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Conjuntura

- Publicada em 26 de Junho de 2016 às 16:36

Medidas de Temer são limitadas, dizem analistas

 Fernando Henrique Cardoso. Crédito Paula Ponzi

Fernando Henrique Cardoso. Crédito Paula Ponzi


PAULA PONZI/DIVULGAÇÃO/JC
É recorrente a ideia de que a crise abre uma oportunidade. Com o Brasil vivendo uma das mais graves recessões de sua história, surge a chance de correção de rumos. Esse cenário, no entanto, é limitado e tem se desenhado de forma nebulosa ainda, diagnosticam especialistas que participaram, neste fim de semana, da Expert 2016, maior evento da América Latina para profissionais de investimento.
É recorrente a ideia de que a crise abre uma oportunidade. Com o Brasil vivendo uma das mais graves recessões de sua história, surge a chance de correção de rumos. Esse cenário, no entanto, é limitado e tem se desenhado de forma nebulosa ainda, diagnosticam especialistas que participaram, neste fim de semana, da Expert 2016, maior evento da América Latina para profissionais de investimento.
O momento imediato é previsível: todas as atenções do governo interino de Michel Temer estão centradas na conclusão do impeachment da presidente Dilma Rousseff, lembrou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), figura mais celebrada do evento realizado em Atibaia, a 70 quilômetros de São Paulo, pela XP Investimentos. Como a votação do impedimento está prevista para agosto, Temer está no meio de um processo em que tudo joga contra suas ações.
Ainda que a perspectiva seja a de que o Congresso irá manter o entendimento favorável à saída de Dilma, serão "dois meses difíceis pela frente", sinaliza FHC. "É um momento perigoso, porque dá uma força enorme a alguns senadores, que podem começar a desencadear o jogo de barganhas que a população tem horror." Ainda que Temer esteja cercado por uma equipe econômica "competente", como sinalizou, está em uma situação em que, se ficar, o "bicho come e, se correr, o bicho pega". Ou seja, precisa atender aos anseios de dois lados com um peso enorme e demandas distintas: a sociedade e a classe política.
Portanto, somente a partir do impeachment é que será possível ao presidente interino aproveitar a "janela de oportunidade" para conduzir reformas necessárias ao País, como a da Previdência. Mas Temer está longe de garantir situação confortável, mesmo se garantida sua permanência até 2018. Isso porque, ponderou o ex-presidente, permanecerá sujeito a um processo político confuso, em que os votos necessários do Congresso são negociados com o governo. "Nenhum país no mundo funciona quando você tem 30 partidos no Congresso e outros 20 em preparação. Não tem como governar, fazer maioria", sublinha. "Isso é a receita para o desastre."
Na análise dos economistas, essa dependência de formar maioria limita ainda mais as possibilidades de ação do governo. Bastante cético, Alexandre Schwartsman, economista e ex-diretor do Banco Central, vislumbra que as ações de Temer poderão ser frustrantes. "Temer tem um mandato muito limitado e vai acabar entregando resultados muito limitados também. Eu acho que o grande avanço que está sendo proposto é a ideia de um teto para gasto, embora ainda seja uma coisa bastante incipiente", disse. Segundo ele, a dívida pública tardará a ser controlada, o que deve se concretizar entre 2023 e 2024, projeta.
De acordo com a doutora em economia e economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, o máximo que Temer conseguirá entregar e o início de uma condução da economia de volta aos trilhos, com a inflação apontando novamente para o centro da meta e a taxa de juros cedendo, ainda que lentamente. Com um olhar mais ameno sobre o cenário, Zeina cita que "a situação atual abriu uma janela de oportunidade para arrumar o cenário". O ponto mais positivo, na sua avaliação, é que o fim da Era Dilma "reduziu o risco de colapso". "Temos 18 meses (até 2018) para entregar ações ambiciosas. É uma janela curta para a magnitude das ações de que dependemos", ponderou.
Para Schwartsman, a recuperação econômica virá de forma lenta. "Estamos em um padrão inverso do qual sempre vivemos. Tínhamos recessões curtas, em geral, não muito profundas, e uma recuperação muito forte depois. Pelo menos os últimos episódios no Brasil foram assim, e este, infelizmente, é diferente: veio com uma queda muito forte e uma recuperação que está com cara de ser modesta."
O ponto central, destaca, é que a capacidade do mundo político de dar respostas necessárias é baixa. "É um governo que tem ideias corretas, particularmente do ponto de vista econômico, mas eu tenho sérias dúvidas se a população está disposta a comprar essas ideias. Se eu tenho essas dúvidas, imagina um deputado ou senador. Aí é que está a principal fraqueza deste governo."

