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Teatro

- Publicada em 28 de Abril de 2016 às 22:33

Na raiz da violência institucional brasileira

Antonio Hohlfeldt
Em 1980, quando estreou A aurora da minha vida, enquanto dramaturgo, Naum Alves de Souza já trazia uma significativa bagagem teatral em seu currículo. Esta primeira peça, pelo contexto histórico e pelo tema desenvolvido, poderia parecer obra de ocasião e de denúncia quanto ao regime militar. Ver-se-ia depois, contudo, que era muito mais que isso. O enredo desenvolvido, que coloca em cena algumas crianças, em um período de um passado próximo, em uma escola, começava a discutir o tema que, no fundo, seria a preocupação de toda a dramaturgia de Naum Alves de Souza: a violência institucionalizada da sociedade brasileira. Naquela primeira peça, foi a questão da escola. Depois, em 1982, com No Natal a gente vem te buscar, ele focava sua atenção sobre a família. A história de abandono, vivida pela Solteirona, era, na verdade, um filtro capaz de trazer à tona o que, em geral, toda a família gosta de esconder: a maneira pela qual o poder se exerce, antecipando ou sendo consequência de um outro poder maior, que é o da organização social. Mas Naum Alves de Souza foi além, e fugindo a qualquer maniqueísmo, estreou, em 1984, Um beijo, um abraço, um aperto de mão que teria duas versões, a masculina e a feminina, uma inovação formal - na época causou sensação - mas que ia além do formalismo, porque queria mostrar, justamente, que tais situações fugiam aos parâmetros de gênero, para se colocarem enquanto situações experimentadas e duplicadas pela família pequeno burguesa brasileira.
Em 1980, quando estreou A aurora da minha vida, enquanto dramaturgo, Naum Alves de Souza já trazia uma significativa bagagem teatral em seu currículo. Esta primeira peça, pelo contexto histórico e pelo tema desenvolvido, poderia parecer obra de ocasião e de denúncia quanto ao regime militar. Ver-se-ia depois, contudo, que era muito mais que isso. O enredo desenvolvido, que coloca em cena algumas crianças, em um período de um passado próximo, em uma escola, começava a discutir o tema que, no fundo, seria a preocupação de toda a dramaturgia de Naum Alves de Souza: a violência institucionalizada da sociedade brasileira. Naquela primeira peça, foi a questão da escola. Depois, em 1982, com No Natal a gente vem te buscar, ele focava sua atenção sobre a família. A história de abandono, vivida pela Solteirona, era, na verdade, um filtro capaz de trazer à tona o que, em geral, toda a família gosta de esconder: a maneira pela qual o poder se exerce, antecipando ou sendo consequência de um outro poder maior, que é o da organização social. Mas Naum Alves de Souza foi além, e fugindo a qualquer maniqueísmo, estreou, em 1984, Um beijo, um abraço, um aperto de mão que teria duas versões, a masculina e a feminina, uma inovação formal - na época causou sensação - mas que ia além do formalismo, porque queria mostrar, justamente, que tais situações fugiam aos parâmetros de gênero, para se colocarem enquanto situações experimentadas e duplicadas pela família pequeno burguesa brasileira.
A dramaturgia brasileira tem escassos dramaturgos, aqueles criadores capazes de traduzir, em suas peças, uma visão de mundo ampla e abrangente, travestida nas diferentes situações de cada um dos tramas apresentados. Estreamos com um verdadeiro dramaturgo, Martins Pena, mas como era comediógrafo, ninguém o levou a mal. Depois, tivemos de esperar quase um século para termos dois criadores, cada um a seu modo, Nelson Rodrigues e Jorge Andrade. Rodrigues foi a grande enciclopédia da sociedade urbana brasileira: ninguém, como ele, dissecou a falsidade e o cinismo que marcam a vida nacional. Jorge Andrade, de seu lado, fez a extraordinária síntese histórica da civilização brasileira, a partir de suas raízes fincadas no sertão de Minas Gerais e nos interiores de São Paulo, de onde todos viemos.
O próximo personagem é Naum Alves de Souza. Comparativamente aos demais, sua obra é relativamente curta. Além das peças mencionadas, temos a bem-humorada e sensível Suburbano coração, em que trabalhou em parceria com Chico Buarque de Hollanda (1989), um texto relativamente falho, que é Nijinski (1986) e, enfim, A rainha do lar (1992).
A dramaturgia de Naum Alves de Souza foi só uma parte (talvez quantitativa, uma das menores partes) do trabalho do artista com o teatro. Ele foi diretor, cenógrafo, coreógrafo, mas a sua maior contribuição foi, sem dúvida, a dramaturgia. De novo: pouca coisa, relativamente, mas todo um universo, o universo humano e, muito especialmente, o universo humano do homem brasileiro. A dramaturgia de Naum Alves de Souza é dessas obras que se precisa ler/assistir obrigatoriamente, para entender o que somos e como somos. Sua experiência da tecnologia do teatro ajudou-o a, não só criar o texto, que é o miolo da obra teatral, mas a pensar um texto capaz de encontrar soluções ou complementações cenográficas, ao nível do espetáculo. Assim, a opção pelos personagens, a estruturação da trama nas diferentes cenas, a alternativa de gêneros de uma narrativa, a busca do rádio - um dos meios de comunicação mais populares - como veículo de sonho e de realização de uma personagem, colocando o rádio em cena, recuperando aquele tempo de ouro do rádio, todas estas coisas fazem de Naum Alves de Souza um autor universal. É de se esperar que sua morte não interrompa o interesse por sua obra. Se isso ocorrer, perdemos nós, não ele. Naum Alves de Souza entendeu, como poucos, a comédia humana, em que todos representamos uns para os outros. Para ele, contudo, sem esta representação, como conviveríamos?
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