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conjuntura

- Publicada em 03 de Outubro de 2016 às 16:22

Setores buscam saídas para enfrentar os reflexos da crise

A crise da dívida brasileira vai muito além daquela devida por estados e União: empresas e famílias estão afundadas em débitos caros e difíceis de honrar com a renda desidratada pela recessão. A gravidade da situação, porém, impulsiona segmentos que salivam justamente sobre créditos inadimplentes. Negócios como o de reestruturação de grandes dívidas corporativas, aquisição de carteiras de "crédito podre" e recuperação de contas em atraso estão tendo o ano mais movimentado dessa indústria.
A crise da dívida brasileira vai muito além daquela devida por estados e União: empresas e famílias estão afundadas em débitos caros e difíceis de honrar com a renda desidratada pela recessão. A gravidade da situação, porém, impulsiona segmentos que salivam justamente sobre créditos inadimplentes. Negócios como o de reestruturação de grandes dívidas corporativas, aquisição de carteiras de "crédito podre" e recuperação de contas em atraso estão tendo o ano mais movimentado dessa indústria.
Existem, hoje, no Brasil, R$ 403,5 bilhões em créditos bancários renegociados ou reestruturados - quando há mudanças nas condições de financiamento devido a dificuldades enfrentadas pelo devedor -, 82% mais do que em março de 2014, segundo números do Banco Central (BC). Considerando-se apenas as empresas, o valor subiu 85% no período, para R$ 176,56 bilhões.
Não há dados consolidados sobre o mercado de assessorias para reestruturação corporativa, mas os casos de 20 grandes empresas que anunciaram ou concluíram neste ano processos de reestruturação ou recuperação judicial mostram como a demanda está aquecida. O débito em jogo nessas empresas é de R$ 144,7 bilhões. Parte relevante é formada por títulos de dívida (debêntures e bonds emitidos no exterior), que não entram nas contas do BC. São casos de destaque, como os de Oi - que passa pela maior recuperação judicial já feita no País, com dívida de R$ 64,5 bilhões - e Sete Brasil, mas também de firmas menores, como a Log-In, de logística, que repactuou R$ 481 milhões, e a Usina Coruripe, de açúcar e álcool, que reestruturou R$ 1,9 bilhão.
"A crise se instalou em velocidade tão grande que a geração de caixa praticamente sumiu antes de as empresas conseguirem fazer ajustes. Sem poder pagar as dívidas, as empresas estão tendo que fazer reestruturações", afirma Renato Franco, sócio da Íntegra, que reestruturou a Parmalat em 2006.
O banco Brasil Plural estima que de 60% a 70% das companhias abertas não gerem caixa suficiente para pagar sequer os juros de suas dívidas. A reestruturação envolve um diagnóstico da situação financeira da empresa que leva a uma renegociação com bancos e credores, em busca de alongamento e carência. Caso não dê certo, o caminho é partir para recuperações extrajudiciais ou judiciais. "Embora já haja alguma expectativa de reação econômica, isso ainda não chegou aos balanços das empresas. Os juros continuam altos, o custo das empresas está entre 18% a 20% ao ano. Isso gera destruição de geração de caixa, e vai demorar para melhorar", diz Ricardo Carvalho, chefe de Ratings Corporativos da Fitch. Bancos independentes e consultorias estrangeiros, como Moelis, PJT, Rothschild e FTI Consulting, vêm explorando com mais força esses serviços no Brasil, sobretudo quando bonds integram as dívidas. Estima-se que só a Moelis - que assumiu casos como Oi, Coruripe, Log-In e Tonon - já atuou na recuperação de mais de US$ 20 bilhões desde que chegou ao Brasil, em 2014.
