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Política

- Publicada em 02 de Fevereiro de 2017 às 23:05

'Na democracia, não há tema que seja tabu', diz Ayres Britto

Ex-ministro do Supremo, Carlos Ayres Britto (microfone) participou de debate com prefeitos em Porto Alegre

Ex-ministro do Supremo, Carlos Ayres Britto (microfone) participou de debate com prefeitos em Porto Alegre


JONATHAN HECKLER/JC
Carlos Villela
Desde sua saída do Supremo Tribunal Federal em 2012, o ex-ministro Carlos Ayres Britto segue acompanhando de perto as decisões da mais alta Corte do Judiciário Brasileiro. Após a aposentadoria, abriu escritório de advocacia, é um dos consultores do presidente Michel Temer (PMDB) para assuntos constitucionais e viaja o País para participar de conferências.
Desde sua saída do Supremo Tribunal Federal em 2012, o ex-ministro Carlos Ayres Britto segue acompanhando de perto as decisões da mais alta Corte do Judiciário Brasileiro. Após a aposentadoria, abriu escritório de advocacia, é um dos consultores do presidente Michel Temer (PMDB) para assuntos constitucionais e viaja o País para participar de conferências.
Em seminário organizado em Porto Alegre pela Associação Brasileira de Filosofia e a Escola Superior do Ministério Público, nesta semana, Ayres Britto foi homenageado e participou de debate sobre municipalismo.
Em entrevista para o Jornal do Comércio, Ayres Britto comentou a morte de Teori Zavascki, relator da Operação Lava Jato - "a vida pregou uma peça na vida do brasileiro" -, refletiu a respeito de projetos que relatou e a necessidade da leitura e interpretação da Constituição.
Jornal do Comércio - Como o senhor via a atuação do ministro Teori Zavascki no Supremo Tribunal Federal? E como reagiu à sua morte?
Ayres Britto - Eu achava o arquétipo do juiz competente, atualizado, independente, discreto, propositivo... eu gostava muito dele. Senti uma pancada no coração que bateu no peito e tiniu no infinito, como diria Fernando Pessoa.
JC - Como o senhor avalia as atitudes da presidente do STF, Cármen Lúcia, diante da morte de Zavascki, em relação à Operação Lava Jato?
Britto - Bom, o meu juízo pessoal sobre os ministros do Supremo, com toda a sinceridade, é altamente afirmativo. Eles são competentes, responsáveis, comprometidos com o direito e a guarda da Constituição. Fui colega anos a fio de Cármen, de Marco Aurélio (Mello), de Gilmar (Mendes), foram quase 10 anos, nos tornamos muito próximos, e assim e é difícil dar uma opinião sobre a qualidade dessas atitudes, e acho que por isso fico um pouco inibido para falar sobre esse assunto de um modo personalizado.
JC - Durante muitos anos o senhor foi ligado à teoria holística, escrevendo sobre o assunto e relacionando com o Direito. O senhor aplicava essa teoria durante sua atuação no Supremo Tribunal Federal?
Britto - Sim, com certeza. Eu protagonizei, e digo isso sem autolisonja, processos impactantes. Caso da Raposa Serra do Sol, proibição de nepotismo, liberdade de imprensa, mas sempre aplicando um raciocínio holístico. Quando eu percebia que havia um contraponto ao meu pensamento, com base constitucional, eu ponderava para os ministros: "aqui é entre o certo real e o certo aparente". Qual é o certo real? É a alternativa que imprime a constituição maiores ganhos de funcionalidade sistêmica. Nos meus votos eu dizia que se nós perfilhássemos determinados entendimentos, nós vitalizaríamos determinados princípios da Constituição. Se nós perfilhássemos outro entendimento, vitalizaríamos outros princípios. A questão não é o número de princípios, e sim a qualidade deles. Entre o certo e o certo, devemos ver qual alternativa torna a Constituição mais forte e correta. E para isso é preciso estudar a Constituição, ler de forma prazerosa e consciente. Esse é o papel do intérprete do Direito.
JC - Como o senhor pensa que deve se estimular a leitura da Constituição?
Britto - Eu acho que os governos municipais e estaduais deveriam distribuir exemplares da Constituição Federal nas escolas. Para isso, a gráfica do Senado Federal pode editar baratinho. Uma política pública, educativa, de pegar a Constituição e distribuir nas escolas, nas instituições e nos bairros. Você sabe quantos exemplares eu tenho? Cem edições ou mais. Quando um tema novo me é apresentado, eu adquiro uma nova e leio do preâmbulo ao último artigo. E leio sem anotações, para não condicionar. Eu chamava meus assessores e juízes auxiliares e dizia a eles "vamos nos esquecer de que temos memória". Porque se lembrar de que tem memória, não vai produzir um conhecimento de primeira mão, e sim reproduzir suas pré-interpretações e preconcepções. Eu não quero usar uma gravata de segunda mão, uma camisa de segunda mão. Por que eu iria querer um conhecimento de segunda mão?
JC - Durante seu período no STF, o senhor foi relator de projetos polêmicos e polarizantes de um ponto de vista social, como a união homoafetiva e pesquisas com células-tronco embrionárias. Um dos nomes aventados para ocupar a vaga de Zavascki, o jurista Ives Gandra Filho, se posicionou de forma contrária a isso. Acha que a indicação de um ministro conservador pode levar a uma reversão desses projetos?
Britto - Eu acho que há uma espécie de proibição de retrocesso na linha do que disse Albert Einstein, de quando a mente humana se abre a uma nova ideia, é impossível retornar ao tamanho original. Quando a sociedade se abre para a imprescindibilidade de certos princípios, ninguém segura. É viagem de qualidade sem volta. A democracia tem esse mérito apetrechado à coletividade. Porque, na democracia, não há tema que seja tabu, nem Deus. Nenhum tema pode blindar-se a si mesmo.
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