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Teatro

- Publicada em 03 de Abril de 2016 às 16:53

Maldita e abençoada utopia

Lembro bem de um jovem relativamente tímido, alto e magro, cabelo encaracolado e meio desgrenhado, na redação do jornal. Vinha divulgar seu espetáculo que acontecia num lugar pouco imaginável como um espaço teatral: uma espécie de corredor, comprido, na rua Ramiro Barcelos, no trecho entre a Cristóvão Colombo e a Farrapos, à esquerda de quem descesse desde a Independência. Estava surgindo o grupo Ói nóis Aqui Traveiz que, já em sua denominação, indicava a teimosia e a persistência. Este foi o espaço físico primitivo do que, mais tarde, seria a Terreira da Tribo. Tudo isso é recordado por Paulo Flores, o utópico idealista daquele grupo, em Um cavalo louco no Sul do Brasil, livro de bolso, pequeno nas dimensões, enorme na sua importância de depoimento, de quase autobiografia do criador do mais importante grupo teatral da cidade de Porto Alegre e, por consequência, do Estado.
Lembro bem de um jovem relativamente tímido, alto e magro, cabelo encaracolado e meio desgrenhado, na redação do jornal. Vinha divulgar seu espetáculo que acontecia num lugar pouco imaginável como um espaço teatral: uma espécie de corredor, comprido, na rua Ramiro Barcelos, no trecho entre a Cristóvão Colombo e a Farrapos, à esquerda de quem descesse desde a Independência. Estava surgindo o grupo Ói nóis Aqui Traveiz que, já em sua denominação, indicava a teimosia e a persistência. Este foi o espaço físico primitivo do que, mais tarde, seria a Terreira da Tribo. Tudo isso é recordado por Paulo Flores, o utópico idealista daquele grupo, em Um cavalo louco no Sul do Brasil, livro de bolso, pequeno nas dimensões, enorme na sua importância de depoimento, de quase autobiografia do criador do mais importante grupo teatral da cidade de Porto Alegre e, por consequência, do Estado.
Tive a sorte de, enquanto jornalista, poder documentar praticamente todos os espetáculos que constituem a história do grupo, desde aqueles primeiros textos assinados pelo então jornalista Júlio Zanotta, mais tarde presidente da Câmara Rio-grandense do Livro, hoje de volta ao métier de animador cultural e dramaturgo.
O depoimento de Paulo Flores é extremamente importante porque ele, mesmo que não explicitando suas escolhas, organiza o pequeno volume em torno dos vários movimentos, escolhas e prioridades que caracterizaram a evolução do grupo, um pouco por vontade própria, outro pouco tocado pelas necessidades da sobrevivência e do enfrentamento aos desafios constantes, sobretudo a dificuldade (e a necessidade) de ter uma sede própria para o grupo.
"A aventura da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz começou a ser gestada no final de 1977 com o encontro de jovens artistas descontentes com o teatro que se fazia em Porto Alegre e no País", começa o texto de Paulo Flores. Isso coincidia com o início do fim da ditadura. Mas não significava que a ditadura já acabara. Os jovens atuadores bem lembram, porque apanharam e foram presos inúmeras vezes. Aqui, não explicitada, mas evidenciada, a principal característica do grupo: trata-se de uma militância ao mesmo tempo artística e cidadã, de quem, descontente com o presente, quer construir o futuro. Isso custa caro, e os jovens do grupo, os jovens que se sucederam no grupo, cada um a seu jeito e a seu modo, tiveram e souberam pagar.
Nesta primeira etapa, destaca-se a ideia do "uso do corpo em oposição ao primado da palavra" (p. 13). Ora, numa ditadura em que se pretendia que o uso da pílula, então recém em voga, era "coisa de comunista", imagine-se o "uso do corpo": voltamos àquela velha concepção - que aliás, na verdade, nunca chegou a desaparecer completamente, de que os atores eram marginais e as atrizes, prostitutas. Com o corpo à mostra, então, todos formavam um bando de baderneiros, capazes de destruir a "família brasileira" e, por consequência, "a pátria": pau neles. Esses jovens apanharam muito, e muitos foram presos. Mas persistiram. É importante registrar, e Paulo Flores faz constantemente este registro, os jovens atores e atrizes sempre tiveram, por parte dos jornalistas especializados, uma boa compreensão e apoio. Moral, na verdade, apenas, porque também nós pouco poderíamos fazer: éramos igualmente subversivos e, como tais, nem um pouco confiáveis.
Mas o grupo continua, e arranja uma sede na José do Patrocínio. Cria o grupo de teatro de rua. Começa a chamar a atenção de representantes de instituições culturais estrangeiras, como a Aliança Francesa e, sobretudo, o Goethe Institut. Começam, timidamente, os convites para irem a outros estados e, enfim, ao exterior. Mudam-se para a zona Norte da cidade. Nem sempre o grupo tinha dinheiro para financiar tais deslocamentos, sobretudo porque era muita gente e os equipamentos de encenação relativamente variados e pesados. Mas eles avançavam.
Paulo Flores pode concluir, assim: "A organização baseada no coletivo, e seu funcionamento autônomo, vai revelar-se no fazer teatral, dando continuidade a uma história de perseverança e luta do teatro independente da América Latina". O orgulho é mais do que justificado. E a projeção ao continente, da mesma forma. Salve o santo grupo Ói Nóis Aqui Traveiz e seu maldito/abençoado profeta Flores.
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