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Entrevista Especial

- Publicada em 06 de Agosto de 2017 às 22:16

Crise política fez andar pautas do municipalismo, afirma Dias

Dias acredita que o ano de 2030 é um prazo razoável para liquidar a dívida dos precatórios

Dias acredita que o ano de 2030 é um prazo razoável para liquidar a dívida dos precatórios


JONATHAN HECKLER/JC
Embora se preocupe com o agravamento da crise política causada pelas denúncias de corrupção em torno do governo do presidente Michel Temer (PMDB), o presidente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), o prefeito de Rio dos Índios, Salmo Dias (PP), enxerga, neste momento, oportunidades de avanço de algumas reivindicações do movimento municipalista no Congresso Nacional.
Embora se preocupe com o agravamento da crise política causada pelas denúncias de corrupção em torno do governo do presidente Michel Temer (PMDB), o presidente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), o prefeito de Rio dos Índios, Salmo Dias (PP), enxerga, neste momento, oportunidades de avanço de algumas reivindicações do movimento municipalista no Congresso Nacional.
"Quando vemos o Poder Executivo nacional fragilizado, é evidente que é um momento oportuno para os municípios buscarem espaços que entendemos que nos é devido", aponta Dias - se referindo a "distorções" no pacto federativo, que concentra 57% dos recursos na União, 27% nos estados e apenas 17% nos municípios. 
Conforme o presidente da Famurs, quando o governo Temer buscou o apoio de prefeitos e governadores, no auge da sua impopularidade, a Famurs e a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) conseguiram a aprovação de medidas benéficas aos municípios. Entre elas, a dilatação do prazo de pagamento da dívida das prefeituras com a Previdência pública e a redistribuição do ISS (Imposto sobre Serviço de Qualquer Natureza).
Ele defendeu ainda a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 212/2016, que estende por mais 10 anos, até 2030, o prazo para o pagamento das dívidas dos municípios e estados com precatórios - segundo a Emenda à Constituição nº 94/2016, as dívidas com precatoristas devem ser liquidadas até 2020. 
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Dias falou ainda sobre a violência que tem se espalhado pelo interior do Estado e sobre a necessidade de construir o acesso asfáltico nas 57 cidades que ainda não os têm. Também não descartou o ingresso na Justiça para garantir os repasses estaduais atrasados para a área da saúde. 
Jornal do Comércio - A crise política paralisou o andamento de algumas matérias no Congresso, mas agilizou outras, de interesse dos municípios, como a derrubada do veto à distribuição do ISS e a dilatação dos prazos para pagamento das dívidas previdenciárias. Qual a avaliação desse momento político para os municípios?
Salmo Dias - Por um lado, vejo com extremo desgosto a crise ética e moral que aflige o meio político. Mas, por outro lado, a crise cria uma oportunidade para tratarmos de assuntos que não eram tratados desde os anos 1990, como, por exemplo, as reformas trabalhista, previdenciária, política e tributária. É a partir dessas reformas que chegaremos a um novo pacto federativo que supere a injustiça do atual, em que 18% do que se produz no País retorna para os municípios, 27% fica com os estados e 57%, com a União. Quando vemos o Poder Executivo nacional fragilizado, é evidente que é um momento oportuno para os municípios buscarem espaços que entendemos que nos são devidos. Por exemplo, a mobilização da Famurs e da CNM conseguiu a derrubada do veto à redistribuição do ISS, que vai permitir que os recursos nas transações com cartão de crédito fiquem nas cidades onde a compra foi realizada, não na cidade matriz do cartão.
JC - Quanto a redistribuição de ISS injeta nos municípios gaúchos?
Dias - A estimativa inicial é de até R$ 360 milhões por ano. De acordo com a CNM, pode ser até R$ 6 bilhões em todo o Brasil. Mas vai depender das definições. Há uma discussão sobre o percentual que vai se pagar. Por exemplo, no caso dos planos de saúde, a alíquota que fica com os municípios vai incidir sobre o valor da consulta ou de todas as atividades do consultório, incluindo despesas com secretária, manutenção dos equipamentos, cafezinho. Também estamos discutindo com a Federação Brasileira dos Bancos sobre a possibilidade de criar uma tarifa única para todos os municípios. O importante é que é uma receita que, a médio prazo, vai ingressar na economia municipal, garantindo que a riqueza gerada pela prestação de serviços permaneça no local de origem.
