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Cinema

- Publicada em 20 de Outubro de 2016 às 22:21

O fugitivo

O diretor Sebastián Borensztein, o mesmo de Um conto chinês, reencontra o ator Ricardo Darín, neste Kóblic, outro excelente filme argentino a chegar ao mercado brasileiro. A tonalidade agora é outra, pois o cineasta abandona os toques de humor presentes no filme anterior e oferece ao espectador um relato no qual a dramaticidade se faz presente em toda a narrativa.
O diretor Sebastián Borensztein, o mesmo de Um conto chinês, reencontra o ator Ricardo Darín, neste Kóblic, outro excelente filme argentino a chegar ao mercado brasileiro. A tonalidade agora é outra, pois o cineasta abandona os toques de humor presentes no filme anterior e oferece ao espectador um relato no qual a dramaticidade se faz presente em toda a narrativa.
O novo trabalho, que foi realizado em regime de coprodução com a Espanha, ostenta virtudes em vários níveis, sendo mais um a evidenciar a importância devida a um bom roteiro como ponto de partida. Borensztein é um narrador habilidoso, dirige seus intérpretes de forma perfeita, valoriza todas as sequências e sabe imprimir em cada imagem a atmosfera perfeita.
Eis um filme que, tratando de um tema complexo, o faz de maneira a acentuar o fato de que o autoritarismo é sempre o caminho para a barbárie e que a ferocidade das ditaduras nunca deixa de se espalhar pela sociedade inteira. Sem palavras de ordem e sempre mantendo o tom perfeito, o realizador expõe de forma clara o processo de expansão do totalitarismo, mas o faz recusando o panfleto, ciente de que, ao retratar o espanto e a dor diante do mal maior, atingirá a forma mais perfeita de denúncia.
Uma das ações mais abomináveis da última ditadura militar argentina foi a empregada nos chamados voos da morte. Neles, prisioneiros eram anestesiados e depois jogados ao mar, onde deveriam desaparecer. Muitos cadáveres, no entanto, chegaram às praias, e tal método de extermínio chegou ao domínio público, sendo inteiramente revelado depois que o regime chegou ao fim. Borensztein, que também é o autor do roteiro, escrito em parceria com Alejandro Ocon, coloca em cena um piloto da marinha que não consegue conviver com tal tipo de ação e, após participar de um desses voos, resolve abandonar a carreira e procurar refúgio numa localidade onde imagina que não será encontrado. Este é o ponto de partida e também uma forma que o filme encontra para exercer uma crítica ampla. Não é uma fuga que resolverá este problema. Um regime como aquele não tem limites geográficos e humanos.
O protagonista, outra figura valorizada por um ator extraordinário, pensa encontrar um refúgio quando, na verdade, estará mergulhando num inferno. A Colônia Santa Elena não é apenas um microcosmo da ditadura. Ela é também o palco no qual atuam aquelas forças que se constituem nas raízes do autoritarismo. Pensando escapar do terror, o protagonista se depara com o horror, na medida em que passa a viver e ser ameaçado pelas causas mais profundas da perversidade.
O delegado que controla tudo na cidade exerce sua autoridade de maneira a não conceder espaço para qualquer manifestação de inconformidade. No choque entre os dois personagens, a utilização de elementos da narrativa é feita com perfeição para definir a personalidade de cada um. Enquanto um salva o cachorro, outro não hesita em matar o cão que o incomoda com seus latidos.
Porém, o personagem de Darín utiliza o mesmo método de anestesia utilizado pelos assassinos de prisioneiros, uma forma de tornar presentes cenas terríveis presenciadas pelo personagem, uma maneira de fazer o piloto lembrar experiências das quais procura se distanciar, mesmo que agora a intenção seja inversa. E há também o isqueiro que pertenceu ao pai, uma maneira de acender a chama da revolta. E, no epílogo, o carro conduz o animal antes salvo e o jovem que representa o futuro, enquanto os criminosos têm o mesmo destino de suas vítimas.
A vingança do protagonista, de alguma maneira, o aproxima dos verdugos, algo que acentua a complexidade do tema abordado. E há também o incesto, uma forma que o cineasta encontra para lembrar que a violência é também uma forma de resposta a normas e imposições criadas pela civilização. Estamos, portanto, em Kóblic, longe das simplificações e das superficialidades. Alguns poderão contestar o romance que acompanha a narrativa, mas o filme assume claramente que não recusa sugestões do espetáculo voltado para todas as plateias. Há mesmo, durante a ação, referências ao western, este gênero no qual nasceram muitas das regras essenciais ao verdadeiro cinema.
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