Quase um ano após o conselho curador do FGTS ter autorizado a transferência de R$ 10 bilhões do fundo que aplica recursos do trabalhador em infraestrutura - e que acumula patrimônio bilionário -, o banco de fomento deve perder o direito de usar a verba. O Ministério do Trabalho e Previdência Social já avisou que, se o banco e o fundo não entrarem em acordo, o dinheiro deve ser realocado para financiar a casa própria.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes) diz estar impedido de sacar os recursos porque responde a uma ação trabalhista movida pela associação dos servidores da instituição, que pede, entre outras coisas, a incorporação de cargos. Pelas regras do FI-FGTS, empresas sócias ou financiadas pelo fundo não podem responder a ações trabalhistas vinculadas ao trabalho escravo ou terceirização ilegal - não é o caso do processo contra o Bndes.
O banco informou que junto com a Caixa está trabalhando na estruturação da operação, "visando chegar ao formato mais adequado". Fontes a par das negociações para a transferência dos recursos disseram que a "desculpa da vez" do Bndes é "bem frágil" e os motivos para não ter sacado o dinheiro são outros. Antes da questão do processo trabalhista, o banco colocou outros entraves técnicos para não sacar os R$ 10 bi. O dinheiro continua no caixa do FGTS e é aplicado em títulos públicos.
No primeiro semestre de 2015, o banco pressionou o governo a fazer a transferência porque não tinha caixa suficiente para arcar com os desembolsos de financiamento que já tinham sido acertados com concessionárias de rodovias, portos, ferrovias, aeroportos e energia. O pagamento das pedaladas fiscais, porém, reforçou os cofres do banco na passagem de 2015 para 2016 em R$ 38 bilhões.
O comitê de investimento do FI-FGTS escolheu as obras que deveriam receber os financiamentos em julho de 2015. A aprovação do colegiado vale por nove meses, período que se encerrou no sábado. A operação será novamente discutida entre os membros do comitê - formado por representantes do governo, dos trabalhadores e dos empregadores - na reunião marcada para o fim deste mês.
Para injetar esses recursos no Bndes foi preciso que o conselho curador do FGTS abrisse uma brecha na regra que impede o fundo de ter mais de 20% de todo o capital desembolsado em um mesmo grupo ou instituição. O banco deve ao FI-FGTS R$ 4 bilhões dos R$ 7 bilhões dos títulos de dívida emitidos em 2008.Somado o que deve com o que pegaria, a exposição do FI-FGTS ao Bndes seria de quase 27% do capital comprometido.
Logo depois que a operação foi aprovada pelo conselho curador do FGTS, o deputado Mendonça Filho (DEM-PE) apresentou projeto para suspender a transferência. O argumento é que o regulamento do fundo veda o repasse de recursos a instituições financeiras e bancos de desenvolvimento. O deputado diz que a operação "tem o poder de erodir o resultado do FGTS" pelo baixo retorno estipulado - 7% ao ano mais TR (Taxa Referencial). Segundo ele, normas prudenciais importantes foram deixadas de lado, "de forma a viabilizar os anseios do governo federal, ainda que em detrimento do interesse dos trabalhadores, detentores do patrimônio do FGTS".