Mas a crise da dívida tem chamado a atenção de bancos que não atuavam no segmento. São instituições que viram encolher suas receitas com assessoria de fusões e aquisições - cujo número de transações caiu 28% no primeiro semestre, segundo a PwC - justamente por causa da crise e buscam recuperá-las por meio desse segmento. O norte-americano JP Morgan é um dos novos entrantes, assessorando a Samarco na reestruturação de dívida líquida de R$ 13,1 bilhões.
O Brasil Plural investe no segmento: criou a área de special situations há três anos e tratou de 15 casos que somam dívida bruta de R$ 25 bilhões. "Não somos um banco de crédito. Não temos qualquer conflito de interesse para fazer reestruturações, já que não somos credores das empresas", argumenta o sócio Warley Pimentel, que atua como presidente do Grupo Colombo, rede de vestuário masculino que contratou o banco para reestruturar dívida de R$ 1,5 bilhão. Hoje, o segmento é bastante relevante para o banco.
O Brasil Plural quer aumentar a equipe especializada nessa área de 12 para 18 funcionários este ano; no futuro próximo, o objetivo é dobrar o número. Em cada reestruturação, o banco contrata especialistas externos, como advogados e consultores. Os bancos credores se prepararam para fazer frente à deterioração das finanças corporativas, tornando improvável um abalo ao sistema, segundo Alcir Freitas, analista da agência Moody's. Segundo a agência, nos bancos privados, as provisões contra calotes equivalem a 180% dos créditos problemáticos, contra 150% em 2013.
Os bancos têm sido mais atuantes na venda dos chamados "créditos podres", carteiras em atraso cuja chance de recuperação é considerada cara por ser mais improvável. Além disso, é uma forma de gerar receita extra num momento de menor concessão de crédito. Os sócios da KPMG Brasil Fernando Omori e Fábio Barbosa estimam que o volume vendido pode chegar a até R$ 30 bilhões neste ano, 15% mais que os R$ 26 bilhões de 2015.
No começo da década, o mercado era de R$ 6 bilhões; o potencial é de atingir R$ 50 bilhões em 2020, disse Alexandre Nobre, da RCB Investimentos, que compra e recupera carteiras. "O crescimento vai depender de os bancos adotarem uma estratégia de colocar ao menos 25% ou 30% de sua carteira no mercado", acredita Nobre.
Firmas como a RCB pagam entre 2% e 5% do valor de face dos créditos podres. "O mercado está mais movimentado, estamos crescendo 26% ao ano. Mas, por causa da crise, ficou muito mais difícil recuperar o crédito. As pessoas não estão conseguindo pagar", conta Rodrigo Carvalho, diretor de operações da Paschoalotto, que presta serviço de recuperação de crédito aos principais bancos e tem a Gávea Investimentos entre os sócios.
A crise da dívida corporativa está levando à ampliação do sofisticado mercado de fundos de investimentos cuja rentabilidade está ligada a recebíveis inadimplentes. O patrimônio dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FDICs) com foco em crédito inadimplente saltou 136% em dois anos, para
R$ 4,4 bilhões, segundo levantamento da consultoria Uqbar. Os maiores gestores são o Banco Merrill Lynch (patrimônio de R$ 1,74 bi) e a Península (R$ 513 milhões). 

