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entrevista especial

- Publicada em 03 de Julho de 2016 às 21:49

Inchaço torna sistema Judiciário caro e ineficiente, diz Da Ros

Da Ros enfatiza que "a discussão pública é sobre o tipo de Judiciário que queremos"

Da Ros enfatiza que "a discussão pública é sobre o tipo de Judiciário que queremos"


MARCELO G. RIBEIRO/JC
O custo do Poder Judiciário no Brasil equivale a 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB), índice quase 10 vezes superior ao da Justiça dos Estados Unidos (0,14% do PIB dos EUA). Além disso, o sistema conta com uma taxa de 210 funcionários para cada 100 mil habitantes e tem cerca de 17 mil magistrados no País, cujos salários variam, do início ao fim da carreira, de 13 a 16 vezes a renda média da população. O valor é alto, principalmente no comparativo com Alemanha e Itália, onde os salários variam entre duas e seis vezes o PIB per capita.
O custo do Poder Judiciário no Brasil equivale a 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB), índice quase 10 vezes superior ao da Justiça dos Estados Unidos (0,14% do PIB dos EUA). Além disso, o sistema conta com uma taxa de 210 funcionários para cada 100 mil habitantes e tem cerca de 17 mil magistrados no País, cujos salários variam, do início ao fim da carreira, de 13 a 16 vezes a renda média da população. O valor é alto, principalmente no comparativo com Alemanha e Itália, onde os salários variam entre duas e seis vezes o PIB per capita.
De acordo com pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Luciano Da Ros, o orçamento necessário para alimentar esse sistema, que chegou ao montante de R$ 62,3 bilhões em 2013 segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), seria menor se os casos fossem conduzidos de maneira agregada. "Há muita litigância repetitiva no Brasil. A gente está decidindo conflitos idênticos", explica. Da Ros conduziu, em parceria com Matthew M. Taylor, da American University, um estudo que compara o volume de recursos do Judiciário no Brasil e em outros países, e que ganhou projeção com fatos como a aprovação do reajuste salarial dos ministros da Suprema Corte, no início de junho.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Da Ros enfatiza que "a discussão pública é sobre o tipo de Judiciário que queremos", afirmando que a fiscalização sobre este poder, vem, em última instância, da sociedade civil. "Existem questões internas (do Judiciário), mas o custo afeta o bolso de todo mundo", observa.
Jornal do Comércio - Dados do CNJ mostram que o custo do Poder Judiciário representa cerca de 1,3% do PIB nacional. Por que é tão alto?
Luciano Da Ros - O que fizemos, eu e o pesquisador Matthew Taylor, foi ver em que medida esse 1,3% se reproduzia em outros países, e aí chegamos à constatação de que havia "mais uma jaboticaba para colher", que é uma coisa que só tem no Brasil. Em todo o resto do mundo ele custa muito menos. E aí se diz que não dá para comparar com Alemanha ou Itália, mas dá para comparar com Chile e Argentina, e neles o Judiciário também custa muito menos, cinco vezes menos em muitos casos, proporcionalmente ao PIB per capita. E isso acontece por um encadeamento de razões. O primeiro motivo é a quantidade de gente trabalhando no Judiciário, de força auxiliar de trabalho. Indo desde terceirizados, estagiários, servidores efetivos do Poder Judiciário, cargos comissionados cedidos de outros poderes. Excluindo os 17 mil magistrados, são 420 mil funcionários no Poder Judiciário, o que equivale a 210 funcionários por 100 mil habitantes. Isso é muito mais que no resto do mundo, onde essa proporção geralmente oscila entre 40 e 70. O segundo dado é que os salários médios estão acima da renda média do brasileiro. Fazendo uma média grosseira, toda essa força de trabalho dividida por 13, que é o número de salários, dividida pelo número de funcionários e multiplicada pela participação da despesa com pessoal, que é de 89% do gasto do Judiciário, tira-se uma média de R$ 5 mil, o que é muito alto se considerar todos os terceirizados e estagiários, que tem remunerações bem abaixo desses R$ 5 mil.
JC - E por que há tanta gente?
Da Ros - É porque há muito trabalho. Temos quase 100 milhões de processos no Brasil, quase um para cada dois habitantes. A carga de trabalho do Judiciário brasileiro também não tem muito paralelo mundo afora, mas por que tanto processo? Estudos recentes indicam que há muita litigância repetitiva no Brasil, redundância decisória. A gente está decidindo, de forma atomizada, conflitos idênticos, e que poderiam ser decididos de forma agregada, com ações coletivas, em vez de causas individuais, milhares de pessoas propondo o mesmo tipo de ação, decorrente do mesmo tipo de conflito.
