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Cinema

- Publicada em 16 de Setembro de 2016 às 00:14

Drama familiar

Hélio Nascimento
Desde que Ferdinand Zecca, em 1907, realizou La Passion de Christ, o cinema de tempos em tempos volta aos Evangelhos para reconstituir os episódios finais da vida de Jesus. Primeiro em curtas-metragens que eram exibidos durante a Semana Santa e, mais tarde, em filmes mais elaborados e assinados por diretores de prestígio. Cecil B. De Mille foi o primeiro deles, ao dirigir, em 1927, O rei dos reis. Em 1935, Julien Duvivier deixou sua contribuição ao tema com Gólgota.
Desde que Ferdinand Zecca, em 1907, realizou La Passion de Christ, o cinema de tempos em tempos volta aos Evangelhos para reconstituir os episódios finais da vida de Jesus. Primeiro em curtas-metragens que eram exibidos durante a Semana Santa e, mais tarde, em filmes mais elaborados e assinados por diretores de prestígio. Cecil B. De Mille foi o primeiro deles, ao dirigir, em 1927, O rei dos reis. Em 1935, Julien Duvivier deixou sua contribuição ao tema com Gólgota.
Em 1961, Nicholas Ray utilizou o mesmo título do filme de De Mille, quando realizou sua versão do tema. Pier Paolo Pasolini praticamente seguiu a narrativa do primeiro evangelista quando realizou, em 1964, O evangelho segundo Mateus, colocando na tela os mesmos episódios relatados por Johann Sebastian Bach na obra baseada nos mesmos trechos e utilizando na faixa sonora a música daquele autor. Um ano mais tarde, George Stevens realizou A maior história de todos os tempos, baseado em várias fontes e colocando na tela uma cena antológica, aquela da ressurreição de Lázaro, utilizando um recurso que depois Akira Kurosawa iria repetir na batalha de Kagemusha. Colocando na faixa sonora o trecho mais famoso de O Messias, de Handel, Stevens alcançou na citada sequência, ao apelar para a imaginação do espectador, uma grandiosidade e uma dramaticidade raras. Martin Scorsese causou polêmicas, em 1988, com A última tentação de Cristo, versão de um livro de Nikos Kazantzakis, o mesmo autor no qual era baseado Aquele que deve morrer, realizado em 1957, engenhoso, emocionante e talvez o maior filme de Jules Dassin. Mel Gibson, por sua vez, foi extremante realista em sua Paixão de Cristo, em 2004. E não seria justo esquecer a versão satírica dos Monty Python, A vida de Bryan.
O diretor colombiano Rodrigo García é um dos realizadores da América Latina a conseguir espaço e oportunidade no cinema norte-americano. Em Últimos dias no deserto, seu olhar para a figura de Jesus tem, sem qualquer dúvida, originalidade. É que ele, também autor do roteiro, procurou se afastar da solenidade e evitou os riscos da grandiosidade. Talvez tenha pensado em Pasolini ao expandir, usando a imaginação, o mesmo episódio que apareceu em um trecho do filme de Scorsese: o jejum no deserto e as tentações encenadas pelo demônio. Ao fazer as duas figuras centrais interpretadas pelo mesmo ator, não deixa dúvida alguma que seu filme é sobre uma figura humana numa luta interna.
A tentação é algo a ser enfrentado através de um áspero dialogo com forças nascidas no interior do protagonista. Eis um filme que se aproxima do tema de forma a diminuir o papel dos elementos exteriores e valorizar o que para o cineasta parece essencial: o ser humano em luta contra elementos que necessitam ser vencidos para que a civilização siga seu rumo. De certa maneira, o que vemos na tela é uma espécie de um olhar para o passado, pois a família que o personagem encontra no deserto, antes de partir para Jerusalém, permite que ele contemple seu próprio passado e volte a vivenciar dramas que pareciam superados.
Os conflitos, então, ressurgem diante do protagonista. Ao mesmo tempo que contempla seu passado, ele volta no tempo, ao se identificar com o jovem que tenta fugir do cotidiano imposto pelo pai e sonha em viver na grande cidade. Mas nada é assim tão esquemático. O realizador abre a narrativa destacando a solidão de seu personagem e sua dor pela ausência da figura paterna. Auxiliado pela notável fotografia de Emanuel Lubeski, o iluminador mexicano de Gravidade e Birdman, trabalhos pelos quais aquele ganhou o Oscar duas vezes seguidas, García consegue imagens que acentuam o isolamento e o sentimento de perda e abandono.
E nem seria necessária aquela imagem final que transforma o cenário em atração turística, uma crítica a um mundo voltado para o superficial e afastado do mais importante. O filme já tinha dito o essencial antes daquele plano de encerramento. O mais relevante no filme é a tentativa de mostrar o cotidiano de uma família transformada num teatro onde se desenrola o conflito entra a autoridade do pai e a rebeldia do filho e, ao mesmo tempo, a intensidade do sentimento que anseia pela presença paterna.
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