de corte. E, claro, utilizo essa experiência integralmente nas atividades de campo", ressalta Carolina, uma das cinco vencedoras do Programa CNA Jovem, promovido pela Confederação Nacional da Agricultura.
Os anos de estudos levaram a veterinária a dominar como poucos, no campo, conhecimento e técnicas nutricional, sanitária, clínica e reprodutiva, além do manejo de pastagens. A veterinária também ostenta no currículo acadêmico-rural habilidades raras para quem atua no campo. Carolina é especialista em sistemas de produção agropecuários através de modelo computacional biológico, com experiência no mercado de comercialização de bovinos de terminação.
"Pela atividade acadêmica, não consigo estar tão presente no campo quanto gostaria. Mas implemento na propriedade, em Rio Pardo, tudo que aprendi na academia", afirma Carolina, que também integra a Comissão de Jovens Empresários Rurais da Federação da Agricultura do Estado (Farsul). Nos estudos, ela prioriza temas e pesquisas práticas que possam ser realmente ser aplicadas no campo.

Da solidão dos laboratórios à produção orgânica

Questões pessoais levaram Flavio Figueiredo a abandonar o doutorado faltando apenas a defesa da tese. Mas o fato não o impediu de tocar adiante um projeto de vida unindo os conhecimentos de pesquisador e de produtor. Cansado do isolamento dos laboratórios de pesquisa, da elevada carga de estudos sobre a diversidade genética de suínos selvagens e do trabalho em uma grande empresa, o veterinário decidiu investir em um hobby.
Encontrou na criação de aves exóticas, em uma edição da Expointer, não apenas um passatempo, mas um caminho para o empreendedorismo rural. Hoje, é produtor orgânico em Eldorado do Sul, onde administra, juntamente com a esposa, Márcia Soldan, a Fazendinha Pastoreio.
"A vida de pesquisador era cansativa e solitária. Fui buscar uma forma de desestressar. Comprei umas aves, comecei a trabalhar com galinheiros móveis na propriedade da família, fiz consultorias e acabei empreendendo no meio rural", conta. Foi durante o trabalho com aves que o pesquisador retomou o trabalho de resgate de raças suínas, estimulado por
Márcia, que também atua na área. Aliando o apoio da esposa com a dedicação e os estudos, todos em campo, o veterinário se tornou criador de suínos Piau e Mouro, raças típicas do Estado, mas hoje raras.
"Hoje, trabalho com exemplares com aptidão para banha e carne", conta. No caso das aves, são priorizados carne e ovos. "A alimentação dos animais é toda orgânica, com uso, por exemplo, de batata doce e aipim cultivados na propriedade mesmo", comemora Figueiredo.
O produtor chegou a treinar e a qualificar outros agricultores para esse tipo de criação, mas hoje se dedica mais à venda da própria produção em feiras orgânicas em Porto Alegre. Também está construindo um espaço para turismo rural e culinário. "Vamos trazer chefs para dar aulas de culinária orgânica, a utilizar melhor os alimentos que serão colhidos pelo próprios alunos", comemora Figueiredo, que está reduzindo o trabalho com suínos pela dificuldade de abate em frigoríficos devido a produção em pequena escala.

Criador de gado e PhD em bioinformática

Cardoso levou os conhecimentos obtidos na academia para a propriedade da família e se dedicou a aprimorar as características da raça Angus

Cardoso levou os conhecimentos obtidos na academia para a propriedade da família e se dedicou a aprimorar as características da raça Angus