JC - Qual a razão de os casos serem decididos dessa forma individualizada?
Da Ros - É porque não há uma prática institucional, dentro da magistratura e do Poder Judiciário. A gente é muito deferente à autonomia individual dos magistrados - o que é uma coisa boa para proteger contra pressões, mas essa mesma garantia deve existir para que a lei seja aplicada da mesma forma. O que acontece, muitas vezes, é que essa autonomia acaba sendo contraproducente em termos de eficiência, porque um magistrado decide de um jeito, outro decide de outro jeito, isso gera uma pressão para mais recursos de apelação - que acabam consumindo recursos financeiros - para uniformizar decisões a respeito de determinados conflitos, e isso gera essa redundância. Uma uniformização e previsibilidade evitaria que muitos desses conflitos sequer chegassem no Poder Judiciário, e poderiam ser resolvidos por um mercado de resolução de conflitos por meio de advogados, que sentam com seus clientes e explicam: "a posição do Judiciário é tal", e para evitar entrar na Justiça, compor uma resolução amigável, sem a necessidade de se recorrer a juízes e audiências de conciliação. Esse alto custo, portanto, vem da nossa cultura de não tratar os conflitos de forma agregada. E existe também o poder público, que é um dos réus mais prolíficos do Brasil, e é um dos mais interessados, me parece, para que a gente não tenha um sistema agregado de resolução de conflitos. Se houver, por exemplo, indenizações punitivas, a gente vai quebrar o Estado.
JC - Qual o peso do salário dos magistrados nas despesas de pessoal do Poder Judiciário?
Da Ros - Não há estudo claro sobre isso. A pergunta que todos deveriam estar se fazendo agora é quanto do PIB a gente gasta com salário de magistrado, quanto se gasta anualmente com isso. O Conselho da Justiça Federal define remuneração de nossos ministros do Supremo em cerca de R$ 33 mil. No 2º grau, o teto da remuneração é 90% disso; e 81% no 1º grau, Isso equivale, na proporção do PIB per capita, a 16 vezes a renda média da população para os magistrados em fim de carreira, e cerca de 13 vezes em início de carreira. A diferença entre início e fim de carreira, topo e base, é pequena, e com salários altos na comparação com outros países, que ganham de duas a seis vezes o PIB per capita.
JC - Existe também a questão de, muitas vezes, o salário ultrapassar o piso, contando os benefícios e os adicionais. Isso é normal?
Da Ros - Se eu não estou enganado, esses adicionais já existiam de longa data no Brasil, e eles, na realidade tiveram um refluxo entre 2007 e 2011, quando a atuação do CNJ se intensificou nesse sentido. Em algum momento esse impulso deixou de existir com a mesma força, e a pergunta é por que isso aconteceu. Tem que entender a caixa preta dentro do CNJ, por que o CNJ deixou de ser assertivo em relação a essas coisas. O CNJ é um órgão, no Brasil, composto majoritariamente por magistrados, não é exatamente um órgão de controle externo da magistratura, o incentivo para estabelecer esse tipo de controle não é grande.
JC - O lobby pelo aumento salarial de alguma forma impacta na percepção da população em relação ao Judiciário e ao STF?
Da Ros - Eu não sei se está mudando. Tem um índice de confiança da Justiça, da FGV, que não é muito diferente ano após ano. A população média olha para a Justiça e pensa o quê? Ganham muito, para não andar, para não decidir, é isso. Eles devem olhar para esses episódios e pensar que é mais do mesmo. Imagino que seja essa a percepção de boa parte das pessoas. O que tem de novo? Nada de novo. Talvez agora esteja dando na vista, talvez o pessoal esteja perdendo a vergonha de fazer isso.
JC - No Paraná, a divulgação dos salários dos magistrados do estado por um jornal gerou ações judiciais em cascata contra os jornalistas, movidas por diversos juízes, obrigando os profissionais a comparecer a dezenas de audiências em todo o estado. Como enxerga esse tipo de reação?
Da Ros - Todo o mundo tem direito de entrar com ação, mas olha o quão irônico é isso: os magistrados não reclamam que trabalham demais? Em parte, que as demandas são repetitivas? Pois é, está aí o exemplo. Em vez de entrarem com uma única ação, em nome da associação, ou uma ação coletiva em nome de vários magistrados, preferiram entrar com várias ações em vários lugares. Exatamente o que eles reclamam que fazem as prestadoras de serviços, poder público e tudo mais. Se foi de caso pensado, para perseguir, isso não tem como saber, mas que isso dificulta o trabalho dos jornalistas, isso sim. Imagina se todo o servidor público que se sente incomodado com uma reportagem que sai sobre altos salários na administração pública, entrasse com uma matéria contra os jornalistas. Os jornalistas vão ficar só respondendo processo na Justiça. E aí qual o sistema de responsabilização, de transparência que é possível num cenário desses? A tendência óbvia é que, para não responder mais na Justiça sobre isso, não se façam mais matérias sobre isso; não fazendo mais matérias sobre isso, a gente não tem mais mecanismos de divulgação desse material, como deveria ter.