JC - De um modo geral, as novas regras do ISS pulverizam a distribuição do valor arrecadado, mas alguns municípios grandes reclamam que vão perder receita, como é o caso de Porto Alegre, por exemplo. Como o senhor observa essa crítica?
Dias - Não enxergo como um desprestígio, porque acho que é uma questão de justiça. Por exemplo, se o cidadão mora, produz, paga suas contas, faz aquisição com cartão de crédito e plano de saúde no seu município, é justo que o imposto sobre esse serviço retorne ao município desse cidadão. Até hoje, não importava onde ocorria o serviço, pois quem ficava com o ISS era a cidade que sediava as empresas de plano de saúde, de cartão de crédito, de leasing etc. E as empresas montavam a sua matriz em cidades que tinham tarifas de ISS baixas, chegando a 0,3% em alguns casos. Hoje, estamos buscando estabelecer uma tarifa de 2% a 5% de ISS. Torço, inclusive, para que os municípios estabeleçam uma tarifa única, para não haver guerra fiscal.
JC - Outra questão que andou no Congresso Nacional, mesmo com a crise política, foi a regulação da Medida Provisória (MP) nº 778, que, entre outras coisas, permite o parcelamento da dívida com a Previdência pública em pelo menos 200 vezes.
Dias - Sim. É um avanço a dilatação dos prazos da dívida pública, embora acreditamos que deveria ser maior para os municípios. A MP 778, regulamentada agora pela Receita Federal, atinge também os municípios que têm regime de previdência próprio e que vão poder negociar as suas dívidas. Isso é um alívio para alguns municípios. Para outros, não. E outros, ainda, já tinham suas contas em dia.
JC - Existe uma PEC no Congresso que propõe o prolongamento do prazo de quitação da dívida com precatórios por mais 10 anos. É outro ponto que os municípios têm interesse que ande neste momento. As prefeituras gaúchas têm condições de zerar a dívida no prazo atual, até 2020?
Dias - Até 2020, os municípios não têm condições de liquidar os precatórios. Nem mesmo o Estado conseguirá pagar todos os precatoristas neste prazo, mesmo que bloqueiem todas as suas contas. Precisamos dilatar esse prazo também. Uma data tem que ser dada, até para negociar com os credores. A data-limite prevista pela lei atual não pode ser cumprida, porque os municípios têm outras atividades que são indispensáveis para a manutenção da cidade: saúde, educação etc. Com a ampliação do prazo, proposto pela PEC 212/2016, aí sim, teríamos condições de ir priorizando e saldando esses débitos com precatórios, respeitando a realidade e o potencial de pagamento de cada município.
JC - Até 2030 é um prazo razoável?
Dias - Sim, acho que 2030 é um prazo razoável. Já dá para começar a discutir.
JC - O governo do Estado tem mais de R$ 400 milhões em repasses atrasados na área da saúde. Qual é a perspectiva dos municípios de receber esse valor? Existe a possibilidade de judicializar essa cobrança?
Dias - Não descartamos a possibilidade de judicializar a cobrança, porque precisamos dar uma resposta para a população. Saúde, no entendimento dos prefeitos, é uma prioridade que não está em negociação. Você pode discutir um acesso asfáltico e até mesmo questões de segurança, mas não há o que discutir quando o cidadão está morrendo por falta de atendimento. É urgente. Vamos manter um diálogo franco e responsável com o governo, mas, se tivermos que entrar na Justiça, vamos reunir o conselho de gestão e entrar. Quando a União e o Estado falham, o prefeito não tem como transferir a responsabilidade da saúde. Se o cidadão adoeceu, ele bate na prefeitura, porque é o prefeito que ele encontra na hora de cobrar. O governador e o presidente da República estão distantes do cidadão.
JC - Os assaltos nas cidades do Interior, onde há apenas um ou dois policiais, têm aumentado. Além de formar mais mil brigadianos, o Estado anunciou um concurso na área da segurança para tentar diminuir o déficit de aproximadamente 14 mil agentes na Brigada Militar. Existe um diálogo com o governo para garantir mais policiais para o Interior?
