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Tragédia

- Publicada em 26 de Janeiro de 2017 às 22:10

Caso Kiss completa quatro anos sem punição

Familiares querem responsabilização internacional do Estado brasileiro pelo incêndio

Familiares querem responsabilização internacional do Estado brasileiro pelo incêndio


JC
Há exatos quatro anos, o Rio Grande do Sul acordava em uma manhã de domingo para uma realidade de dor e sofrimento. Ainda não se conhecia números exatos, mas a imprensa noticiava que o incêndio em uma casa noturna em Santa Maria resultara em muitas mortes, em grande parte de jovens que participavam de uma festa para universitários. A causa: um sinalizador disparado no palco em direção ao teto por um integrante da banda Gurizada Fandangueira, que se apresentava no local. As famílias, amontoadas em frente à boate Kiss e ao ginásio para onde os corpos eram encaminhados, clamavam por informações. Naquele dia, 242 pais receberam a pior notícia possível. Quatro anos depois daquele 27 de janeiro fatídico, a tristeza se tornou indignação pela impunidade do caso.
Há exatos quatro anos, o Rio Grande do Sul acordava em uma manhã de domingo para uma realidade de dor e sofrimento. Ainda não se conhecia números exatos, mas a imprensa noticiava que o incêndio em uma casa noturna em Santa Maria resultara em muitas mortes, em grande parte de jovens que participavam de uma festa para universitários. A causa: um sinalizador disparado no palco em direção ao teto por um integrante da banda Gurizada Fandangueira, que se apresentava no local. As famílias, amontoadas em frente à boate Kiss e ao ginásio para onde os corpos eram encaminhados, clamavam por informações. Naquele dia, 242 pais receberam a pior notícia possível. Quatro anos depois daquele 27 de janeiro fatídico, a tristeza se tornou indignação pela impunidade do caso.
Na quarta-feira, uma denúncia foi protocolada pelas famílias das vítimas junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), acusando o Estado brasileiro de omissão na investigação de agentes públicos ligados ao episódio. "A principal omissão foi uma falta no dever de aplicar a lei, tanto pelo município de Santa Maria, como pelo Ministério Público e pelo Corpo de Bombeiros. São os três entes cujas condutas fazem com que o Brasil tenha responsabilidade internacional no caso", diz a advogada Tâmara Biolo Soares, coordenadora do Instituto Justiça, Cidadania e Políticas Públicas (Juntos), autor da petição, em parceria com os familiares.
A denúncia se baseia na justificativa de que a lei determinava que a boate Kiss obedecesse a uma série de regulamentos, alvarás e licenças. "A desobediência à legislação era sabida pelos três entes públicos e, no entanto, todos ficaram inertes. Nada fizeram para que a casa noturna sanasse as irregularidades ou fosse fechada", defende a advogada. As famílias esperam que a comissão reconheça a responsabilidade do Brasil no caso e determine que o Estado brasileiro repare as vítimas. Além das 242 pessoas mortas, mais de 600 ficaram feridas no incêndio.
A atuação da comissão já gerou legislações específicas no País, como a Lei Maria da Penha. Como já ocorreram mudanças na lei de prevenção contra incêndios, a intenção de Tâmara é que o Estado brasileiro promova mudanças institucionais, para que os entes qualifiquem suas condutas em casos como esse. O Juntos pretende entrar, posteriormente, também com um pedido de indenização aos familiares, medidas de satisfação (complementação do tratamento de saúde oferecido aos sobreviventes) e investigação de todas as eventuais omissões precedentes ao sinistro.

Medidas cautelares pedem arquivamento de ações judiciais contra familiares

O protocolo foi acompanhado com medidas cautelares solicitando o arquivamento de ações judiciais contra quatro familiares de vítimas, processados por manifestações públicas contrárias ao arquivamento de investigações de entes públicos no caso. "As vítimas já estão muito fragilizadas em razão de toda a sua dor pela perda de seus filhos e, ainda por cima, estão sendo penalmente processadas e têm a iminência de, em qualquer momento, receberem uma condenação nesses processos, que já estão em fase avançada", critica Tâmara.
Uma das processadas é Marta Beuren, que perdeu o filho Sílvio, que hoje estaria com 35 anos, na tragédia. Ela está sendo processada por um promotor e o filho dele por ter escrito um artigo em um jornal informando quem era o advogado da boate Kiss na época do incêndio, e disse que era filho de um promotor aposentado. A informação não estava sob segredo de Justiça. Ambos entraram com processo por calúnia e difamação contra a mãe enlutada. A audiência acontecerá no começo de fevereiro. "Fiquei desesperada, muito arrasada. Senti vergonha, medo. Não tinha mais vontade nem de colocar o pé na rua", desabafa.
Marta considera inaceitável a postura do Ministério Público de Santa Maria diante do caso. "Tenho a consciência tranquila de que não caluniei ninguém. Muita gente, mesmo os familiares, não sabia quem era o advogado da Kiss e eu apenas informei isso", justifica.