/MATHEUS FERNANDO CARDOSO/ARQUIVO PESSOAL/DIVULGAÇÃO/JC
Com um currículo acadêmico invejável, Fernando Cardoso se tornou chefe adjunto de pesquisas da Embrapa Sul. Médico veterinário, tem mestrado em Zootecnia e Applied Statistics pela Michigan State University, doutorado em Animal Science e pós-doutorado em Bioinformática com ênfase em Estatística Genômica pela Michigan State University. A extensa titulação do pesquisador, porém, não o encerrou em um laboratório ou na cadeira de gestor.
"Nunca abandonei o campo e atividade de produtor. Hoje, divido minhas atividades entre o trabalho na Embrapa e na fazenda, aos fins de semana", conta Cardoso, que é criador de gado. Os conhecimentos obtidos na academia, com foco na reprodução e melhoraria do potencial genético dos animais, foram aplicados na propriedade de forma a aprimorar as características da raça Angus.
O pesquisador, que direcionou seus estudos para melhoramentos genéticos desde o início, sempre se preocupou com a aplicabilidade do aprendizado. E acabou mudando os rumos da propriedade da família. Decidiu alterar o foco dos negócios de gado comercial para bovinos de melhor qualidade, ingressando como sócio na fazenda do pai. Foi com o conhecimento acadêmico que ele transformou a propriedade. O rebanho de pouco valor e número reduzido de animais se transformou nas atuais 300 cabeças de bovinos da raça britânica.
"Muitos têm compreensão acadêmica e pouca vivência rural. Há muito descompasso nisso. Eu busco sempre levar o que aprendi em pesquisas e estudos para o lado prático", reforça Cardoso. Atualmente, trabalha em um programa de seleção de Angus mais resistente ao carrapato.

Estudo para melhorar a pecuária e investir em maçã

Varella aplicou pesquisas científicas para o campo e levou a experiência da propriedade para dentro da academia

Varella aplicou pesquisas científicas para o campo e levou a experiência da propriedade para dentro da academia


/ARQUIVO PESSOAL/DIVULGAÇÃO/JC
Alexandre Varella é formando em Engenharia Agronômica e tem mestrado em Zootecnia, na área de plantas forrageiras. Também é Ph.D. em Plant Science (forrageiras) pela Lincoln University, Nova Zelândia. Hoje, atua como pesquisador da Embrapa Pecuária Sul, de segunda a sexta-feira, e exerce a atividade de produtor rural nos Campos de Cima da Serra em todo o restante do tempo disponível.
"Logo que me formei e fui fazer o mestrado. Consegui uma bolsa e, ao mesmo tempo, para me sustentar, prestava consultoria nos municípios dos Campos de Cima da Serra", relembra Varella. Depos que terminou o mestrado, rumou para a Nova Zelândia cursar o doutorado. Na volta, prestou concurso para a Embrapa. "Estabilizando, comecei a me envolver mais com a propriedade do meu pai, em Bom Jesus", conta.
Lá, Varella produz, processa, embala e comercializa maçãs. O local se transformou, de certa forma, em um centro de aplicação dos estudos a céu aberto. No local, do qual o pesquisador se tornou sócio, também há produção de pinus e bovinos. A maior parte do tempo, claro, ele se dedica à Embrapa, mas diz conseguir conduzir em paralelo o empreendedorismo rural como uma necessidade pessoal.
"Sempre fui ligado ao setor produtivo, me criei na fazenda dos avós e, posteriormente, do meu pai", explica o produtor. Pela paixão à área rural, escolheu o curso de Agronomia. E o tema das plantas forrageiras, foco de seus estudos, contemplou uma parte das necessidades dos negócios da família.
Como pesquisador, Varella se diz dedicado à pesquisa aplicada, mais voltada ao dia a dia do campo. Muito do que pesquisou, assegura ter levando do campo para a academia, e vice-versa. Um exemplo dessa migração entre as atividades, de acordo com o pesquisador, tem relação direta com mudanças no sistema de produção da região dos Campos de Cima da Serra, que passou por um processo grande de expansão da pecuária extensiva, melhoramento da criação de pastagem e pela discussão sobre as queimadas, que eram comuns por lá.
"Levei à universidade essas e outras questões, como alternativas às queimadas e melhoramento de campos nativos", exemplifica Varella. No mestrado e no doutorado, seu foco foi na integração lavoura e pecuária, nas formas de como fazer essa adaptação sem perder a área pastoril, quais forrageiras utilizar, como manejar forrageiras sobre a sombra e os benefícios da sombra para o gado.
Sobre como uma atividade ajudou a outra, o pesquisador assegura que foram de diferentes maneiras, mas uma das principais foi melhorar a pecuária para poder investir nas frutas. "Foi com o manejo do gado e tudo que eu estudei que conseguimos os recursos para investir na maçã", assegura o pesquisador.