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Entrevista Especial

- Publicada em 08 de Janeiro de 2017 às 22:01

Vanazzi projeta seis meses para reorganizar finanças

"Tenho tranquilidade jurídica em nossa candidatura em São Leopoldo"

"Tenho tranquilidade jurídica em nossa candidatura em São Leopoldo"


FREDY VIEIRA/JC
São Leopoldo teve a confirmação da validade da eleição municipal apenas em dezembro, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deferiu o registro de candidatura de Ary Vanazzi (PT), que estava impugnada a pedido das demais chapas que concorriam ao pleito.
São Leopoldo teve a confirmação da validade da eleição municipal apenas em dezembro, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deferiu o registro de candidatura de Ary Vanazzi (PT), que estava impugnada a pedido das demais chapas que concorriam ao pleito.
Depois desse revés, Vanazzi inicia seu terceiro mandato na cidade - comandou o executivo de 2005 a 2012 - e pretende renegociar contratos com fornecedores para recuperar recursos ao município.
Vanazzi tece críticas ao antecessor, Anibal Moacir (PSDB), que entregou a prefeitura com déficit e pagamento de salários em atraso. "Temos uma situação econômica muito grave e de difícil solução em um espaço curto de tempo." Vanazzi projeta serem necessários pelo menos seis meses "para reorganizar as finanças públicas".
Atual presidente estadual da sigla - deve se afastar do cargo em março -, o petista comandará a segunda maior cidade do Brasil com uma prefeitura do PT e defende aproximação com outros partidos da esquerda.
Jornal do Comércio - Sua candidatura havia sido indeferida e o senhor recorreu para obter o deferimento e tomar posse. Ainda cabe recurso de quem pediu impugnação?
Ary Vanazzi - Cabe recurso e devem ter recorrido. Mas, como tenho afirmado, tive a candidatura homologada na eleição, participei de forma oficial com aval da Justiça Eleitoral de São Leopoldo, perdi no Estado e ganhei no TSE. Tenho tranquilidade jurídica e técnica da nossa candidatura, estou muito tranquilo para governar nos próximos quatro anos.
JC - Acredita que isso prejudicou a transição?
Vanazzi - A impugnação foi um movimento político, justamente para atrapalhar, na minha opinião, o início do nosso governo. E atrapalhou muito, trazendo muitos prejuízos, porque, se tivéssemos acompanhado de perto desde novembro ou dezembro, não tínhamos deixado atrasar o salário do funcionalismo, não tínhamos permitido não pagar a folha, pois eles usaram toda a arrecadação do mês de dezembro para pagar fornecedores que tinham interesse em pagar e não pagaram funcionários.
JC - Como foi receber a prefeitura e iniciar os trabalhos?
Vanazzi - Está sendo muito difícil. Em primeiro lugar, porque não houve transição, embora tivéssemos recurso em Brasília, então estamos chegando na prefeitura como se entra em um matagal de lanterna no escuro, sem saber onde é que vai. Tivemos umas duas reuniões, mas que não ajudaram praticamente em nada, para conhecermos a realidade econômica, financeira e de serviço da prefeitura municipal. Segundo, recebemos a prefeitura, pelo diagnóstico preliminar, em uma situação dramática do ponto de vista financeiro. Apresentamos os dados preliminares, nos quais a dívida da prefeitura pode chegar a quase R$ 700 milhões. Isso inviabiliza praticamente, por uns dois anos, uma gestão mais qualificada. Para se ter uma ideia, quando saí da prefeitura municipal, deixei uma dívida de R$ 60 milhões a pagar. Hoje, recebi a prefeitura com R$ 202 milhões a pagar. Triplicou, praticamente. E isso é o mais grave, porque são serviços já executados, que têm de ter dinheiro em caixa para pagar, e eu não tenho esse dinheiro. Além disso, recebi uma folha de pagamento de dezembro que gira em torno de R$ 30 milhões, com atraso, e férias e demissões de professores, salários de estagiários, convênios de entidades que prestam serviço para a prefeitura na área da educação também em atraso, correndo o risco de quebrarem e não prestarem mais o serviço. Temos uma situação econômica no município muito grave e de difícil solução em um espaço curto de tempo.
JC - Esse déficit havia sido anunciado?
Vanazzi - Na verdade, nunca me disseram nada, mas estávamos acompanhando um pouco o desdobramento da receita e da despesa e percebemos que havia um furo, que a dívida havia aumentado, mas não imaginávamos que fosse tão grande assim. Quando eles assumiram, em janeiro de 2013, passaram quatro anos dizendo que eu tinha quebrado a prefeitura e entregado com uma dívida de R$ 360 milhões, isso porque eles colocavam junto as dívidas de longo prazo, consolidadas. E eles estão entregando, só de empenho, R$ 200 milhões. Tomamos algumas medidas: nomeamos apenas os secretários e alguns quadros mais técnicos de ponta para tocar o serviço; vamos fazer uma auditoria interna, com os funcionários públicos, para identificar a raiz da dívida estrutural do município, especificamente no último período. Faremos uma auditoria em todos os contratos, principalmente nas áreas de saúde e prestação de serviços, para ver o que significam esses terceirizados, principalmente na área das contas da prefeitura municipal, e o impacto que isso tem. E, do outro lado, faremos um processo de receita, que é investir pesado no combate à sonegação, rever os incentivos fiscais que foram dados principalmente para grandes empresas, estudar a questão da planta do IPTU, na qual há uma distorção muito grande. Estamos tomando várias medidas para viabilizar minimamente os serviços públicos da cidade. Nosso compromisso é manter os salários dos funcionários em dia.
JC - O 13º atrasou também?
Vanazzi - Não atrasou porque teve financiamento. Os funcionários pegaram esse dinheiro emprestado no banco, e a prefeitura tem que pagar (ao banco). Estamos inclusive pagando, agora em janeiro, parcelas do 13º, porque foi feito para pagar em 2017. O funcionário recebeu, mas a prefeitura tem que pagar o resto agora.
JC - Tem previsão de colocar em dia os pagamentos?