'Eles só vão me fazer seguir em frente', afirma pai de vítima

O presidente da Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (Avtsm), Sérgio da Silva, é pai de Augusto Sérgio Krauspenhar da Silva, que completaria 24 anos em 2017. Junto com Flávio da Silva, que perdeu a filha Andrielle Righi da Silva, que faria 25 neste ano, ele está sendo processado por calúnia e difamação pelo promotor Ricardo Lozza, por ter usado sua imagem em protestos, acusando-o de prevaricação.
Antes da tragédia, Lozza chegou a investigar denúncias da casa noturna por poluição sonora e descobriu que o local não possuía alguns alvarás obrigatórios. Seus advogados alegam que, mesmo que a Kiss não tivesse algumas licenças, o promotor não poderia ter pedido seu fechamento.
Diante do que considera uma indiferença do Estado, Krauspenhar revela que a dor é a mesma de 2013. "Deveríamos estar em casa chorando, fazendo o nosso luto, e é o contrário: estamos sendo processados", lamenta. Mesmo assim, não desanima. "Quero viver minha vida, criar meus filhos e seguir em frente. Para mim, tudo é lucro. Eles só vão me fazer seguir em frente", diz. A previsão é que o processo seja concluído ainda em 2017.
Flávio da Silva, vice-presidente da Avtsm, avalia que o poder do MP deveria ser usado para defender o cidadão, "e não para o ego de quem tem o poder da caneta". "Todos nós queremos justiça, que todos que contribuíram respondam de acordo com seu percentual de culpa", explica.
A luta de Silva é por "defender a honra" de sua filha e dos outros jovens que não saíram da boate com vida. "Nossos filhos e filhas morreram por ganância, corrupção e omissão. Não foi um acidente: foi um homicídio em massa", decreta.
Outro processado foi Paulo Carvalho, pai de Rafael Paulo Nunes de Carvalho, que hoje teria 36 anos. Ele responde acusação de calúnia e difamação em ação movida pelos promotores Joel Dutra e Maurício Trevisan, chamado de omissos por Carvalho em artigo em jornal, após terem arquivado denúncias contra funcionários da prefeitura.

Prefeito de Santa Maria na época, Schirmer crê que acusações de homicídio serão julgadas em 2017

Vanda Dacorso é mãe de Vitória Dacorso Saccol, que hoje teria 26 anos. Orgulhosa da filha, pediu que o nome de Vitória fosse publicado nesta reportagem, para que ela fosse lembrada. A jovem estava se formando em Nutrição em uma faculdade de Palmeira das Missões, mas foi para Santa Maria passar a noite com as amigas. Vanda não sabia que ela tinha ido justamente à Kiss e, em choque, não pôde ir ao velório, por estar sob efeito de sedativos.
Vanda se emocionou ao contar que um promotor lhe disse que "uma ou 242 vítimas, para o MP era tudo a mesma coisa", já que a análise era técnica. Além disso, considera que o então prefeito de Santa Maria e atual secretário estadual de Segurança Pública, Cezar Schirmer, fugiu dela e de outros familiares ao tomar posse como secretário.
Schirmer alega que tudo o que diz respeito a si e à prefeitura no caso foi dito em 2013 e que, hoje, Santa Maria não está mais em sua capacidade de decisão. "A Justiça no Brasil é lenta. Já houve decisão relativa ao Corpo de Bombeiros, eles foram condenados, e o processo de avaliação do julgamento dos donos da boate e dos integrantes da banda, em tese, está pronto para ser julgado."
O ex-prefeito acredita que o processo deve ter fim ainda em 2017, e reconhece que o não julgamento torna mais penosa a situação dos familiares. "Para as famílias, os sobreviventes e as pessoas que vivenciaram isso de modo geral, a dor vai se alongar no tempo, certamente. Mas o não julgamento sempre cria um drama adicional", observa.
No total, 16 pessoas foram indiciadas no caso e outras 12 foram apontadas como responsáveis, inclusive Schirmer. Dessas 28 pessoas, o MP denunciou quatro bombeiros (um foi absolvido, dois condenados por descumprimento da Lei de Emissão de Alvarás e um por fraude processual). Também foram indiciadas quatro pessoas por homicídio - Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, então sócios da Kiss, o músico Marcelo dos Santos e o produtor Luciano Leão, da banda Gurizada Fandangueira, que se apresentava na boate. Todos os oito indiciados estão em liberdade.
Na terça-feira, o Tribunal de Justiça julgou a primeira ação de indenização e condenou a prefeitura de Santa Maria, o governo do Estado e os donos da boate a pagarem R$ 20 mil a um sobrevivente. "Na decisão, foi trazida a responsabilidade do município. Isso mostra que não estamos mentindo e que a prefeitura tem responsabilidade, sim", salienta Krauspenhar. O presidente da Avtsm espera que o julgamento abra precedente favorável em outros processos do tipo.