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Educação

- Publicada em 05 de Junho de 2016 às 21:41

Projeto que veta posicionamento dos professores divide opiniões

Professor e filósofo Armindo Moreira

Professor e filósofo Armindo Moreira


ÉDESIO REICHERT/DIVULGAÇÃO/JC
Desde que estudantes de colégios estaduais do Rio Grande do Sul começaram a ocupar os espaços escolares, no dia 11 de maio, o projeto Escola Sem Partido tem provocado fervorosos debates. Na semana passada, o Projeto de Lei (PL) nº 190/2015 foi discutido em audiência pública para na Assembleia Legislativa, cujo objetivo era tratar da educação no Estado. Ao tentar defender a proposta, o deputado estadual Marcel van Hattem (PP), autor do PL, foi vaiado.
Desde que estudantes de colégios estaduais do Rio Grande do Sul começaram a ocupar os espaços escolares, no dia 11 de maio, o projeto Escola Sem Partido tem provocado fervorosos debates. Na semana passada, o Projeto de Lei (PL) nº 190/2015 foi discutido em audiência pública para na Assembleia Legislativa, cujo objetivo era tratar da educação no Estado. Ao tentar defender a proposta, o deputado estadual Marcel van Hattem (PP), autor do PL, foi vaiado.
A polêmica em torno do projeto é justificável. De um lado, os defensores da medida argumentam que o PL 190, adaptado a partir de um anteprojeto elaborado pelo Movimento Escola Sem Partido, defende a pluralidade de ideias e evita que professores possam influenciar alunos com opiniões políticas e ideológicas, a chamada "doutrinação". A posição contrária, no entanto, afirma que o projeto é uma medida de "amordaçar os professores" e impedir o debate político em âmbito escolar.
Alguns pontos chamam atenção. O professor e filósofo Armindo Moreira é autor do livro "Professor não é educador", recomendado pelos defensores do projeto. Para o autor, um professor "não pode ser educador senão do próprio filho. Se 20 professores educarem a mesma criança, ela sai deseducada".
A questão é reforçada pelo coordenador do movimento, Miguel Nagib, advogado e procurador do estado de São Paulo. "Em matéria de educação moral e religiosa, vale a máxima: meus filhos, minhas regras. Concordo que não existe neutralidade, mas o professor está profissionalmente obrigado a se esforçar para compensar a tendência natural de se posicionar", comenta.
Essa visão é "completamente absurda" para o professor adjunto da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense Fernando Penna, membro do grupo Professores Contra a Escola Sem Partido. Embora admita que alguns profissionais podem cometer excessos, Penna defende que essa não é a regra. "Eles (os autores do projeto) tentam dissociar o ato de ensinar do ato de instruir. Para eles, a educação seria responsabilidade da família e da igreja. Ao professor, caberia a transmissão de conhecimento, um conceito que está ultrapassado há décadas", explica.
Para Penna, o projeto tenta impedir que o mestre fale sobre a realidade na qual vive o aluno. "É óbvio que os pais têm direito de educar os filhos. Mas, quando eles saem do âmbito familiar, precisam conviver com outros valores e crenças, e aprender a respeitar essas diferenças."
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Movimento ganhou força ao tentar barrar discussão sobre questões de gênero

O Movimento Escola Sem Partido existe desde 2004. Para Penna, ele ganhou força quando propôs que a discussão sobre gênero também fosse barrada. "Ele se aproveita de um certo pavor, cria o termo 'ideologia de gênero', um conceito que ninguém usa, mas argumentam que essa ideologia quer transformar todos os jovens em homossexuais. É uma besteira completa", reforça o professor.
Penna lembra que, em Alagoas, o único estado onde o projeto já foi aprovado, uma cartilha falsa, atribuída ao Ministério da Educação (MEC), causou pânico por mostrar imagens gráficas de sexo entre pessoas do mesmo gênero. "Não há como impor uma orientação sexual. O que se quer mostrar é como se constroem as relações de gênero, da homofobia, da paridade entre sexos."
Para o procurador de São Paulo, no entanto, não é bem assim. Nagib argumenta que a presença do aluno na sala de aula é obrigatória, portanto ele se torna obrigado a escutar o discurso do professor. "Nesse sentido, ele é literalmente uma audiência cativa do professor. Isso não tem a ver com o fato de muitos alunos, sobretudo os mais jovens, serem manipuláveis. Estudantes universitários, teoricamente menos suscetíveis, também são audiência cativa dos professores. Inclusive, se o aluno for bastante convicto, será insuportável ouvir opiniões contrárias na sala de aula", alega.
Nagib destaca que existe uma diferença entre liberdade de ensinar e liberdade de expressão. "Se o professor tivesse, em sala de aula, liberdade de expressão, nosso anteprojeto seria inconstitucional. Mas o professor não tem essa liberdade, ele não tem liberdade de dizer qualquer coisa sobre qualquer assunto, porque o aluno é obrigado a ouvir. É diferente de um comunicador do rádio, por exemplo. Se a pessoa não quer ouvir, ela desliga", resume.
Uma das falhas apontadas por Penna é a falta de definição da "doutrinação política e ideológica". "Se nos basearmos pela definição do projeto, o professor pode ser considerado um doutrinador ao discutir assuntos atuais. Mesmo que o aluno venha questionar, se não faz parte da matéria, o professor não poderia falar sobre", afirma.
Para Penna, o movimento tem caráter conservador, e o projeto - e suas variações - não apresenta nenhum ponto positivo. "O que pode gerar é a discussão, entre os próprios professores, do que é ético, de quais são os limites do ensino."

Deputado garante que objetivo não é cercear a liberdade de debater política

Em âmbito estadual, tampouco há consenso. O deputado Marcel van Hattem (PP) garante que o projeto não pretende cercear a liberdade da discussão política. "Pelo contrário, ele quer garantir ao estudante o direito de receber a matéria com pluralidade, com diferentes pontos de vista. Há professores, uma minoria, que são enviesados e praticam a defesa de um partido ou de um ponto ideológico na sala de aula. Todos os que têm criticado o projeto são filiados a partidos, a movimentos sindicais", avalia. Ele considera que as ocupações de estudantes, por exemplo, são instigadas por sindicatos e partidos políticos, além de se referir ao movimento como "invasões".
Por sua vez, o também deputado estadual Edegar Pretto (PT) considera a proposta inconstitucional, uma vez que a escola é um ambiente de "formulação do pensamento". "Isso iria produzir uma geração de alienados, uma vez que o professor só poderia ensinar o que está escrito nos livros, sendo apenas um repassador, não um formulador de conhecimento", explica.
Atualmente, o Escola Sem Partido está proposto no Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o PL 867/2015, e em outros nove projetos similares tramitando nas casas legislativas de oito estados e no Distrito Federal. Em câmaras municipais, há 17 propostas com o mesmo objetivo. Em Alagoas, o projeto foi aprovado por unanimidade.