A possibilidade de vender produtos isentos de tributação nos free shops nacionais em cidades gêmeas de fronteira, com liberação prevista até o final do ano pelo governo federal, gera interesse em setores do comércio gaúcho. É o caso das vinícolas do Estado, que reclamam, há anos, da alta incidência de encargos tributários - eles correspondem a 40% do valor de uma garrafa de 750ml do produto vendida no mercado gaúcho, de acordo com estudo recente da Associação Gaúcha de Vinicultores (Agavi) e do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), considerando todas as etapas de produção.
Isso porque os free shops uruguaios, mais comuns na fronteira gaúcha, só permitem a comercialização de produtos de fora do Mercosul no regime aduaneiro especial de loja franca. A expectativa é que as novas lojas do lado brasileiro invistam nos rótulos nacionais. "Seria interessante, pela redução de quase toda a carga tributária, e até didático para o consumidor, para ver quanto paga em impostos", afirma o diretor de Relações Institucionais do Ibravin, Carlos Paviani, que ainda não estima, em números, os ganhos para a cadeia produtiva com a venda em lojas francas, que poderão ser instaladas em 10 municípios gaúchos.
O dirigente também é cauteloso ao falar sobre o novo nicho de mercado, que inclui consumidores brasileiros e estrangeiros, pois espera que o governo federal publique uma lista negativa de produtos às lojas francas de fronteira antes da liberação, ou seja, estabelecendo o que elas não poderão vender. Fontes ouvidas pela reportagem, porém, duvidam da proibição de venda do vinho brasileiro e apostam que a lista será a mesma adotada nos free shops em aeroportos internacionais, que veda apenas itens como pérolas, pedras preciosas, metais preciosos, além de outras mercadorias de importação restrita ou sujeita a controle especial, como armas de fogo.
A desoneração de tributos - entre eles, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) - também beneficiaria, em tese, setores como o de eletrodomésticos, o de alimentos e também o polo calçadista gaúcho, entre outros. A Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) preferiu não se manifestar a respeito.
As vinícolas processaram, neste ano, recorde de 750,6 mil toneladas na safra mais recente de uva no Estado, segundo o Ibravin, após quebra de 57% da produção em 2016. Os números indicam que a elaboração de vinhos e derivados pode superar os 461 milhões de litros registrados em 2011, quando 709,6 mil toneladas da fruta ingressaram na indústria. O primeiro trimestre do ano, porém, não foi positivo para o setor, que teve retração de 20,3% nas vendas em relação ao mesmo período do ano anterior, comercializando 61,3 milhões de litros, ainda conforme dados do instituto.
Liberação mais próxima
- Lei nº 12.723/2012 autorizou a instalação de lojas francas em cidades gêmeas na linha de fronteira brasileira, para venda de mercadoria nacional ou estrangeira para pessoa física, com isenção ou suspensão de tributos.
- Portaria do Ministério da Fazenda, em março de 2014, estabelece 29 municípios como cidades gêmeas de fronteira, entre eles 10 gaúchos: Aceguá, Barra do Quaraí, Chuí, Itaqui, Jaguarão, Porto Xavier, Quaraí, Santana do Livramento, São Borja e Uruguaiana. Atualmente, 31 municípios brasileiros são reconhecidos como tal.
- Regulamentação da lei é publicada em julho de 2014, definindo que "somente poderá adquirir mercadoria de loja franca de fronteira terrestre o viajante que ingressar no País e for identificado por documentação hábil", seja ele residente ou não residente no Brasil. Também é instituída cota de US$ 300 em compras por pessoa, a ser usada uma única vez a cada 30 dias. Também cortou pela metade (US$ 150) a cota para compra em loja franca estrangeira, que agora vale a partir de julho de 2018, após sucessivas prorrogações da entrada em vigor.
- O secretário da Receita Federal do Brasil, Jorge Rachid, afirmou, em audiência pública, em junho passado, que a liberação aguarda apenas a conclusão e os testes de sistema informatizado para controle de vendas, estoques e cotas nos free shops brasileiros de fronteira, o que deve acontecer até outubro de 2017. A maioria das cidades gêmeas gaúchas - incluindo Uruguaiana e Santana do Livramento, as mais populosas - já aprovou legislações municipais para instalação dos empreendimentos.