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Cinema

- Publicada em 06 de Julho de 2017 às 22:43

Revolta aprisionada

Nicole Garcia, como atriz, não é muito conhecida pelo espectador brasileiro, mas teve, em 1980, participação importante num dos melhores filmes de Alain Resnais, Meu tio da América. Dez anos mais tarde, ela iniciou carreira como diretora, mas teria de esperar até 2002, quando realizou um filme que tinha méritos inegáveis e um epílogo impressionante, para obter maior reconhecimento. Tal filme era O adversário, baseado em um fato verídico. Como curiosidade vale lembrar que um ano antes, Laurent Cantet, amenizando a história e claramente inspirado no mesmo acontecimento, havia realizado A agenda.
Nicole Garcia, como atriz, não é muito conhecida pelo espectador brasileiro, mas teve, em 1980, participação importante num dos melhores filmes de Alain Resnais, Meu tio da América. Dez anos mais tarde, ela iniciou carreira como diretora, mas teria de esperar até 2002, quando realizou um filme que tinha méritos inegáveis e um epílogo impressionante, para obter maior reconhecimento. Tal filme era O adversário, baseado em um fato verídico. Como curiosidade vale lembrar que um ano antes, Laurent Cantet, amenizando a história e claramente inspirado no mesmo acontecimento, havia realizado A agenda.
O filme de Garcia não foi uma simples refilmagem, pois reconstituiu com detalhes o caso de um homem que escondeu da família sua vida verdadeira e depois, na iminência de ser descoberto, trucidou seus parentes. Vivido por Daniel Auteil, o personagem simulou uma carreira de médico enquanto dilapidava a fortuna do pai. A fantasia criada pelo protagonista tinha um desfecho trágico, quando a realidade se impunha. O novo filme da diretora, Um instante de amor, ganhou no Brasil um título inadequado, distante do original, Mal de pierres, uma referência à doença que leva à personagem de Marion Cottilard a ser internada numa clínica. O trabalho agora em exibição aborda muitos temas, nem todos devidamente elaborados, e foi selecionado para a mostra oficial do Festival de Cannes do ano passado. É obra que se apoia, enquanto narrativa, no talento de sua atriz principal, mas sem deixar de revelar em suas imagens virtudes que a realizadora já havia demostrado em trabalhos anteriores.
A abordagem do tema da repressão imposta por uma sociedade voltada para interesses materiais e surda aos apelos da natureza é feita de uma maneira tão direta quanto superficial. Os conflitos familiares prováveis causas da insatisfação da protagonista não são abordados. Surge de maneira esquemática sua paixão por um professor e deixam de ser devidamente exploradas as ligações que poderiam existir entre os conflitos vivenciados pela protagonista e o romance citado. Mas depois do casamento forçado com um pedreiro, um refugiado do franquismo, a diretora, que também é autora do argumento, baseado num romance de Milena Gus, começa a valorizar situações e imagens de forma a compor um quadro apreciável sobre a imposição de forças negativas no comportamento humano. A utilização do dinheiro na relação do casal parece uma citação ao episódio viscontiano de Boccacio 70, mesmo que a esta cena faltem sutileza e ironia. E a transformação do pedreiro em empresário da construção, resultado de um acordo planejado e executado pelos pais da jovem completam o painel no qual a diretora coloca figuras humanas transformadas em simples peças de uma engrenagem em movimento. A realizadora poderia dar mais ênfase a esse aspecto da trama, mas parece estar reservando forças para as cenas do spa, quando a imaginação da personagem exercerá papel relevante.
O estabelecimento no qual a protagonista terá de passar algumas semanas está localizado numa região onde a natureza é como uma manifestação de vigor e grandiosidade. Em contrapartida o prédio é lúgubre, uma espécie de prisão pela qual perambulam condenados. E há também o castigo. Os jatos de água são filmados como se fossem instrumentos de tortura. E a figura do tenente pelo qual a protagonista se apaixona é mais um elemento a completar o quadro. Ele representa em cena uma sociedade que enfrenta a crise decorrente da emancipação das antigas colônias. Pode saber tocar ao piano uma peça célebre, mas é o símbolo da impotência. Menos para Gabrielle, que nele vê sua grande paixão e a realização de seus desejos. É o que o filme tem de mais interessante. Este desfazer de fantasias não se limita a ser utilização de recursos melodramáticos. Mas é o que parece, antes de o filme revelar novos ângulos de acontecimentos anteriormente filmados. Embora as cenas que revelam a essência da história narrada possam ser marcadas por certa inverossimilhança elas expõe a imposição da realidade sobre a fantasia, o sonho punido, a rebeldia domesticada.
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