Para especialistas, Brasil retrocedeu e revive desafio de estabilizar a economia nacional

 Alexandre Schwartsman. Crédito Paula Ponzi

Alexandre Schwartsman. Crédito Paula Ponzi


PAULA PONZI/DIVULGAÇÃO/JC
A agenda brasileira era bastante clara no início dos anos 1990, logo após a redemocratização do País. Com dois desafios profundos a vencer, o Brasil tinha duas metas urgentes: estabilizar a economia e reduzir a pobreza. O primeiro passo foi dado com a implantação do Plano Real, em 1994, que conseguiu controlar a inflação e iniciar um período de maior controle das políticas monetárias e fiscais. Faltava ainda reduzir a pobreza extrema e ampliar a distribuição de renda, medidas que vieram na sequência.
De 1990 a 2010, o Brasil passou de um país hiperinflacionário com sérias mazelas sociais para uma das economias mais promissoras do mundo. A classe média acessava, pela primeira vez, produtos e serviços antes restritos a um grupo menor de famílias, deixando a pobreza extrema cada vez mais distante, em um passado que parecia ter sido superado. Mas não foi.
Com a recente crise vivida pelo País, e iniciada a partir do final de 2013, essas conquistas se mostraram mais vulneráveis do que se poderia prever, apontam os economistas Alexandre Schwartsman e Zeina Latif. O Brasil retrocedeu e, quando deveria estar se voltando para novos desafios, tem que voltar a olhar para a estabilidade econômica e para os riscos sociais.
"Essas etapas não foram concluídas", avalia Schwartsman. "Conseguimos avanços importantes, deixamos de ter a hiperinflação, tínhamos problemas de endividamento, que pareciam ter sido solucionados, e estamos vendo que não foram. A gente teve avanços no campo de distribuição de renda e emprego, que aconteceram mas estão sendo revertidos. Essa agenda ainda está para ser completada, infelizmente é isso."
Com a sensação de que o País deu um passo para trás, o economista observa que as evoluções alcançadas nas últimas duas décadas "não são tão profundas quanto imaginávamos que fossem". Depois de alcançada, a estabilização ainda precisa ser consolidada. "A própria agenda social não vai poder ser trabalhada se não tivermos um fundamento muito sólido." Ele exemplifica referindo que não se consegue adotar uma política de redistribuição com a dívida explodindo, cedo ou tarde, isso terminará em inflação. "Sabemos que, com a inflação, os ganhos de renda vão evaporar, como estão evaporando."
Zeina cita que, no campo social, o Programa Bolsa Família foi o principal destaque das ações de combate à pobreza. "Mas não há dúvida da importância de um crescimento econômico e da geração de emprego com ganhos sociais. Isso foi essencial para melhorarmos os indicadores socioeconômicos", argumenta. A economista-chefe da XP Investimentos sublinha que não é possível segregar um avanço do outro.
"O Brasil vinha em um processo de consolidação econômica, com modernização do Estado brasileiro, tivemos o tripé macroeconômico, para estabilizar a economia do País, e a gente estava começando a avançar no que chamamos de agenda microeconômica", resgata. Em etapas, os problemas vinham sendo corrigidos. "Porém, nos últimos anos, tivemos uma inflexão e cometemos erros que já foram cometidos no passado", contrapõe.
Uma das lições que parece não ter sido aprendida, sinaliza, foi o respeito à restrição orçamentária do governo. "Escorregamos na disciplina fiscal e, agora, pagamos as consequências." Esses passos atrás, hoje, fazem com que o Brasil refaça a lição de casa, quando, na verdade, deveria estar discutindo outros temas, para avançar ainda mais. "Era para estarmos discutindo melhora da qualidade da gestão estatal e dos serviços públicos, abertura da economia, aumento da eficiência. E estamos discutindo o quê? A dinâmica da dívida pública explosiva, os rombos fiscais, a inflação teimosa, taxa de juros elevada, temas do passado."