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Cinema

- Publicada em 02 de Junho de 2016 às 23:57

Olhar acusador

A estreia de José Pedro Goulart no longa-metragem é tardia, mas oportuna. Uma série de filmes curtos, entre eles o ótimo O dia em que Dorival encarou a guarda, realizado em parceria com Jorge Furtado, parecia indicar que o realizador de Ponto zero não iria ultrapassar os limites da metragem reduzida, o que não significa dizer que não haveria oportunidade para a realização de trabalhos importantes. O cinema está repleto de obras-primas que, em pouco tempo de projeção, causaram impacto e sempre estarão entre os grandes momentos de sua história. O novo filme de Goulart merece atenção também por se incluir entre aqueles que procuram se afastar das constatações do óbvio e revelar que há espaço para narrativas destinadas a desenvolver temas distantes do discurso e da panfletagem. Nada de palavras de ordem e proselitismo. Nada de discursos sobre imperfeições do mundo e que se afastam da questão central. O filme, ao focalizar o microcosmo familiar, termina por colocar no centro da imagem o ser humano e percorre o caminho no qual a essência do cinema - o personagem e o cenário em que vive - possibilita avanços e permite o equilíbrio. Goulart também procura se afastar das ingenuidades e simplificações. De certa forma, Ponto zero é uma ousadia e se destaca num panorama onde muitos procuram o caminho mais fácil: dizer aquilo que a plateia espera ouvir, mesmo que inúmeras vezes repetido.
A estreia de José Pedro Goulart no longa-metragem é tardia, mas oportuna. Uma série de filmes curtos, entre eles o ótimo O dia em que Dorival encarou a guarda, realizado em parceria com Jorge Furtado, parecia indicar que o realizador de Ponto zero não iria ultrapassar os limites da metragem reduzida, o que não significa dizer que não haveria oportunidade para a realização de trabalhos importantes. O cinema está repleto de obras-primas que, em pouco tempo de projeção, causaram impacto e sempre estarão entre os grandes momentos de sua história. O novo filme de Goulart merece atenção também por se incluir entre aqueles que procuram se afastar das constatações do óbvio e revelar que há espaço para narrativas destinadas a desenvolver temas distantes do discurso e da panfletagem. Nada de palavras de ordem e proselitismo. Nada de discursos sobre imperfeições do mundo e que se afastam da questão central. O filme, ao focalizar o microcosmo familiar, termina por colocar no centro da imagem o ser humano e percorre o caminho no qual a essência do cinema - o personagem e o cenário em que vive - possibilita avanços e permite o equilíbrio. Goulart também procura se afastar das ingenuidades e simplificações. De certa forma, Ponto zero é uma ousadia e se destaca num panorama onde muitos procuram o caminho mais fácil: dizer aquilo que a plateia espera ouvir, mesmo que inúmeras vezes repetido.
Em anos recentes, passada a época em que alegorias quase sempre foram impostas ao real, o cinema brasileiro voltou a se preocupar antes de tudo com personagens, como se finalmente os realizadores tivessem feito a constatação de que o símbolo deve ser construído a partir da realidade e não pela deformação desta. O diretor privilegia o real, mas, em alguns momentos, não recusa a técnica da simbologia permitida pelos efeitos especiais para acentuar a solidão do protagonista. São belas imagens, mas é na mescla das duas tendências, como na expressiva sequência da bicicleta, que Goulart consegue uma síntese reveladora. A imagem não é distorcida quando o personagem invade com sua inconformidade a sala de aula e não é visto pelos alunos: é ignorado por todos. A sequência merece menção não apenas por revelar a essência da dor do protagonista. É como se o filme afirmasse que é possível dizer coisas importantes sem a utilização de recursos artificiais. Em outros momentos, quando o passado do menino é por ele rememorado, momentos antes vividos são filmados sem interferência da montagem, fragmentos da infância são reconstituídos a partir de sua inclusão no tempo presente.
Formalmente, portanto, Ponto zero não esquece exemplos e lições de alguns mestres e, através de tal opção, termina por se transformar em algo que se destaca no cinema brasileiro atual. Um tema como o das dores de um adolescente num mundo deteriorado e movido pela agressividade e a desumanidade não é algo comum em nossa produção. Ver no jovem as consequências do primitivismo e das distorções é algo que faz com que o filme se destaque no panorama brasileiro. Na sequência que abre e depois será repetida no epílogo fica expressa a temática da obra, na medida em que o rompimento e o abandono terminam por revelar o tamanho da solidão. E há também o tema da água, como se a piscina se transformasse no primeiro espaço, anunciando um renascimento. E há também a chuva, que parece agredir impiedosamente o protagonista, numa curiosa inversão e talvez uma citação a um trecho célebre do cinema e da dança e que nem necessita ser aqui mencionado de tão conhecido. Na verdade, se trata de um pesadelo, criado por uma realidade na qual a violência se manifesta de diversas maneiras, desde a agressão física até as carências geradas pela indiferença. E num relato de poucos diálogos, o olhar do personagem revela não apenas o sofrimento, mas também expressa uma acusação na qual também está presente o desejo de algo diverso do que está sendo vivido. E, algo raro em nosso cinema, é importante mencionar a música de Léo Henkin, à maneira de Arvo Part, que completa o sentido das sequências em que intervém e contribui significativamente para o clima dramático do filme.
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