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Cinema

- Publicada em 22 de Janeiro de 2017 às 15:05

A dor da memória

O diretor Kenneth Lonergan permaneceu seis anos sem filmar. A se julgar por este notável Manchester à beira-mar, o cinema perdeu com esta ausência, causada por dificuldades que, por vezes, interrompe carreiras e prejudica o desenvolvimento normal de outras.O processo destinado a transformar a arte cinematográfica em instrumento de alienação sofre dura contestação neste relato de intensa dramaticidade e exemplar contenção. O filme também é um exemplo vigoroso de como o dramático pode ser alcançado sem a utilização de ênfases que só servem para ocultar limitações de quem a elas recorre.
O diretor Kenneth Lonergan permaneceu seis anos sem filmar. A se julgar por este notável Manchester à beira-mar, o cinema perdeu com esta ausência, causada por dificuldades que, por vezes, interrompe carreiras e prejudica o desenvolvimento normal de outras.O processo destinado a transformar a arte cinematográfica em instrumento de alienação sofre dura contestação neste relato de intensa dramaticidade e exemplar contenção. O filme também é um exemplo vigoroso de como o dramático pode ser alcançado sem a utilização de ênfases que só servem para ocultar limitações de quem a elas recorre.
O tema da presença do passado na vida presente é desenvolvido de forma exemplar, tanto na encenação do que está acontecendo como na recriação do acontecido. Não se trata aqui de qualquer tentativa de recompor o vivido, de reviver acontecimentos. Ao contrário, o filme relata a dor e o sofrimento de um personagem que sofre com a tirania exercida por uma espécie de demônio interior, quase sempre sufocado pelo silêncio, mas que costuma assumir o comando quando algum acontecimento exterior estabelece uma comunicação com o que parecia adormecido.
Não são apenas os valores cultuados pelas gerações anteriores que costumam tiranizar o cérebro dos vivos, como constatou o autor do 18 Brumário. Há uma força ainda maior no interior dos seres humanos: a força do passado que é ainda mais poderosa quando gerada por acontecimentos traumáticos.
O protagonista do filme de Lonergan é apresentado ao público como um trabalhador encarregado de resolver problemas urgentes em um condomínio. Em uma sequência inicial que é um modelo de síntese e de valorização da imagem, além de ser exemplo maior de interpretação cinematográfica - uma verdadeira aula do ator Casey Affleck -, o realizador coloca em cena uma figura humana que, em seus silêncios e através de um comportamento que o afasta dos demais, revela a intensidade da sua dor e de seu sofrimento. Mas não é apenas no isolamento que a imposição do sofrido na criação de um comportamento presente se manifesta.
A violência também seguidamente se materializa, como resultado de uma tentativa de autopunição. Por três vezes tal acontece: num bar, numa delegacia e depois de um pequeno acidente. Não necessariamente nesta ordem, pois o filme habilmente, e de maneira a acentuar o tema desenvolvido, mescla passado e presente. Se o Resnais de O ano passado em Marienbad se inspirou no Hitchcock de Vertigo, Lonergan traz de volta à origem essa técnica. E o faz de forma a permanecer fiel a esse naturalismo que se encontra na origem do cinema e que sempre serviu de base para os maiores. Mas nunca foi o mesmo, algo que Manchester à beira-mar confirma.
O filme não se limita a ser um relato sobre o peso que oprime um indivíduo que havia vivenciado algo terrível em seu passado. Há também paralelamente o tema da orfandade, nem sempre gerada pelas leis da natureza. Há uma orfandade igualmente difícil de ser suportada, talvez ainda mais intensa, aquela gerada pelo abandono. O personagem do sobrinho, que, por testamento do irmão morto, deverá ser legalmente protegido pelo tio, transformado em tutor, é um personagem que, ainda na juventude, passará por experiências difíceis de enfrentar. Uma delas é o almoço na casa da mãe reencontrada, quando o diretor encena exemplarmente a distância que separa um mundo dominado por convenções e a nova realidade.
Mas não há, no filme, qualquer traço de ingenuidade. A nova geração é vista de forma simpática, mas não desprovida de ironia. Os ensaios da banda, com um baterista que está sempre adiantado ou atrasado e o relacionamento com as duas namoradas são evidências de imperfeições e dificuldades. E, como num círculo que se completa, a imagem de encerramento de forma admirável mescla passado e presente, numa espécie de reencontro harmonioso, mas repassado de melancolia e pelo desejo por algo ainda não alcançado, como num movimento lento de uma sinfonia e como se a imagem fosse enriquecida pelos elementos de uma tela composta por laços humanos verdadeiros.
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