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Jornal da Lei

- Publicada em 26 de Maio de 2017 às 16:44

'O governo Temer quer destruir a Funai'

Para Maia, PEC 215 é inconstitucional

Para Maia, PEC 215 é inconstitucional


PEDRO FRANÇA/PEDRO FRANÇA/AGÊNCIA SENADO/JC
Coordenador da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF), responsável por tratar de casos envolvendo indígenas, o subprocurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, trava uma árdua batalha em defesa dos direitos dos povos originários do Brasil. Em entrevista ao Jornal da Lei, ele fala sobre as principais ameaças aos direitos dos índios.
Coordenador da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF), responsável por tratar de casos envolvendo indígenas, o subprocurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, trava uma árdua batalha em defesa dos direitos dos povos originários do Brasil. Em entrevista ao Jornal da Lei, ele fala sobre as principais ameaças aos direitos dos índios.
Jornal da Lei - A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 215 transfere do Executivo para o Legislativo a palavra final sobre a demarcação de terras indígenas. Como o MPF vê a proposta e suas futuras implicações?
Luciano Mariz Maia - A proposta é inconstitucional e significa um imenso retrocesso no reconhecimento constitucional do direito dos índios. Desde 1934, todas as Constituições reconhecem aos índios o direito sobre as suas terras de ocupação tradicional. Não estamos falando em terras de ocupação imemorial, e sim de 80 anos para cá. Nesse sentido, todas as Constituições - de 1934, de 1937, de 1946, de 1967, de 1969 e de 1988 - reconhecem aos índios o direito às suas terras. O que essa PEC 215 quer? Ela não está preocupada com o fato de que uma lei de 1973, o Estatuto do Índio, mandava demarcar em cinco anos. Não está preocupada com o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, de 1988, que mandava demarcar em cinco anos. Ela está preocupada porque, de 1988 para cá, 90% das terras indígenas foram demarcadas. O que a PEC quer é não demarcar mais. A transferência do Executivo para o Legislativo não é para agilizar o cumprimento de um dever constitucional, mas para barrar o cumprimento de um dever constitucional.
JL - Se aprovada, é possível recorrer ao Judiciário para tentar derrubá-la?
Maia - Não há dúvida nenhuma disso. O Supremo não terá dificuldade em declarar a inconstitucionalidade dessa PEC 215.
JL - O fato de os índios praticamente não terem representatividade nas esferas de poder é fator importante nesses retrocessos?
Maia - A qualidade de uma democracia é avaliada não só por respeitar a vontade da maioria, mas por levar em conta os direitos e interesses legítimos das minorias. É isso que qualifica o Estado Democrático de Direito. A maioria não pode tratorar, pisotear, esmagar minorias. E os índios não têm representação parlamentar. Eles representam menos de 1% da população brasileira e já representaram uma maioria esmagadora da população. Foram sendo dizimados. Na década de 1930, o Brasil tinha 40 milhões de pessoas, das quais mais de 2 milhões de índios. Eles eram 5% da população. Hoje, somam em torno de 1 milhão, e o Brasil saltou para 200 milhões de habitantes. Quatro novos Brasis se somaram ao Brasil de então para tomar terras indígenas.
JL - O Brasil tem sido alertado pela Organização das Nações Unidas (ONU) por desrespeito aos direitos dos povos nativos. Como tem visto as ações do governo para defender esses direitos?
Maia - É preciso mencionar que nos governos dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff não havia ataques aos direitos indígenas, mas não havia uma proteção efetiva. No entanto, no governo Michel Temer, dois dos ministros da Justiça, Alexandre de Moraes e Osmar Serraglio, estiveram em uma linha de desrespeitar frontalmente os direitos dos índios. O governo atual só faz agravar a situação. Não quer demarcar as terras não demarcadas, quer desmarcar as demarcadas recentemente e quer que, nas já anteriormente demarcadas, possa haver a presença do agronegócio. Essa é a filosofia do governo que tem o presidente Temer à frente.
JL - Em uma entrevista recente, o senhor afirmou que o atual governo está "decidido a destruir a Fundação Nacional do Índio (Funai) por dentro e por fora".
Maia - Repito isso. O governo Temer quer destruir a Funai. Repito sustentado pelo presidente expelido da Funai pelo ministro da Justiça por que se recusou a aceitar nomeações meramente partidárias. O governo Temer retirou cargos e funções da Funai e não tem repassado recursos suficientes para ela se manter. Se você verificar o orçamento para identificação, demarcação e desintrusão de terras indígenas, é um fiasco completo.
JL - Na semana retrasada, o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai pediu o indiciamento de mais de 90 pessoas, entre lideranças indígenas e religiosas, antropólogos, procuradores da República, técnicos da Funai e do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), e defensores dos direitos dos povos originários.
Maia - A CPI tratorou os deputados que resistiram ao seu modo de proceder. Os que formaram a maioria da CPI não tiveram respeito pelos colegas que faziam parte da minoria e que resistiam ao seu modo de condução. A CPI, antecipadamente, já sabia o que queria e não investigou fatos desconhecidos. Ao contrário, tentou unicamente angariar depoimentos e documentos que corroborassem a sua argumentação. Qual a argumentação central da CPI? A Funai é um obstáculo à bancada ruralista, porque age com independência técnica e identifica terras indígenas com critérios antropológicos, e isso é inadmissível. É necessário extingui-la e criar uma secretaria que tenha subordinação ao ministro da Justiça, que seja dependente da vontade política do ministro e que, portanto, faça ou deixe de fazer o que a bancada ruralista desejar.
JL - O senhor acha que o caminho é de extinção da Funai?
Maia - O governo Temer tem apoiado essas iniciativas. É do presidente da República um decreto que esvazia a Funai. E, portanto, é dele a vontade de permitir que essa situação aconteça. A Funai é uma das agências governamentais indigenistas mais importantes do mundo. A quantidade de terras estudadas e demarcadas, de relatórios antropológicos, de estudos, de base documental e fotográfica, de relatos de vídeo e áudio. É um acervo antropológico, cartográfico e documental extraordinário. Eliminar essa instituição significa passar a borracha, destruir a memória institucional da presença indígena no Brasil.
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