Vanazzi - Do ponto de vista de salário, farei um esforço muito grande para tentar manter em dia. Minha prioridade é manter o salário dos servidores e, em segundo, manter os serviços essenciais em dia. Estamos começando um diálogo com todos os devedores, tentando renegociar contratos de acordo com nossa receita, para manter serviços mínimos e, principalmente, reorganizando serviços da cidade. As áreas não se conversam, o custeio aumentou muito, então, a partir da nossa experiência com os técnicos e com funcionários, vamos reorganizar o serviço para diminuir o custeio da máquina e prestar um serviço de melhor qualidade. Esse é nosso objetivo e estratégia nesse sentido, de buscar dinheiro, receita, exigir que o Estado pague sua parte para os municípios e exigir que a União banque aquilo que é sua obrigação nos repasses constitucionais e nos programas sociais.
JC - Essa dívida estrutural, qual o tamanho dentro da dívida do município hoje?
Vanazzi - Tínhamos dívida de longo prazo porque pegamos muitos financiamentos federais que têm 15, 20 anos para pagar e juro barato. Há as dívidas de curto prazo, que precisam estar organizadas e orientadas de acordo com o fluxo de caixa. Na gestão passada, tínhamos uma dívida administrável. O que aconteceu agora é que a dívida aumentou muito, e o caixa não dá mais conta. Se houvesse hoje um déficit a pagar de R$ 80 milhões, R$ 90 milhões, era normal, até suportaria. Mas o problema é que são R$ 200 milhões, e a receita do município é em torno de R$ 600 milhões, R$ 700 milhões no ano. Houve uma grande irresponsabilidade. Inclusive, vamos encaminhar denúncias por improbidade administrativa para o Ministério Público Federal (MPF), para o Ministério Público de Contas (MPC) e para a Câmara de Vereadores, porque tem aí recursos de fundos vinculados que foram usados e não devolvidos, isso é improbidade. Tem recurso do INSS que as empresas pagam para a prefeitura, que não pagou o Imposto de Renda à Receita, e isso é apropriação indébita. Têm, portanto, várias irregularidades de gestão, e encaminharemos as denúncias para os órgãos competentes, para que façam a fiscalização e a auditoria.
JC - Quando pretende encaminhar essa denúncia?
Vanazzi - Estamos encaminhando hoje (5), já temos base técnica e econômica para fazê-lo. E a auditoria, faremos no prazo de 60 dias, acompanhada pelo sindicato dos servidores públicos municipais, justamente para poder identificar onde está o problema estrutural dessa dívida.
JC - O que o senhor pretende como ação imediata, consegue visualizar alguma coisa? Falou em cortes...
Vanazzi - Os postos de saúde não têm telefone, foram cortados por falta de pagamento. Recebemos uma notificação de que vão cortar a energia elétrica dos prédios públicos por falta de pagamento. Tem a questão do oxigênio que, se não pagar, vão cortar o fornecimento, e isso mexe com a vida das pessoas. São dívidas acumuladas de cinco, seis meses, e estão aparecendo agora. Adotaremos medidas de manutenção dos serviços mínimos, fazendo funcionar, renegociando esses contratos com os fornecedores nas questões emergenciais, para poder readequar o serviço, olhar melhor os contratos e readequar o trabalho. Teremos um período de seis meses de muito trabalho para reorganizar as finanças públicas e depois construir o governo dentro de outra perspectiva.
JC - Tirando um pouco o foco da questão da dívida e do déficit, tem algum projeto para retomar o desenvolvimento e atrair investidores?
Vanazzi - Temos vários projetos em São Leopoldo que são do nosso governo anterior, do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Alguns estão acontecendo, outros estão parados. O objetivo é agilizar e dar mais velocidade a esses projetos que são obras estruturais na cidade, adotar uma estratégia para agilizar repasse de recursos, revisão dos projetos, fazer as obras funcionarem no maior ou no menor prazo possível, porque isso também vai gerar emprego, movimentando a economia. Em segundo, pegar projetos que já tínhamos encaminhado ao governo federal no passado, ao governo do Estado, tentar negociar com mais intensidade obras estruturais. Em terceiro, manter os programas de serviço, principalmente de educação, saúde e limpeza pública e qualidade de vida. Vamos montar um calendário transversal de serviços, diminuindo custos e aumentando o serviço. Em quarto, renegociar os contratos com todos os fornecedores, reavaliando os que estão na área de terceirização, porque, olhando por cima, são muito onerosos para o município e dá para baratear.
JC - Que serviço vê como necessidade urgente de atuação por parte da prefeitura?
Vanazzi - De imediato, limpar a cidade, tapar buraco e melhorar a saúde. São as três áreas mais dramáticas, porque o serviço não existe, dá muito problema e prejudica a população. Depois, queremos investir na área da educação, recuperar os projetos, e queremos tratar do tema da segurança, tive uma reunião com o secretário de Segurança, Cezar Schirmer (PMDB), sobre o presídio que será construído em São Leopoldo. Essas áreas são prioritárias, e o centro de tudo isso é recuperar o orçamento participativo, a participação da população na política de gestão.
JC - Como foi a reunião?
Vanazzi - Tiramos como encaminhamento que o secretario fará um levantamento do processo interno e, depois que tiver a documentação toda, visitar São Leopoldo para montarmos uma equipe de trabalho para agilizarmos a construção do presídio.
JC - Já tem o terreno?
Vanazzi - O terreno já é do Estado, já têm projetos técnicos, agora é só agilizar o processo de aprovação e construção.
JC - Como avalia a perda de espaço do PT e como agir para retomá-los?
Vanazzi - Existe uma campanha nacional e internacional contra a esquerda e um crescimento muito vigoroso da extrema direita, do ódio, do preconceito. A eleição de (Donald) Trump, nos Estados Unidos, é um sinal de que essa ideologia está crescendo, e a tendência é continuar. Isso refletiu na América Latina, no Brasil, nas eleições municipais. Por isso, nós, do PT, assim como outros partidos de esquerda, devemos construir uma aliança política nas nossas cidades. Nos aproximar do PDT, de setores do PSB, do PCdoB, dos movimentos sociais. Somos a segunda maior cidade do País que o PT governa, atrás de Rio Branco, no Acre. Mas acredito que o PT é o partido que ainda representa setores importantes dos movimentos sociais e da classe trabalhadora, e, se mudar, se começar o debate e fizer o dever de casa, vai recuperar seu papel histórico, ideológico e político. Esse é nosso desafio e nosso processo.

