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Teatro

- Publicada em 05 de Junho de 2017 às 12:42

Última semana de Palco Giratório

A última semana do festival Palco Giratório do Sesc, encerrado na quinzena passada, trouxe uma série de espetáculos, digamos, fora dos figurinos da grande produção comercial, eminentemente experimentais e, sobretudo, autorais, mas que, justamente por causa disso, justificam amplamente uma mostra como esta.
A última semana do festival Palco Giratório do Sesc, encerrado na quinzena passada, trouxe uma série de espetáculos, digamos, fora dos figurinos da grande produção comercial, eminentemente experimentais e, sobretudo, autorais, mas que, justamente por causa disso, justificam amplamente uma mostra como esta.
Começo por Ledores no breu, de Dinho Lima Flor, que assina a dramaturgia, ao lado de Rodrigo Mercadante, responde pelo cenário e figurino e ainda interpreta o espetáculo, de um só ator. Este é o caso típico em que a concepção original, certamente de Dinho Lima Flor, surge necessariamente vinculado ao figurino e ao cenário, porque os mesmos são parte absolutamente essencial, como uma espécie da cara e coroa de uma moeda. Sem qualquer um destes aspectos, não existe espetáculo. Trata-se de tema tão importante quanto difícil de se colocar em cena: a importância da leitura. Claro, esta leitura se refere, de maneira imediata, à leitura das letras e, para isso, a encenação recupera um antigo folheto de cordel em torno do ciúme de um marido que acaba assassinando a esposa, por desconfiar de sua fidelidade, apenas porque é analfabeto. Mas a ligar este primeiro tema, que se espalha ao longo de todo o espetáculo, de hora e meia de duração, surgem outros tipos de leitura, num trabalho admirável e inesquecível, a que não falta nem mesmo total interatividade do artista com o público, ajudando, para isso, a proximidade dos espectadores na Sala Álvaro Moreyra.
Outro trabalho autoral foi trazido pelo grupo Pigmalião Escultura de Mexe, de Minas Gerais. Trata-se de um trabalho de bonecos com atores, numa animação difícil, mas muito bem realizada, em torno das relações familiares e dos complexos sexuais que envolvem tais relações, desde os antigos clãs. O trabalho lembra, de longe, o Álbum de família de Nelson Rodrigues: tudo começa quando a família, numerosa, envolvendo pai, mãe e filhos, pousa para um retrato. Por trás da aparência da imagem congelada da foto, a animação das figuras vai gradualmente revelando a verdade destas relações, marcadas pela violência dos incestos.
Por fim, o Coletivo As Travestidas, do Ceará, repete a dose de um trabalho colaborativo entre artistas locais e de Fortaleza, na criação de um trabalho cênico. Trata-se da diretora Jezebel de Carli que assina, com Silvero Pereira, que é o autor do roteiro do espetáculo, a realização de Quem tem medo de travesti. O elenco é numeroso, mas extremamente equilibrado: a concepção cênica é versátil o suficiente para atender às necessidades de idealização do espetáculo, na mesma linha de outros trabalhos que tanto a diretora, quanto o grupo, vêm realizando sucessivamente. Várias situações que envolvem a condição de transexuais, sobretudo os preconceitos e a violência, são abordadas e desenvolvidas neste trabalho que, como melhor qualificação, é capaz de se distanciar do discursivo, colocando-se numa perspectiva poética, altamente envolvente e radicalmente bem realizada do ponto de vista qualitativo das performances. De certo modo, o trabalho parafraseia antigos musicais que, embora tratando dos mesmos temas, o faziam com artificialidade, enquanto, aqui, a discussão é aprofundada e responsavelmente apresentada.
Talvez o espetáculo peque por uma demasiada duração. Creio que algum corte e maior concentração seja benéfico ao resultado final. Mas em nenhum momento o trabalho deixa de ser interessante e de prender a atenção do público, quer pelo modo como o tema é desenvolvido, quer pelo acabamento da produção, que inclui a pesquisa musical de Silvero Pereira, a preparação vocal de Angela Moura, a cenografia de Elaine Nascimento, os figurinos de Antonio Rabadan, a iluminação de Fábio Oliveira e, claro, as interpretações deste elenco que não interpreta, apenas, mas, literalmente, personifica as figuras de cena.
Fiquei pensando em como é importante a liberdade de se expressar, em voz alta, sentimentos e reflexões que são importantes para a sociedade, questões que, décadas atrás, sob a censura da ditadura, não podiam ser trazidas à cena. Este é um espetáculo maduro, para gente madura, sob todos os aspectos que se imagine, e que atesta também a maturidade de nosso teatro.
Com esta última (e terceira semana), encerrou-se o Palco Giratório deste ano. Uma vez mais, qualidade com quantidade e, neste ano, sobretudo, uma seleção que evidenciou preocupação dos curadores com temas sociais contemporâneos, garantindo uma unidade de perspectivas que o festival até aqui não apresentara. É claro que isso não é obrigatório a um festival, que deve apanhar o que escolher o que de melhor circule pelo País em nossos palcos. Mas se a mostra conseguiu, ainda, agregar mais este olhar crítico que destaca a importância da função do teatro, que bom. Ganhamos todos nós, espectadores.
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