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Cinema

- Publicada em 30 de Julho de 2017 às 13:35

A cidade e os gatos

Entre as manifestações da agressividade humana encontra-se a violência praticada contra os animais, seja por motivos relacionados à sobrevivência, seja através da caça chamada de esportiva. Por vezes, como no caso da tauromaquia, tal agressividade aparece disfarçada por rituais de aparente valor estético, algo que serve apenas para ocultar impulsos primitivos. O documentário Gatos, realizado pela diretora Ceyda Torun, não está diretamente ligado a tal tema, mas a ele se refere ao colocar em cena seu contrário: a harmonia e o convívio entre seres humanos e os chamados gatos de rua, numa narrativa que tem por palco a cidade de Istambul, transformada assim no cenário no qual o gesto amistoso substitui a violência. Ao colocar como personagens principais de seus filmes esses pequenos animais, a realizadora se alia a todos os que não escondem seu fascínio por eles. É a primeira vez que os gatos são protagonistas de um longa-metragem. Mas eles já foram as estrelas de uma série de poemas de T.S. Eliot, que deram origem a um musical de Andrew Lloyd Weber. E também tiveram entre seus admiradores nomes como Stanley Kubrick e Guimarães Rosa. O filme de Torun certamente agradará - e muito - os fascinados por gatos, mas a proposta da cineasta vai além do conteúdo exposto de seu trabalho.
Entre as manifestações da agressividade humana encontra-se a violência praticada contra os animais, seja por motivos relacionados à sobrevivência, seja através da caça chamada de esportiva. Por vezes, como no caso da tauromaquia, tal agressividade aparece disfarçada por rituais de aparente valor estético, algo que serve apenas para ocultar impulsos primitivos. O documentário Gatos, realizado pela diretora Ceyda Torun, não está diretamente ligado a tal tema, mas a ele se refere ao colocar em cena seu contrário: a harmonia e o convívio entre seres humanos e os chamados gatos de rua, numa narrativa que tem por palco a cidade de Istambul, transformada assim no cenário no qual o gesto amistoso substitui a violência. Ao colocar como personagens principais de seus filmes esses pequenos animais, a realizadora se alia a todos os que não escondem seu fascínio por eles. É a primeira vez que os gatos são protagonistas de um longa-metragem. Mas eles já foram as estrelas de uma série de poemas de T.S. Eliot, que deram origem a um musical de Andrew Lloyd Weber. E também tiveram entre seus admiradores nomes como Stanley Kubrick e Guimarães Rosa. O filme de Torun certamente agradará - e muito - os fascinados por gatos, mas a proposta da cineasta vai além do conteúdo exposto de seu trabalho.
A originalidade deste belo documentário não pode ser contestada. Porém, é também visível que a realizadora se aproximou das origens de tal gênero. O documentário, desde seus pioneiros - Robert Flaherty à frente -, teve como característica principal a captação pela câmera da vida cotidiana de seus protagonistas, o trabalho e os rituais cotidianos. Nas últimas décadas, muitos documentaristas recorreram à técnica da entrevista, um recurso que deu origem a obras-primas como Shoa, Edifício Master e Santiago, mas que também abriu espaço para futilidades e detalhes sem importância. Torun utiliza tal recurso em seu filme, sempre o fazendo para ressaltar o gesto de respeito e o sentimento de afeição. A realizadora, quando dá a palavra aos humanos, sempre procura realçar o ponto principal de seu filme, que é de lembrar que o gesto de respeito aos que Drummond chamava de "companheiros de viagem" é uma base para que a solidariedade se espalhe por toda a sociedade. As vozes captadas pelo filme exercem o papel de defensoras da vida em sua plenitude. A harmonia entre humanos não será possível se, entre eles, vozes dissonantes optarem pelo desprezo ou pela agressividade.
É ao filmar os gatos em seu cotidiano que a cineasta mais se aproxima da origem do documentário. Sem ter como encontrar outro meio de comunicação além do permitido pelo gesto e o movimento, ela chega a compartilhar com o espectador o olhar dos felinos, com a câmera próxima ao chão, como se estivesse, ao mesmo tempo, homenageando Hawks e Ozu, que nunca retiravam a câmara da altura de seus personagens. Assim, o filme coloca diante do espectador alguns personagens fascinantes, como aquele educadíssimo frequentador de um restaurante, que não perturba clientes e funcionários, e costuma fazer seus pedidos através de gestos sempre repetidos. E abre espaço para a mãe que enfrenta espaços e adversidades para manter seus filhos alimentados. E há muitos outros personagens dignos de ser acompanhados. Certamente, muito material foi filmado e extenuante deve ter sido o trabalho do montador para conferir coerência e dramaticidade em muitas sequências. Em muitas cenas, Istambul é vista de forma a ser ressaltada sua grandiosidade. Mas quando a câmera se aproxima de suas ruas e de seus habitantes é que o verdadeiro tema do filme surge plenamente. Eis um filme voltado para o gesto essencial. Em algumas cenas, a carícia é ressaltada, uma forma que a realizadora encontrou para valorizar a harmonia que, sendo mais do que um contraponto, é, na verdade, uma forma de resistência à barbárie. Filmes como este são importantes por transformarem a cidade num espaço habitado pelo convívio e a ternura.
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