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Publicada em 27 de Março de 2016 às 22:46

Como a empresa pode sair do estado natural da desordem

Clemente Nóbrega

Clemente Nóbrega

ARQUIVO PESSOAL/DIVULGAÇÃO/JC
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Jornal do Comércio
Clemente Nóbrega pensa a gestão de empresa com a cabeça de Físico, que ele é. O desafio dos gestores hoje, conforme ele, é análogo ao dos físicos do início do século 20: colocar em marcha nas empresas e nossas vidas algo que que nos possibilite lidar criativamente com o caos e a incerteza do mundo. Nóbrega cursou o Strategic Marketing Management, na Harvard Business School e foi pioneiro na introdução dos conceitos e práticas de Gestão pela Qualidade na AMIL Assistência Médica, onde exerceu por 14 anos o cargo de diretor de marketing. Ele será o palestrante do evento Antropobusiness: Uma abordagem científica para a sobrevivência das organizações empresariais, que acontece em abril, em Porto Alegre. Nesta entrevista, concedida à Vinícius Spindler, ele explica o conceito de empresa quântica.
Clemente Nóbrega pensa a gestão de empresa com a cabeça de Físico, que ele é. O desafio dos gestores hoje, conforme ele, é análogo ao dos físicos do início do século 20: colocar em marcha nas empresas e nossas vidas algo que que nos possibilite lidar criativamente com o caos e a incerteza do mundo. Nóbrega cursou o Strategic Marketing Management, na Harvard Business School e foi pioneiro na introdução dos conceitos e práticas de Gestão pela Qualidade na AMIL Assistência Médica, onde exerceu por 14 anos o cargo de diretor de marketing. Ele será o palestrante do evento Antropobusiness: Uma abordagem científica para a sobrevivência das organizações empresariais, que acontece em abril, em Porto Alegre. Nesta entrevista, concedida à Vinícius Spindler, ele explica o conceito de empresa quântica.
Como um físico acabou se interessando por gestão e empreendedorismo? O que essas áreas têm em comum?
Clemente Nóbrega - Sou um físico especializado em energia nuclear. Trabalhei catorze anos nesta área que abandonei para tornar-me executivo de empresa. Outros catorze anos depois, virei pesquisador de assuntos do mundo empresarial. Meu tema é inovação como veículo para aumentos de produtividade. Inovação é um conceito complexo e multifacetado, que ainda não foi sistematizado. Todo mundo fala nele, mas poucas empresas têm processos para "fazer a inovação acontecer" Interesso-me por inovação motivado pelo mesmo impulso que me levou à Física lá atrás: problemas não resolvidos. Físicos gostam de se imaginar resolvendo grandes problemas. Todo físico um dia sonhou ser um Einstein, mas o tempo força-os a acomodarem-se a ambições mais modestas.
Qual o conceito de empresa quântica?
CN - A ideia é a seguinte: houve uma mudança radical em Física no início do século 20, a partir do momento em que foi possível olhar para dentro da matéria, vasculhar seu interior e contemplar sua intimidade. O que apareceu foi um mundo estranho e intrigante. Um mundo que não se deixa capturar pelas noções que nos ajudam a funcionar no dia-a-dia, nem podia ser descrito pelo nosso vocabulário corriqueiro. O mundo "ali dentro" não era como o mundo "aqui fora". Foi preciso inventar outra linguagem e alterar todo o quadro mental vigente para dar conta daquela realidade nova. A física quântica foi essa linguagem. Construída através do talento de um punhado de cientistas, acabou consolidando-se como a maneira certa para se lidar com aquele universo perturbador do interior da matéria. Linguagem esquisita, contra intuitiva, que desafiava o senso comum - zombava dos princípios que todos usavam para falar, descrever e entender o mundo e as coisas. O paradoxo, a incerteza, a falta de objetividade, a impossibilidade de se relacionar causa com efeito, são suas marcas registradas. Mas, esquisita como é, a física quântica dá certo. "Dar certo" em ciência e em business é gerar coisas úteis. É levar a resultados. Fora da Física, no mundo das organizações, a linguagem usual faliu diante da complexidade crescente do mundo. O desafio dos gestores hoje é análogo ao dos físicos do início do século. