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Teatro

- Publicada em 02 de Junho de 2016 às 23:58

Experimentos com a guerra e suas consequências

O último fim de semana do XI Palco Giratório do Sesc guardou muitos bons espetáculos, tanto quanto na semana seguinte, que é esta, em que a coluna está sendo publicada. O festival, aliás, incluiu, na segunda-feira passada, um debate sobre curadoria, discussão mais do que apropriada e oportuna.
O último fim de semana do XI Palco Giratório do Sesc guardou muitos bons espetáculos, tanto quanto na semana seguinte, que é esta, em que a coluna está sendo publicada. O festival, aliás, incluiu, na segunda-feira passada, um debate sobre curadoria, discussão mais do que apropriada e oportuna.
Mas, dentre os espetáculos do fim de semana a que me referi, quero destacar dois, ambos eminentemente experimentais, e por isso resolvi agrupá-los num mesmo comentário, ainda que bem diversos entre si. Refiro-me a www.parafreedom e Diga que você está de acordo! Máquinafatzer.
O primeiro trabalho é uma criação, direção e interpretação (solo) de Esio Magalhães, para o barracão teatro, de São Paulo. A referência do trabalho é a guerra e suas consequências. No debate, ficamos sabendo que o trabalho tem duas décadas e foi criado quando da invasão do Iraque pelos Estados Unidos, daí a ironia da metáfora que o sustenta (o general Figueiredo adoraria): vamos dar liberdade a vocês, nem que seja pela violência. A formação de Esio Magalhães é de palhaço de circo, mas hoje o grupo também trabalha com as máscaras da comedia dell'arte.
Confesso que fiquei apreensivo ao saber que um único ator ficaria em cena por 70 minutos. Mas o espetáculo é tão bem feito; uma cena se encadeia na outra com tanta naturalidade (e lógica) e o roteiro dramático é tão bem desenvolvido (inclusive com a figura de um personagem off, que é Willy), que o tempo passa e a gente não se dá conta. Ao final, o próprio ator se dá à morte, diante da plateia, numa solução engraçada e lúdica, que encanta o público e, ao mesmo tempo, evidencia a contradição que o espetáculo pretendia denunciar, fugindo completamente ao discursivo. Isso, sem esquecer de dizer que Esio Magalhães é um ator completo, extraordinário.
Quanto a Diga que você está de acordo! Máquinafatzer, trata-se de um conjunto de fragmentos de uma obra inacabada de Bertolt Brecht, que a pesquisadora brasileira e diretora Fran Teixeira vem estudando em sua pesquisa de doutorado e que levou ao seu grupo, o Teatro Máquina, do Rio de Janeiro, para encenar. O texto de Brecht é fragmentário e o espetáculo que dele resulta igualmente o é, no que gera um espanto, uma quebra de ritmo e um distanciamento (não no sentido brechtiano, bem entendido), entre plateia e elenco, ao final do espetáculo. Segundo a diretora, os fragmentos misturam vários gêneros, inclusive ensaios, e a intenção do dramaturgo seria incluir a obra entre as peças pedagógicas, mas ele jamais a conclui, talvez por jamais ter ficado satisfeito com as soluções que encontrava.
Sinteticamente, a ação se passa durante a Primeira Grande Guerra (mais uma guerra): quatro soldados desertaram e fogem do front, chegando à casa de um deles, onde a esposa o espera, mas se sente incomodada pela presença dos desconhecidos. A cena representa a mais radical degradação humana dos quatro homens, o que resultará numa contínua violência circular entre cada um deles, o que acaba atingindo também a mulher, mais ao final do espetáculo, depois que ela lhes serve, de certo modo, de empregada, durante todo o conjunto da cena. O cenário também é decomposto, como os figurinos. Tudo é arruinado, derruído, apodrecido. Há uma violência institucionalizada, universal, representada pela guerra (constante da dramaturgia de Brecht) que se reflete na violência particular, interiorizada, de cada personagem.
O enredo não chega a contar uma história. De certo modo não avança dramaticamente, mas, sim, estabelece uma progressão da violência, absolutamente gratuita, o que faz com que, ao final, o público, de certo modo, se distancie da cena e mantenha certo comportamento frio diante do espetáculo.
Sinceramente, num primeiro momento, não me entusiasmei com o trabalho. Depois, com o debate, tentei compreender os objetivos do grupo, que diz pretender justamente provocar a plateia. De qualquer modo, e mesmo diante do aplauso recatado dos espectadores, muitos ficaram para o debate que se seguiu, e que foi produtivo, mostrando que, bem ou mal, a encenação havia causado impacto no ambiente. Tenho dito que festival não é para agradar sempre, mas para mostrar o que está fazendo. Vimos e conhecemos. Anotamos e discutimos.
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