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Teatro

- Publicada em 19 de Agosto de 2016 às 01:20

Só uma ideia boa

Jô Soares, como diretor, tem-se notabilizado pela sensibilidade com que escolhe os textos que dirige. No caso de Três dias de chuva, original do norte-americano Richard Greenberg, fui com enorme expectativa assistir ao espetáculo, mas saí decepcionado. Sobretudo quando a gente compara esta à dramaturgia de um Tenesse Williams, Eugene ONeil ou Arthur Miller etc., para tentar responder a uma pergunta fundamental para que se possa decidir sobre a importância de uma certa obra: o que, afinal, está sendo discutido?
Jô Soares, como diretor, tem-se notabilizado pela sensibilidade com que escolhe os textos que dirige. No caso de Três dias de chuva, original do norte-americano Richard Greenberg, fui com enorme expectativa assistir ao espetáculo, mas saí decepcionado. Sobretudo quando a gente compara esta à dramaturgia de um Tenesse Williams, Eugene ONeil ou Arthur Miller etc., para tentar responder a uma pergunta fundamental para que se possa decidir sobre a importância de uma certa obra: o que, afinal, está sendo discutido?
A gente espera que as situações aparentemente confusas do primeiro ato se esclareçam no segundo, mas elas se tornam praticamente dispensáveis naquele segundo momento. Porque, ao esclarecer a situação real que se encontra em discussão, no segundo ato, que ilumina o primeiro, porque se constrói enquanto um flashback daquele (um retorno ao passado, à origem dos acontecimentos que se completam no segundo), o segundo ato nada mais faz do que apresentar o óbvio: trata-se de um pequeno e anônimo drama psicológico de uma falsa busca de identidade e de um desencontro amoroso. Que até poderia ser interessante se funcionasse como um microcosmo de um drama de geração, mas que nem isso consegue alcançar.
O que sobra é uma tentativa um pouco frustrada, na verdade, de formalmente complicar uma história que, em si, é simples, na tentativa de colocar em pé uma peça de teatro que, de fato, nada de novo apresenta: entre dois colegas de universidade, arquitetos, um é brilhante, mas vaidoso e vazio; o outro é tímido e humilde, mas criativo. O primeiro explora o segundo, mas acaba perdendo para este a namorada, o que se traduz também em sua derrocada profissional. O segundo, contudo, mantém-se fiel ao primeiro, o que faz sugerir uma desconfiança ao contrário, de que o primeiro é que teria sido explorado pelo segundo.
Para complicar a trama, o primeiro, quando se revela em sua inutilidade, encontra uma outra namorada, com quem constrói sua vida particular, enquanto permanece à sombra profissional do segundo, que vem a falecer muito cedo, permitindo que o primeiro possa, então, explorar a herança daquele, embora nunca mais tenha conseguido criar nada de novo, porque, de fato, não era o criativo.
Dito assim, sinteticamente, além de confuso, pode parecer vazio e, até certo ponto o é. O que poderia valorizar a trama seria a maneira de construí-la, e é aqui que o dramaturgo falha: para além das complexidades formais da construção da trama, na peça nada mais existe que possa interessar. Há uma cuidadosa recriação de época, com referências escolhidas para balizar as ações dramáticas, que a direção de Jô Soares procurou realçar, com um filmete que, no primeiro ato, vai de 1969 para 1995 e que, no segundo, faz o movimento contrário, tentando marcar as referências temporais de cada ato, mas que, nem assim, consegue dar maior profundidade a tais referências, porque elas não passam de dados externos ao próprio drama, pois em nada afetam aquilo que se passa em cena, e que poderia ocorrer no século XIX ou no XXI, sem maiores problemas. Nem a alegada militância feminista da personagem, no segundo ato (isto é, no passado), permite maior consistência ao segundo, porque, na verdade, Lina quer apenas encontrar um grande amor, o que ocorre quando se defronta com Ned, após o desaparecimento provisório de Theo. O primeiro ato perde maior relação com o segundo, como o dramaturgo pretenderia, sobretudo porque a arquitetura da peça é falha, na medida em que nem todos os fatos chegam a se concatenar entre si e, consequentemente, tornam-se dados soltos e sem sentido.
No que toca ao elenco, Carolina Ferraz rende muito mais no segundo ato (parece que se encontra consigo mesma neste momento) do que no primeiro; do mesmo modo, Otávio Martins, como Ned, é muito mais emocionante e comunicativo do que o jovem Walker. E Fernando Pavão vive um tipo, mais que um personagem e, neste sentido, está equilibrado ao longo de todo o espetáculo. A cenografia de Marco Lima é sugestiva e flexível para sofrer as transformações do primeiro para o segundo ato. Completa-se bem com a iluminação de Maneco Quinderé, sobretudo com os efeitos de chuva do segundo ato, aliados à trilha sonora e efeitos sonoros de Eduardo Queiróz e (do gaúcho?) Ricardo Severo. Jô Soares, no programa da peça, leu bem a referência ao filme O mundo de Suzie Wong e a fábula das nuvens. Pena que o próprio dramaturgo Richard Greenberg, que utilizou a metáfora, não soube valorizá-la, perdendo-se assim uma das boas chaves da peça, aliada à referência dos três dias de chuva do título, esta sim, bem trabalhada.
Em suma, a ideia do texto foi boa, sua realização enquanto dramaturgia nem tanto. E daí, nem um excelente diretor, como Jô Soares, consegue salvar a peça...
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