Dias - Há uma preposição agora de aumentar o efetivo, através de um novo concurso e da volta de policiais que se aposentaram. Acreditamos que os brigadianos que voltarem da reserva têm condições de atuar nos municípios, especialmente na questão da segurança armada próximo às escolas, pagos parte pelo governo estadual, parte pelo municipal. Concordamos que essa medida vai elevar o policiamento, mas é mais uma competência estadual que vai acabar sendo repassada às prefeituras, sobrecarregando as finanças dos municípios com mais gastos. Temos que lembrar também que houve a migração de brigadianos do Interior para a Região Metropolitana. Foi aí que o crime migrou para o Interior. Inclusive, cito o exemplo do prefeito de Ibirapuitã, cujo efetivo policial fica na cidade vizinha, Soledade, a 41 quilômetros de distância. A agência bancária de Ibirapuitã foi assaltada e, na fuga, os assaltantes levaram o prefeito como refém. Aí, o prefeito me contou que a única coisa que lhe passou pela cabeça para acalmar os bandidos foi o seguinte: "fiquem tranquilos, porque os brigadianos vêm à cidade apenas uma vez ao dia. Eles ficam em Soledade, então podem fazer o assalto tranquilos". Então o assaltante respondeu: "O prefeito é gente boa". É uma história engraçada, mas também é trágica. Mostra bem a situação de insegurança no Interior.
JC - Uma questão básica de infraestrutura e uma reivindicação histórica da Famurs é o asfaltamento de rodovias. Quantos municípios estão sem acesso asfáltico hoje? Existe perspectiva de que sejam feitos?
Dias - Hoje, temos 57 municípios sem acesso asfáltico. Evidentemente, o governo do Estado reclama da falta de dinheiro, do engessamento que vive o Estado em função do seu passivo com servidores aposentados, com a própria folha de pagamento e da crise que atinge o nosso País. Também argumenta que tem que aprovar alguns projetos para poder buscar as linhas de crédito necessárias às obras de asfaltamento. Entretanto, estradas asfaltadas são o mínimo de infraestrutura que um município pode ter. A falta de acessos asfálticos tem consequências inclusive para o Estado, porque desestimula os empreendedores a montarem empresas nesses 57 municípios, prejudica o transporte de mercadorias e até a autoestima dos moradores.
JC - Pode citar um exemplo?
Dias - O município de Garruchos, na fronteira com a Argentina. Embora seja um município com potencial agrícola imenso, há um trecho de 60 quilômetros de estrada de chão que, quando chove, fica intransitável. A cidade já está produzindo 5 milhões de sacas de soja, embora tenha condições de produzir 20 milhões. Mas não produz porque, durante um período chuvoso, não tem como escoar a produção, que fica sujeita a apodrecer nos caminhões. Então tem que haver uma atenção especial às estradas, porque o Estado também está perdendo dinheiro. Não é possível que não se tenha como priorizar R$ 100 milhões, R$ 150 milhões para isso.
JC - Uma das oportunidades que apontou na crise é a reforma trabalhista. Da forma como o texto foi aprovado, pode beneficiar os municípios?
Dias - Hoje, temos atividades que não são exclusivamente braçais e não precisam ser realizadas em oito horas ininterruptas por dia. A possibilidade de o empregado e o patrão fazerem a sua rotina de trabalho vai dinamizar o mercado de trabalho nos municípios. Agora, se necessário, o empresário pode encontrar um funcionário que trabalhe o suficiente para viabilizar o seu negócio, o que pode ser duas ou três horas por dia ou semana. Vamos sentir na economia uma pluralidade maior de empreendimentos e funcionários, que vão poder trabalhar de acordo com a sua iniciativa e condição.

Perfil

Salmo Dias de Oliveira nasceu em 12 de janeiro de 1975, em uma região de Nonoai, que se emancipou originando Rio dos Índios. Filho de agricultores, permaneceu na cidade até os 12 anos, quando se mudou para Santa Cruz do Sul para estudar em um colégio agrícola. Foi nessa época que começou a atuar na política estudantil. Graduou-se em Filosofia pela Universidade do Oeste de Santa Catarina, e em Sociologia e em Direito pelo Centro Universitário Euroamericano de Brasília. Em 1995, começou a trabalhar como assessor do então deputado estadual Vilson Covatti (PP). No ano seguinte, foi secretário de Planejamento, Saúde e Administração da sua cidade natal. Cinco anos depois, voltou a trabalhar com Covatti, chefiando o gabinete tanto na Assembleia Legislativa quanto na Câmara dos Deputados. Em 2012, elegeu-se prefeito de Rio dos Índios pela primeira vez. Foi reeleito com 57,75% dos votos. É filiado ao PP desde 1992, seu único partido. Entre 2014 e 2015, foi vice-presidente da Famurs, entidade que hoje preside.