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Tributos

- Publicada em 12 de Março de 2017 às 15:33

Com a recessão, empresas pararam de pagar impostos

Maioria escolhe o pagamento de fornecedores ao acerto com o Fisco

Maioria escolhe o pagamento de fornecedores ao acerto com o Fisco


ARQUIVO/JC
A deterioração do cenário macroeconômico nos últimos anos levou as empresas, sobretudo as pequenas e médias, a escolherem entre o pagamento de fornecedores ou o recolhimento de impostos. Na opinião do economista Juarez Rizzieri, professor sênior da Faculdade de Economia e Administração da USP, a decisão geralmente pende para o lado da sonegação. "Normalmente, a empresa para de pagar os impostos municipais e estaduais e tenta ao máximo pagar as dívidas com a Receita Federal, onde ela sabe que a punição é rápida e maior. Mas essa busca pela sobrevivência vem destruindo a segurança jurídica do ambiente corporativo", diz o especialista.
A deterioração do cenário macroeconômico nos últimos anos levou as empresas, sobretudo as pequenas e médias, a escolherem entre o pagamento de fornecedores ou o recolhimento de impostos. Na opinião do economista Juarez Rizzieri, professor sênior da Faculdade de Economia e Administração da USP, a decisão geralmente pende para o lado da sonegação. "Normalmente, a empresa para de pagar os impostos municipais e estaduais e tenta ao máximo pagar as dívidas com a Receita Federal, onde ela sabe que a punição é rápida e maior. Mas essa busca pela sobrevivência vem destruindo a segurança jurídica do ambiente corporativo", diz o especialista.
No caso de Humberto Gonçalves, dono de uma indústria de forja e estamparia há 24 anos na cidade de São Paulo, a recessão levou à suspensão completa de pagamento de impostos. "Os últimos quatro anos estão críticos. Teve um mês em que eu não consegui pagar o ICMS de 18%. No outro mês, eu estava, portanto, devendo o novo mês, o mês passado e mais 20% de juros pelo atraso. Daí para frente, a situação se desenrolou como uma bola de neve", conta ele, que contabiliza uma dívida de mais de R$ 1 milhão em impostos.
Para Marcio Morgado, da rede de franquias Nat Fruit Ice, as dívidas com o Fisco resultaram na perda de crédito com os fornecedores. "Eu vivo de revender produtos para os franqueados e da cobrança dos royalties sobre a receita deles. Mas parei de cobrar royalties, se não eles quebram, tenho de comprar tudo à vista. Se pagar os impostos, não tenho o que vender."
Por ramo de atividade, a pesquisa do Ibracem e da FGV-SP aponta as empresas de comércio como líderes em irregularidades - só 4% dos empreendimentos não têm pendências. O ramo industrial vem na sequência, com 91,83% de negócios irregulares, empatado com o setor de serviços. O problema atinge até empresas de auditoria e contabilidade, que teoricamente têm no controle da burocracia e do pagamento de impostos sua atividade principal.
Quase 90% delas têm hoje algum tipo de irregularidade, incluindo as multinacionais de auditoria, como a americana Grant Thornton. A empresa tirou uma certidão negativa em novembro, com validade de seis meses. No entanto, consta em seu registro uma pendência na prefeitura de São Paulo.
"Nós temos um parcelamento na prefeitura e, em virtude disso, não é possível fazer a emissão da certidão de maneira on-line", diz o sócio da área de tributos da empresa, Murilo Pires. "É por esse motivo que temos uma certidão válida e, na medida em que está para vencer, é preciso levar ao conhecimento do órgão, apesar de ele já ter essa informação, mostrar todos os documentos que estamos honrando com o pagamento para que seja possível a emissão de uma nova certidão", explica Pires, que faz um paralelo do ambiente de negócio do País com o da Índia. "Sem dúvida, o Brasil é um país complexo."

Pelo menos uma inconsistência é encontrada em 86% das companhias brasileiras, diz pesquisa

Lindolfo Paiva tem uma rede de franquias com 77 unidades. Para dar conta da documentação e dos impostos, contratou três escritórios de contabilidade e montou um departamento jurídico. Mas, na semana passada, soube que sua empresa estava operando de maneira irregular, segundo apontamentos no site da Secretaria da Fazenda da Prefeitura de São Paulo.
"Não consigo imaginar onde ou como estou devendo", afirma. "Não acho que seja (falta de pagamento de) imposto. Deve ser algum papel que a contabilidade deixou de entregar", explica ele, que diz sempre participar de licitações e, para evitar problemas, retirar pelo menos duas vezes por ano certidões negativas de débitos. "Mesmo assim, algumas vezes eu quase perdi o prazo porque foram apontados débitos que, como agora, não sabíamos explicar."
Segundo pesquisa da FGV-SP, Lindolfo Paiva não é exceção, mas regra. A quantidade de documentos, alvarás, taxas e também a inadimplência motivada pela queda no faturamento das empresas, consequência da recessão econômica, fazem com que 86% das quase 18 milhões de empresas brasileiras ativas tenham pendências com os órgãos de fiscalização municipais (secretarias da Fazenda), federais (Receita Federal) ou com o FGTS. A fiscalização estadual não entrou na pesquisa.
Com isso, quase nove entre 10 empresas estão, na prática, impedidas de obter certidões negativas de débito, documento que, além de valer para a nota de crédito das empresas no mercado financeiro, é necessário para a obtenção de linhas de financiamento em instituições de fomento, como o Bndes, bancos públicos ou para participar de licitações e concorrências, públicas ou privadas.
O estudo da FGV-SP foi encomendado pelo Instituto Brasileiro de Certificação e Monitoramento (Ibracem). Aplicado a uma base de 2.550 empresas, traz o duro retrato de como estava a situação fiscal e contábil dos empreendimentos de diferentes portes e segmentos. Os dados foram coletados ao longo de duas semanas em fevereiro de 2016 e atualizados em outras duas semanas em fevereiro de 2017. A margem de erro, segundo os coordenadores, é de 1,94%, para cima ou para baixo.
"Os resultados dos levantamentos de 2016 e 2017 são praticamente idênticos, com 85,84% em 2017 e 86% em 2016. O fato revela que, possivelmente, a maioria dos empresários não acompanha e não tem conhecimento da situação de regularidade de suas empresas", diz Julio Botelho, diretor de contabilidade do Ibracem.
O estudo não explora os tipos de irregularidades, tornando impossível apontar o que é de natureza tributária ou de obrigações contábeis. Na opinião do economista Robson Gonçalves, da FGV-SP, a explicação vai além da capacidade de quitar os 92 impostos, taxas e contribuições vigentes no País. "Não podemos descartar a recessão, que faz com que a empresa deixe de pagar impostos para financiar sua sobrevivência. Mas tem também o volume de responsabilidades acessórias, de documentos e taxas que é bastante alto e representa um custo importante para o empresário", diz.
Na avaliação do advogado tributarista e presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), Hamilton Dias de Souza, é praticamente impossível manter uma empresa 100% regularizada o tempo todo no Brasil. "O que eu vejo é um profundo desequilíbrio da relação entre o Fisco e o contribuinte", diz ele, que aponta três grandes causas para o baixo índice de negócios enquadrados dentro da legislação brasileira.