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Cinema

- Publicada em 25 de Agosto de 2016 às 22:51

A tempestade

Enquanto a mediocridade se espalha, alguns resistem. Entre eles Alexander Sokurov, que vem praticando um cinema que reflete inconformidade diante da rotina cultivada com tanto apreço e a demagogia aplaudida com tanto entusiasmo. A vida inteligente no cinema não se limita pelas linhas que marcam o espaço das inovações, mas não há dúvida que a abertura de novos caminhos é sempre algo a merecer atenção. Mas é preciso que os verdadeiros revolucionários não sejam confundidos com aqueles que escondem suas limitações pela utilização do espalhafato e da gritaria.
Enquanto a mediocridade se espalha, alguns resistem. Entre eles Alexander Sokurov, que vem praticando um cinema que reflete inconformidade diante da rotina cultivada com tanto apreço e a demagogia aplaudida com tanto entusiasmo. A vida inteligente no cinema não se limita pelas linhas que marcam o espaço das inovações, mas não há dúvida que a abertura de novos caminhos é sempre algo a merecer atenção. Mas é preciso que os verdadeiros revolucionários não sejam confundidos com aqueles que escondem suas limitações pela utilização do espalhafato e da gritaria.
O diretor deste Francofonia, que, no Brasil, ganhou o subtítulo de Louvre sob ocupação, se tornou famoso quando, em 2002, realizou A arca russa, uma proeza de 90 minutos de duração, realizada em um só plano, um relato sem cortes, no qual uma viagem pelo passado da Rússia era encenada através de uma visita a vários espaços do Hermitage, o museu de São Petersburgo. Ao fazer outra visita, desta vez ao Louvre, Sokurov não tenta repetir a técnica do plano único. Ao contrário, utiliza várias técnicas e faz da montagem uma de suas armas. Francofonia é uma mescla de fragmentos de documentários com trechos encenados, na qual se misturam várias linhas narrativas, todas elas voltadas para o tema do conflito entre civilização e violência, cultura e barbárie.
Quando realizou A arca russa, Sokurov recebeu, além dos elogios pelo esforço e a ousadia, críticas por se opor, no país de Serguei Eisenstein, o cultor da montagem como expressão máxima, ao cinema proposto por aquele mestre. Não perceberam, os críticos, que o filme se constituía numa resposta dialética ao que o realizador de Outubro, os dez dias que abalaram o mundo, pretendia. Era, portanto, o filme, a continuidade de um processo. A montagem era substituída por um cenário que sempre se renovava, como acontece quando se visita um museu. De certa forma, era a montagem recriada de outra maneira. Agora, em Francofonia, ele volta a um museu e, de certa maneira, enriquece a proposta de Eisenstein, que procurava em planos diferentes a concretização na tela de uma terceira e definitiva definição do que estava sendo encenado. Sokurov fala em seu novo filme sobre a questão da arte ameaçada pelo tumulto e a violência que acompanham o ser humano. A colocação em cena do oficial alemão e do diretor do Louvre lembra duas figuras históricas que, cada uma à sua maneira, procuraram proteger os tesouros artísticos ameaçados. Um e outro serviram a regimes que encontraram motivos para atuarem juntos durante aquele período histórico. E enquanto um deles escondia obras importantes, outro adiava a remessa para Berlim de obras cobiçadas pelo nazismo. Eis a contradição configurada em cena e o choque que acentua as contradições e os conflitos.
E quando volta ao Hermitage de A arca russa, Sokurov amplia o cenário ao lembrar a diferença entre o que se passou na França e o que havia ocorrido na URSS invadida. As imagens de Leningrado cercada deixam clara essa diferença. É outra contradição e não falta ironia ao cineasta ao mencionar o pretexto de combate ao bolchevismo para deixar livre a maior das brutalidades. E enquanto um Napoleão narcisista passeia pelo Louvre na companhia da figura que simboliza a França, o próprio diretor aparece em cena, dialogando através da internet com o capitão de um navio que, simbolicamente, representando a civilização, está ameaçado por uma tempestade de perder a carga artística que transporta. A ameaça vem da própria natureza, o que deixa claro, mais uma vez, o pensamento do cineasta. Quando a narrativa se encerra, as duas cadeiras vazias representam a saída de cena de dois personagens que tentaram impedir o triunfo da barbárie. Mas há citações ao hino russo na faixa sonora que substitui os créditos, desta vez colocados no início. É uma volta a Leningrado, um regresso a um cenário de devastação e impiedade. O novo filme de Sokurov utiliza muitos recursos para expor o drama da cultura humana ameaçada pela tempestade criada pela agressividade descontrolada.
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