Estados esperam para consolidar a securitização de dívidas ativas

Projeto autoriza União, estados e municípios a vender ao mercado parte dos débitos

Projeto autoriza União, estados e municípios a vender ao mercado parte dos débitos


FREEPIK/DIVULGAÇÃO/JC
Com o objetivo de conseguir um alívio imediato para as dificuldades de caixa, os estados aguardam a votação da proposta que tramita no Congresso Nacional para consolidar a securitização de suas dívidas ativas. O projeto autoriza União, estados e municípios a vender ao mercado parte desses débitos, com algum deságio negociado entre as partes.
Em vários locais, esse processo está adiantado, e os governadores já sondam instituições financeiras sobre um possível interesse. Alagoas espera arrecadar R$ 60 milhões em até 18 meses após a aprovação da proposta no Congresso. Goiás estima ser capaz de recuperar R$ 200 milhões. O Rio de Janeiro criou a Companhia Fluminense de Securitização (Cfsec) para oferecer ao mercado sua dívida ativa. Segundo a Fazenda do Rio, o edital já foi preparado e está sendo analisado pela Procuradoria-Geral do Estado.
"Assim que o referido edital for liberado, será iniciado o processo de contratação", disse a secretaria, em nota, sem dar um prazo. A Fazenda afirmou que não podia informar o valor da dívida ativa a ser vendida alegando que ainda é preciso saber como se dará o processo de securitização. Mas, em junho, Paulo Tafner, diretor da Cfsec, afirmou, em entrevistas, que o objetivo seria receber R$ 5 bilhões nos próximos dois anos vendendo parte de uma dívida ativa estimada em R$ 66 bilhões.
Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul avaliam a possibilidade de fazer operações. Nos últimos anos, vários governos regionais chegaram a votar em assembleia uma legislação que permitia a cessão dos direitos creditórios ao mercado. Esse é o caso, por exemplo, de Goiás, São Paulo e Rio Grande do Sul. O governo paulista, inclusive, chegou a realizar três operações de securitização e arrecadou um total de R$ 2,14 bilhões com esses processos.
Em 2013, no entanto, o Tribunal de Contas da União (TCU) questionou as licitações estaduais por acreditar que desrespeitavam a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Diante do imbróglio jurídico, os governadores preferiram esperar a votação da lei federal. O projeto, que aguarda hoje apreciação no Senado Federal, permite a venda de parte das dívidas a investidores, com deságio. Dessa forma, o governo recebe um valor à vista, e o banco recebe, mensalmente, os valores das parcelas. A intenção dos estados é vender a parte já parcelada da dívida e, logo, mais segura.
Apesar de já ter realizado operações de securitização, São Paulo informou que prefere não se pronunciar sobre planos futuros. O Paraná chegou a criar, no ano passado, uma estatal para esse tipo de operação e contratou os serviços de assessoria financeira do HSBC. Até agora, porém, não houve operação. O estado não tem estimativas de quanto vai arrecadar com a securitização. O Rio Grande do Sul já securitizou dívida ativa parcelada no passado e que, independentemente da votação do projeto de lei, realiza contatos de sondagem quanto às condições de aceitabilidade do mercado.
"Securitizar a dívida deve ser uma medida de emergência e depende do objetivo do governo. Dá uma solução de curto prazo, que não vai se estender e resolver o problema. É como um paliativo", analisa a pesquisadora do FGV/Ibre Vilma Pinto.
Os técnicos da Receita Federal já se manifestaram de forma contrária à proposta de securitização de dívidas. "Quem vai ganhar é o mercado, as empresas de rating, as assessorias. Com o deságio imenso, o governo ganha muito pouco. Tem custos violentos, demora para a arrecadação vir. Isso vai significar mais incentivos a parcelamentos especiais", diz o diretor técnico da Associação Nacional dos Auditores Fiscais (Unafisco), Mauro Silva.

Desocupação cresce entre jovens e idosos

Taxa cresceu mais nos extremos, e atinge trabalhadores de 18 anos

Taxa cresceu mais nos extremos, e atinge trabalhadores de 18 anos


GABRIELA DI BELLA/ARQUIVO/JC
Com o agravamento da crise econômica no Brasil, também houve mudança no perfil do desempregado. No recorte por idade, de junho de 2014 a junho de 2016, a taxa de desocupação cresceu mais nos extremos: entre os trabalhadores de 18 anos ou menos (82%) e entre os que têm mais de 50 (76%).
A recessão vem empurrando os idosos para o mercado de trabalho. Há oito meses, o carpinteiro Luiz Bezerra Evangelista, de 61 anos, foi demitido da empresa em que trabalhou por três anos. Com o fim do seguro-desemprego, ele acorda cedo diariamente e sai à rua em busca de uma vaga. "A empresa perdeu um contrato de obra do metrô e fomos dispensados. Agora, todo dia estou na porta das obras. Eles pegam o currículo, mas ninguém chama", diz ele.
Evangelista conta que não é o único idoso nas filas. "Tem muitos idosos, senhores de 70, até de 75 anos. Se está difícil para os jovens, imagina para nós." O carpinteiro, que trabalha desde os 18 anos, deu entrada na semana passada no processo de aposentadoria. Não foi a primeira vez: quando tentou se aposentar, há 10 anos, descobriu que uma das empresas não havia feito as contribuições corretamente. Sua esposa, que tem um problema no joelho, não trabalha nem é aposentada. A renda para o sustento da família nos últimos meses veio da rescisão - mas só faltam R$ 1 mil na poupança. "Espero que eu encontre alguma coisa logo."
Se para os idosos a situação está difícil, os mais novos, na outra ponta, também enfrentam percalços. Em geral, o jovem é menos experiente, está em processo de escolarização, é menos produtivo e tem um contrato de trabalho mais flexível, tornando-se mais vulnerável em períodos de recessão.
"Existem duas pressões: a diminuição da população ocupada, que é mais recente, e o aumento da População Economicamente Ativa (PEA), que vem crescendo desde 2015", explica Bruno Ottoni, pesquisador do Ibre-FGV. O aumento da PEA é explicado pela inserção de novas pessoas no mercado de trabalho. "Com a redução da massa salarial, os menores de 18 e maiores de 50, que antes não necessitavam trabalhar, passaram a buscar empregos para complementar o orçamento", diz Alison Oliveira, pesquisador da Fipe.