O Atlas da Violência de 2017 indicou que, de cada dez pessoas assassinadas no Brasil, sete são negras. Para o advogado e autor do livro "Racismo à Luz do Direito Criminal (com Incursão no Direito Comparado)", Vilson Farias, o dado, infelizmente não é uma novidade, e escancara o óbvio: o País não vive uma democracia racial. Em entrevista ao Jornal da Lei, Farias comenta a legislação que rege a questão racial, e indica proposições para melhorar o acesso da população negra ao Judiciário.
Jornal da Lei - Em termos de legislação, o Brasil está avançado na questão racial?
Vilson Farias - Eu acredito que, em matéria de leis, estamos bem. Em 1951, foi criada a primeira norma que tratava o tema, a Lei nº 1390/51. Em 1989, foi estabelecida a Lei nº 7716/89, que determinava a igualdade racial. Em 2003, surge a lei que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, incluindo no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da história e cultura afro-brasileira. Foi em 2010, no entanto, que se criou o Estatuto da Igualdade Racial. O objetivo é de garantir à população negra igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica. Mesmo com uma legislação tão ampla e clara no que diz respeito a igualdade racial, falta efetividade.
JL - O que pode ser feito para melhorar a atuação do Judiciário nesses casos?
Farias - Em minha tese, "O Ministério Público na Vanguarda do Combate ao Racismo", defendi que, para combater a criminalidade no que se refere ao racismo, quando o negro aparece como vítima, devemos atuar institucionalmente. Nesse estudo também ressaltei proposições, como, por exemplo, criar estruturas funcionais permanentes e multidisciplinares no sentido de que as leis sejam implementadas, preparar os promotores de Justiça, procuradores de Justiça, procuradores da República e funcionários do Ministério Público em geral para familiarizarem-se com o Estatuto da Igualdade Racial. Também citei a necessidade de incentivar as escolas do Ministério Público para aproximar os quadros docente e discente com os movimentos negros, no sentido de familiarizarem-se com os problemas do dia a dia que sofrem os negros. Devemos, também, proporcionar ações afirmativas, como cotas para ingresso de negros no MP, tanto para promotores e procuradores como para servidores em geral. Enfim, que o Ministério Público do Brasil promova políticas e estratégias para diminuir ou equacionar a dívida histórica que o País tem para os negros, tanto na área civil como criminal. Além disso, devemos manter e exigir a política de cotas e legitimar os movimentos negros dentro do Judiciário.
JL - Quais são as melhores punições nesses casos?
Farias - Eu entendo que o Código Penal não resolve o problema da criminalidade. Normalmente as penas pedagógicas, que não são penas de prisão, mas para prestação de serviços à comunidade, são as mais praticadas nesses casos. Quando há dano moral, é normal o pagamento de indenizações de acordo com o Código de Processo Civil. Existe a possibilidade de pena de prisão no Código Penal, no artigo 140, mas, na prática, essas penas são substituídas por prestações de serviços à comunidade.