Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

direitos humanos

- Publicada em 08 de Junho de 2017 às 16:00

Trabalho infantil ainda tem números altos no Brasil

No Rio Grande do Sul os principais casos estão na agricultura, no trabalho doméstico e na construção civil informal

No Rio Grande do Sul os principais casos estão na agricultura, no trabalho doméstico e na construção civil informal


NICOLAS ASFOURI/AFP/JC
A existência de uma legislação protegendo os jovens no Brasil poderia sugerir que os números que se referem ao trabalho infantil são baixos ou inexistentes. Infelizmente, mesmo com artigos específicos sobre a questão na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, 2,6 milhões de jovens de cinco a 17 anos ainda eram exploradas através do trabalho infantil em 2015. O índice foi divulgado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).
A existência de uma legislação protegendo os jovens no Brasil poderia sugerir que os números que se referem ao trabalho infantil são baixos ou inexistentes. Infelizmente, mesmo com artigos específicos sobre a questão na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, 2,6 milhões de jovens de cinco a 17 anos ainda eram exploradas através do trabalho infantil em 2015. O índice foi divulgado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).
Na Constituição, especificamente no artigo 227, se reforça a necessidade de proteção às crianças. Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente busca, principalmente, assegurar o pleno desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. A CLT proíbe que menores de 16 anos trabalhem, exceto na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos. Também estipula o tipo de atividade a que o menor pode ser submetido e a jornada de trabalho a ser cumprida por ele.
Em 1919, foi criada a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trouxe consigo algumas convenções que tratam do trabalho infantil. A convenção 138 estabelece que, para a contratação de um adolescente, este deve ter um nível de desenvolvimento físico e mental mais completo. Já a 146 institui a idade mínima em todos os setores de atividades elaborativas e constituiu um aspecto protetivo para a criança e o adolescente.
A procuradora do trabalho do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul (MPT-RS) e chefe da Coordenadoria Regional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância), Patrícia de Mello, explica que o grande problema é a invisibilidade do trabalho infantil. "Não é algo que a gente enxergue ao entrar na loja, por exemplo, mas lá no fundo, na produção, existem diversas crianças e adolescentes sendo exploradas", salienta. No Estado, os principais casos estão na agricultura, no trabalho doméstico e na construção civil informal, segmentos que propiciam a contratação irregular desses jovens.
Por trás dessa exploração não estão só empregadores, mas também famílias, que acabam fomentando o trabalho para suas criança, motivadas pelas necessidades. A procuradora do trabalho do Ministério Público do Trabalho do Distrito Federal (MPT-DF) Valesca do Monte, coordenadora da Coordinfância em nível nacional, explica que é necessário trabalhar com esses núcleos a partir de políticas sociais. "Temos que buscar benefícios que atendam essas famílias em saúde, alimentação, educação. Precisamos ter certeza de que esses pais estarão trabalhando e seus filhos estarão na escola, para que não ocorra mais essa ilicitude", reforça.
Ela aponta que o maior número de inquéritos envolvendo empresas trata da contratação de adolescentes de 16 a 18 anos para atividades insalubres e perigosas. Nesses casos, a atuação da procuradoria é instaurar inquéritos civis públicos para investigação. A partir disso, se propõe a formalização de um termo de compromisso de ajuste de conduta, que tem natureza jurídica de solução extrajudicial. Se descumprido, a empresa sofre multas altas; caso não queira firmar esse compromisso, ajuízam-se ações civis públicas ao judiciário trabalhista, que fica responsável por emitir uma sentença.
Mesmo com uma atuação forte do MPT, são muitos os órgãos que se aliam na rede de proteção, como Conselhos Tutelares, Auditoria Fiscal do Trabalho e Centros de Referência de Assistência Social. As denúncias podem ser feitas nessas instituições, ou através do canal Disque 100. 
 

'O trabalho dignifica, mas isso não pode incluir crianças e adolescentes', afirma procuradora

A Coordinfância está presente em todos os estados do País e tem como objetivo fazer uma atuação articulada no MPT sobre a exploração de jovens. O grupo atua através do projeto Resgate à Infância, que trabalha com três eixos: políticas públicas, educação e profissionalização.
A coordenadora do grupo na esfera regional, Patrícia de Mello, acredita que já exista aceitação cultural do trabalho infantil, de que é melhor a criança trabalhar do que estar nas ruas. "O dito é de que o trabalho dignifica, mas isso não pode incluir crianças e adolescentes. Essa criança não deve estar nem na rua, nem trabalhando, ela deve vivenciar a infância", aponta a procuradora. Para ela, essa é a preocupação inicial e a primeira questão a ser combatida.
Trabalhar o tema nas escolas é uma necessidade levantada pelas procuradoras. Patrícia afirma que isso possibilita que as próprias vítimas reconheçam o que é essa exploração. No segmento profissional, o Resgate à Infância busca debater com as empresas a necessidade de seguir as cotas de aprendizagem, de 5% a 15%, respeitando a condição de aprendiz como aluno, e não como mão de obra barata.
Valesca do Monte reforça que a atuação só pode ser desenvolvida em rede, capacitando cada órgão para se mobilizar pela erradicação do trabalho infantil. "Quando falamos de erradicação, citamos cumprimento de Constituição, ação integrada da rede de proteção e fortalecimento dessas unidades", garante a procuradora. Para ela, se o Estado não cumpre suas obrigações constitucionais, afeta as famílias, que seguem em condição de subcidadãos, subemprego e subsalário, propiciando situações de exploração.

Atividade análoga à escravidão e exploração infantil estão associadas

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou que cerca de 90% dos trabalhadores submetidos a situações de trabalho análogas à escravidão foram vítimas de trabalho infantil. O índice evidencia que há prejuízos para a criança e o adolescente até mesmo na vida adulta.
Presidente do Instituto Proteger, a advogada Melissa Telles indica que na infância o indivíduo se encontra num processo de desenvolvimento, e, por isso, tudo que acontece nesse período pode gerar impactos permanentes. No caso do trabalho não é diferente: atividades de alto impacto ou que exijam esforço físico extremo podem causar diversas doenças e lesões, por exemplo.
Ela afirma que, dependendo do tipo e do contexto social do trabalho, os impactos psicológicos na criança e no adolescente são diversos, atingindo, especialmente, a capacidade de aprendizagem e a maneira de se relacionar. "No âmbito da educação, as crianças e adolescentes que trabalham, em geral, apresentam dificuldades no desempenho escolar, o que leva muitas vezes ao abandono dos estudos", salienta.
Melissa ressalta também a preocupação com os casos de abandono escolar. "Falta acompanhamento, fiscalização e o apoio estatal para que esses jovens saiam das condições miseráveis em que se encontravam e não voltem mais", lamenta.