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Esportes

- Publicada em 04 de Setembro de 2016 às 13:23

Sem Olimpíada, futebol feminino vive a dolorida realidade de apenas 'sobreviver'

Agência Estado
A goleira Elaine de Souza ganha R$ 600, sem registro em carteira. Também recebe vale-transporte para ir de ônibus de Santa Isabel a Belém, no Pará. Duas horas na ida e duas na volta. Na última quarta-feira, ela veio a São Paulo defender o Pinheirense na Copa do Brasil contra o Corinthians. Fez boas defesas, mas não impediu o 9 a 0. No estádio José Liberatti, em Osasco (SP), a partida foi assistida por 53 pessoas, contadas no dedo.
A goleira Elaine de Souza ganha R$ 600, sem registro em carteira. Também recebe vale-transporte para ir de ônibus de Santa Isabel a Belém, no Pará. Duas horas na ida e duas na volta. Na última quarta-feira, ela veio a São Paulo defender o Pinheirense na Copa do Brasil contra o Corinthians. Fez boas defesas, mas não impediu o 9 a 0. No estádio José Liberatti, em Osasco (SP), a partida foi assistida por 53 pessoas, contadas no dedo.
No mesmo dia, Maurine liderou o Santos na goleada de 10 a 0 sobre o Mixto-MT. No time, conhecido como as Sereias da Vila, o teto salarial é de R$ 4 mil. A equipe usa a mesma estrutura do masculino, com refeitório, academia e ônibus. Além dos direitos trabalhistas, elas têm bolsa de estudo e moradia. Na arquibancada do CT Rei Pelé, uma torcida entusiasmada, com faixas e gritos de guerra, somava 75 pessoas. Tanto em Osasco como em Santos, a entrada era gratuita.
Mesmo distantes geográfica e economicamente, Elaine e Maurine personificam uma realidade muito diferente do futebol olímpico. Somando os públicos de dois jogos do Engenhão, Arena Amazônia, Mineirão, Maracanã e Itaquerão, mais de 270 mil pessoas foram ver as mulheres. Como jogadoras da seleção permanente, criada para a disputa dos Jogos do Rio-2016, as atletas recebiam salários de R$ 9 mil. A briga pela medalha foi um ponto fora da curva de uma modalidade que luta para sobreviver no Brasil.
Sobreviver não é uma palavra exagerada. Marta disse que o Brasil tinha descoberto o futebol feminino nos Jogos do Rio. Pedro Daniel, gerente de Esportes da consultoria BDO, diz que esse mercado ainda não existe. “Falta planejamento e investimento em estrutura. A modalidade vive o ‘voo de galinha’. A cada ciclo olímpico, são realizados investimentos para custeio e não para o desenvolvimento”.
Muitas jogadoras não conseguem nem viver do futebol. Janaína, jogadora do Mixto, dá aula de Educação Física em três escolas diferentes para completar a renda. Por isso, só treina aos sábados. Nathalya, sua companheira de posição, trabalha na lanchonete “Quiosque do Gordo”. Como o negócio pertence a um dos membros da comissão técnica, ela consegue conciliar os horários dos treinos e o expediente diário fritando pasteis, sua especialidade. As duas enfrentaram o Santos. “Conseguimos chuteiras e uniformes com doações. Não temos um patrocinador oficial, apenas exposições pontuais”, disse Odenil Nardes, coordenador de futebol feminino do Mixto.
Em cada região, o dedo é apontado para uma entidade diferente como responsável pelo atraso do futebol feminino. Em Cuiabá, jogadoras e dirigentes acham que a prefeitura poderia apoiar a equipe, como faz no masculino. Em São Paulo, a Federação Paulista de Futebol (FPF) deveria divulgar mais o torneio estadual, na opinião de dirigentes. Para Pedro Daniel, a CBF, organização máxima do futebol brasileiro, tem a maior parcela de responsabilidade.
Osvaldo Alvarez, o Vadão, técnico da seleção feminina, prefere dividir a conta. “Os clubes precisam incentivar o futebol feminino. Além disso, o governo precisa fazer a sua parte. Em todos os países que nós visitamos, o futebol feminino faz parte de um plano de governo, uma política pública”, disse o treinador.
Os números que ficaram soltos lá em cima - 53 torcedores em Osasco e 75 em Santos - merecem maior atenção. Esse vazio nos estádios também é consequência de um desenvolvimento tardio da modalidade no Brasil. Durante o Estado Novo, período do governo Getúlio Vargas entre 1937 e 1945, foi criado o decreto 3.199, que proibia que as mulheres praticassem esportes “incompatíveis com as condições femininas”. Ao lado do futebol estavam halterofilismo, beisebol e as lutas. Quando o decreto foi regulamentado pelo regime militar, em 1965, o futebol feminino foi proibido. A deliberação só foi revogada em 1979, o que permitiu a criação das primeiras ligas.
Os torcedores acham que ainda existe preconceito. “O Brasil ainda é machista. Vai ser difícil lotar o estádio. Mas seria bom ver umas 500 pessoas, né?”, disse o comerciante Edson Uchoa, em Osasco. A auxiliar fotográfica Alexandra Costa da Paixão diz que já foi discriminada por jogar. “A Arena Corinthians lota, mas os próprios torcedores não apoiam o futebol feminino do clube”, cobrou.
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