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Teatro

- Publicada em 13 de Outubro de 2016 às 23:41

Em cena: da denúncia contra o nazismo à renovação regional

Nós, do grupo Galpão, levou experiência sensorial para o São Pedro

Nós, do grupo Galpão, levou experiência sensorial para o São Pedro


GUTO MUNIZ/DIVULGAÇÃO/JC
Mais um Porto Alegre em Cena. São 23 anos de desafios, nesta temporada, piorados: até o fechamento deste texto, semana passada, a prefeitura municipal ainda não havia pago as locações de algumas salas do festival do ano passado e a equipe coordenadora da mostra deste ano estava praticamente sem salário desde março do corrente ano. Mais enxuto, portanto, com apenas duas semanas de desenvolvimento, o evento, não obstante, manteve um seleto grupo de espetáculos estrangeiros; outro de encenações nacionais e, enfim, os concorrentes locais ao Prêmio Braskem que, ao contrário de outras grandes empresas que sempre apoiaram a iniciativa mas desta vez deram um tempo, a Braskem manteve sua programação, o que significa também o apoio à mostra semelhante da Bahia e a oportunidade da troca de espetáculos entre os dois estados.
Mais um Porto Alegre em Cena. São 23 anos de desafios, nesta temporada, piorados: até o fechamento deste texto, semana passada, a prefeitura municipal ainda não havia pago as locações de algumas salas do festival do ano passado e a equipe coordenadora da mostra deste ano estava praticamente sem salário desde março do corrente ano. Mais enxuto, portanto, com apenas duas semanas de desenvolvimento, o evento, não obstante, manteve um seleto grupo de espetáculos estrangeiros; outro de encenações nacionais e, enfim, os concorrentes locais ao Prêmio Braskem que, ao contrário de outras grandes empresas que sempre apoiaram a iniciativa mas desta vez deram um tempo, a Braskem manteve sua programação, o que significa também o apoio à mostra semelhante da Bahia e a oportunidade da troca de espetáculos entre os dois estados.
Não obstante o menor número de espetáculos, voltamos a enfrentar um problema ruim que é a sobreposição de espetáculos num mesmo dia e horário. Assim, e ao contrário do que havia se alcançado no ano anterior, tivemos de optar, muitas vezes, entre um ou outro trabalho, o que é lamentável.
De qualquer modo, e ainda que a crise também tenha afetado ao público, que diminuiu bastante na semana, tivemos excelentes espetáculos. Meu diário começa fazendo o registro de De algún tiempo a esta parte, texto de Max Aub, com direção de Mariana Wainstein, para a interpretação de Gabriela Irribaren. Aub nasceu na França e morreu no México, mas é considerado um dramaturgo espanhol. Seu tema situa-se na Viena sob a dominação nazista e as perseguições que se fazem contra os judeus. A personagem é uma viúva de família relativamente rica, cujo esposo foi assassinado pelos nazistas e o filho morreu na Espanha, trabalhando na embaixada de seu país em Barcelona. Se a viúva, reduzida à condição miserável de uma empregada doméstica em sua própria antiga casa, teve de enfrentar a dura prova da morte do marido, enfrenta martírio pior que é não saber se o filho foi morto por se opor aos nazistas ou, ao contrário, por ter aderido a eles. Num cenário minimalista cujo grande achado é um piano virado de lado, que a mulher arrasta de um lado para o outro, a ação decorre ao longo de uma noite em que a mulher chegou em casa, congelada e, antes de dormir, como que conversa com o ex-marido. Com cerca de uma hora de duração, a concentração da trama é dura e impactante, como que gritando contra aquele sistema que não está morto, porque travestido em outros sistemas, muitas vezes bem perto de nós, mas que fingimos ignorar. A interpretação de Gabriela Iribarren é brilhante, mas certamente desgastante para ela que, verdadeiramente, introjeta sua personagem.
O grupo mineiro Galpão costuma vir a cada temporada do festival e não foi diferente neste ano. Nós, com texto e direção de Márcio Abreu, é uma incomum experiência cênica, com cerca de hora e meia de duração, um numeroso elenco, cenário complexo de Marcelo Alvarenga e um ritmo absolutamente alucinante: chega-se até mesmo a servir caipirinha para o público e a cozinhar-se uma sopa em cena, que depois também é oferecida à plateia. Os nós a que alude o texto trazem dois sentidos - o mais comum: ponto de contato que nos leva de um tema a outro, de um ponto a outro, de um lugar a outro. Mas os nós (cegos) também podem ser aqueles momentos ou aqueles pontos em que as coisas trancam, desfazem-se e se perdem. Ou seja, o grupo busca construir, através de uma dramaturgia pouco convencional e uma conversa aparentemente gratuita, reflexões sobre o cotidiano e as responsabilidades de cada um de nós, sobretudo quanto a preconceitos. Em alguma passagem do texto, parece que se faz alusão à atual situação política do Brasil: a plateia parece que gostou e reagiu com o indefectível chavão do "Fora Temer".
Concentrado em duas figuras, Em nome do pai, de Alcione Araújo, com direção de Cira Ramos, é uma pesada reflexão sobre os desvios e desafios que as relações familiares apresentam. Depois da morte da mulher e mãe, pai e filho se confrontam. No espetáculo de pouco mais de uma hora, Jorge de Paula (pai) e Samuel Lira vivem os dois personagens. Araújo é autor, dentre outros, de textos como Há vagas para moças de fino trato, encenado aqui pelo Teatro de Arena, nos difíceis anos de ditadura. Falecido em 2012, apesar de militância política de esquerda, desde o combate ao regime de 1964, a escrita de Araújo deslocou-se gradualmente para a proximidade do teatro do absurdo. Isso fica muito claro neste texto, encenado em 2015, mas que tem pelo menos 15 anos de escrita. O choque entre pai e filho vai se resolver apenas na medida em que o filho, ao contar a verdade sobre a mãe, para o pai, termina por assumir a própria figura materna, único meio encontrado para efetivamente aproximar-se do pai. Numa linguagem realista, a peça geraria a mesma repulsa que, na época, Álbum de família, de Nelson Rodrigues, provocou até nos amigos do dramaturgo. Mas há que ler o texto metaforicamente. Neste sentido, a dupla de atores faz um equilíbrio interessante: no início é o pai quem se sobressai, mas ao final, o comando da cena é do filho.
Para encerrar a primeira semana do Porto Alegre em Cena, fui assistir a Verde (In)tenso, coreografia de Maria Waleska Van Helden, para o Grupo GEDA de dança, que retoma temas da cultura do Rio Grande do Sul para relê-los criticamente, através de roupagem moderna, ainda que não isenta de emoção e empatia para com o assunto. O grupo é equilibrado: cenografia e iluminação são básicos para sustentar o espetáculo (Élcio Rossini e Maurício Rosa, respectivamente), além do belíssimo figurino de Daniel Lion e a direção dramática de Camila Bauer. Com uma hora de duração, o espetáculo renova a linguagem da dança na cidade e merece reconhecimento.
Na próxima sexta-feira, continuo tratando do Em Cena, com a segunda semana de atrações.
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