JC - Há uma questão de status na magistratura que justifique culturalmente a existência desses benefícios?
Da Ros - Não sei se existe essa cultura. O Judiciário brasileiro se diversificou muito nos últimos anos. A questão é que essa diversificação gera poucos pontos de interesse comum entre os magistrados, entre eles a defesa das prerrogativas da categoria. Em qualquer sindicato, para pensar muito grosseiramente, os caras vão defender o quinhão deles, a diferença é que eles têm instrumentos para defender esse quinhão muito mais do que qualquer outro sindicato. As outras categorias profissionais não decidem casos sobre outras pessoas, não têm autonomia financeira, administrativa, não podem ser demitidos só com processo criminal. A maior punição que a gente tem para magistrado no Brasil é a aposentadoria compulsória, que é quase um sistema de premiação. Continua ganhando salário, não tendo que trabalhar. Dadas essas prerrogativas, a defesa dos interesses da magistratura vai ser muito mais eficiente. Parte da questão da remuneração, que eu percebo, é uma percepção de que os magistrados se sentem desprestigiados, porque acreditam que trabalham demais, que estão enxugando gelo, com razão, de certa forma. Eles trabalham e parece que os processos não andam. Vira um mecanismo quase compensatório. O único mecanismo que sobra, se não há poder efetivo nos cargos, porque tudo é reexaminado pelos outros, é a questão remuneratória.
JC - Quem fiscaliza efetivamente eventuais abusos no âmbito do Poder Judiciário?
Da Ros - Só existe um mandatário. A gente fala de autonomia dos poderes, mas nenhuma independência é completa. Fala-se muito em independência do Judiciário, existe um texto clássico do século XVIII, do Alexander Hamilton, que diz que o Judiciário é tudo, menos independente. Para decidir qualquer coisa, ele depende de quem entrar com o caso. Depende de dinheiro, que não é ele que arrecada, são os outros que arrecadam. As garantias dos magistrados dependem de decisão do Legislativo. Quem fiscaliza, no limite, é sempre a população, por meio de seus representantes, com o papel indispensável dos meios de comunicação, que é o de chamar a atenção para onde existe ineficiência ou abuso. A discussão pública é sobre o tipo de Judiciário que queremos. Talvez o nosso Judiciário custe tanto porque a gente tem entendido isso como uma questão interna. Não é assim, simplesmente. Existem questões internas, mas o custo afeta o bolso de todo o mundo. A base é uma só. O dono do condomínio é só um, é a população que recolhe ICMS. É engraçado como são poucos parlamentares que colocam esse tema na pauta. Cabe à população, por meio de seus representantes eleitos, dizer quais interesses têm que ter prioridade.
JC - Pelo segundo ano consecutivo, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) no Estado vai limitar o reajuste de pessoal dos poderes ao crescimento vegetativo, que é 3%, e não vai ter reajuste com custeio. Isso pode de fato engessar o Judiciário?
Da Ros - A gente não precisa de policial, professor, médico? A gente precisa de tudo. O que é fundamental, é juiz ou policial? São escolhas da sociedade do Rio Grande do Sul. Promotor ou pessoal no posto de saúde? O que é mais fundamental? Eu não sei, mas a sociedade do Rio Grande do Sul pode escolher. Cada um vai ter a sua escolha.

Perfil

Luciano Da Ros nasceu em Porto Alegre em 1983. Em 2005, graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), onde também concluiu, em 2008, o mestrado em Ciência Política. Em 2014, concluiu o doutorado em Ciência Política pela University of Illinois, em Chicago, nos Estados Unidos. Atualmente, realiza o pós-doutorado na Ufrgs junto ao Departamento de Ciência Política e ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, onde é docente nas disciplinas de Corrupção e Accountability em Políticas Públicas; na graduação, é professor nas disciplinas de Análise Avançada de Dados; e Judiciário e Políticas Públicas; atua também como pesquisador do Centro de Estudos Internacionais de Governo (Cegov) e do Grupo de Pesquisa Instituições Políticas Comparadas (IpoC). Também possui experiência em pesquisa nas áreas de Ciência Política, Direito Público e Políticas Públicas, com ênfase na análise de instituições do sistema de Justiça.