Perfil

entrevista especial - prefeito de São Leopoldo Ary Vanazzi.

entrevista especial - prefeito de São Leopoldo Ary Vanazzi.


FREDY VIEIRA/JC
Ary José Vanazzi, 57 anos, nasceu em Coronel Freitas (SC). É formado em História. Chegou a São Leopoldo em 1983, onde iniciou o Movimento Pró-Dique, pela construção do sistema de contenção às cheias do Rio dos Sinos. Foi eleito vereador em 1988 e reeleito em 1992. Em 1996, concorreu a vice-prefeito. Em 1998, disputou a vaga de deputado federal, ficando na suplência. Um ano depois, assumiu como secretário estadual de Habitação no Rio Grande do Sul e, em 2000, assumiu uma cadeira na Câmara Federal, sendo reeleito em 2002. Elegeu-se prefeito de São Leopoldo em 2004, sendo reeleito em 2008 com 77,4% dos votos. Foi coordenador da campanha presidencial de Dilma Rousseff (PT) no Rio Grande do Sul em 2010. Também presidiu o Consórcio Pró-Sinos, que congrega 32 municípios do Vale do Rio dos Sinos e foi presidente da Federação dos Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs). Desde novembro de 2013, é presidente estadual do PT. Em 2016, concorreu à prefeitura de São Leopoldo e foi eleito com 30,2% dos votos válidos.