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Cinema

- Publicada em 08 de Dezembro de 2016 às 23:02

A prisioneira e o conde

Marco Bellocchio surgiu no cinema italiano na metade da década de 1960, quando gigantes como Luchino Visconti, Federico Fellini e Michelangelo Antonioni ainda brilhavam. O cineasta, portanto, alcançando repercussão com De punhos cerrados e A China está perto, apareceu como uma promessa e uma esperança de que uma nova geração poderia substituir aquela que começou a se impor com o movimento neorrealista, produzindo várias obras-primas e momentos que enriqueceram o cinema.
Marco Bellocchio surgiu no cinema italiano na metade da década de 1960, quando gigantes como Luchino Visconti, Federico Fellini e Michelangelo Antonioni ainda brilhavam. O cineasta, portanto, alcançando repercussão com De punhos cerrados e A China está perto, apareceu como uma promessa e uma esperança de que uma nova geração poderia substituir aquela que começou a se impor com o movimento neorrealista, produzindo várias obras-primas e momentos que enriqueceram o cinema.
Será sempre difícil trabalhar à sombra de nomes como os citados e certamente tal fator é um dos elementos que integraram o processo que colocou o cineasta em uma zona na qual poucos foram os destaques e apenas um, Bernardo Bertolucci, obteve uma repercussão equivalente àquela dos mestres que fizeram da cinematografia italiana um modelo que deixou sua marca no cinema que até hoje se faz em todo o mundo. Depois de um período de obscuridade, Bellocchio reapareceu em festivais e seus filmes começaram a ter espaço no mercado exibidor fora da Itália. Vincere, em 2009, e A bela que dorme, em 2012, foram dois desses filmes, ambos interessados em colocar na tela a realidade contemporânea, mesmo que o primeiro citado, reconstituindo acontecimentos da era fascista, tenha buscado inspiração no passado para tentar interpretar o presente.
De certa forma, o filme mais recente do diretor, este Sangue do meu sangue, une as duas obras anteriores, pois agora em um só filme duas narrativas servem ao cineasta para o desenvolvimento do mesmo tema em dois tempos: no primeiro em tom dramático e no segundo em forma de paródia, na qual traços de comicidade e ironia não estão ausentes.
A primeira parte, desenrolada no passado, o filme não deixa dúvida alguma de qual modelos se aproxima. Possessão demoníaca foi a definição encontrada pelo elemento repressor para definir o sofrimento e a revolta de seres humanos que tinham a sexualidade reprimida pelas distorções geradas pelo processo civilizador. O cinema se aproximou do tema em 1961, quando o polonês Jerszy Kawarelowicz realizou Madre Joanna dos Anjos e voltou a ele em 1971, quando, baseado numa obra de Aldous Huxley, o britânico Ken Russell dirigiu Os demônios. O original de Huxley já tinha dado origem a uma ópera de Krzysztof Penderecki, estreada em 1968.
A origem de tudo é um fato verídico, um caso de possessão na cidade francesa de Loudum. Mesmo O exorcista, o célebre filme de William Friedkin, trata do mesmo tema. A partir daquele êxito de bilheteria foram vários os filmes sobre o assunto, poucos dignos de alguma atenção. Agora, na primeira parte de seu díptico, Bellocchio nos lembra que ainda é possível alguma originalidade no trato de tal questão. Seu filme, principalmente na parte inicial, tem vários elementos que fazem dele obra a ser visitada.
A sexualidade é, sem dúvida, dos componentes que formam o ser humano, o mais difícil de ser tratado, por ser aquele submetido a regras severas de comportamento. As leis que procuram discipliná-lo são as responsáveis diretas de vários males, desde a censura a obras de arte até a imposição de trajes, passando pelo mais lamentável e intenso deles: o castigo imposto a indivíduos movidos pela natureza e em conflito com a disciplina imposta pela civilização.
No primeiro movimento de sua obra em duas partes, Bellocchio expõe o tema com absoluta clareza, ao colocar em cena todos os dados: a atração que o irmão do religioso suicida sente pela freira possuída; a cela que aprisiona o instinto; a semelhança entre os dois irmãos; os castigos impostos à serva do demônio; o contraste entre a beleza do canto gregoriano e a tortura. Toda essa primeira parte reúne uma série de sinais poderosos que formam uma síntese reveladora. Na parte contemporânea, o cineasta procura mostrar a consequência de tudo aquilo. O nobre que vive recluso no mesmo local da primeira parte é uma mescla de Drácula com chefe mafioso, que sabe expor a corrupção de agentes da lei, enquanto contempla de forma distante e irônica as loucuras da modernidade e inveja a liberdade da juventude. E não falta um toque de humor na cena do retrato, quando o vampiro não é captado pela câmera, como se estivesse diante de um espelho.
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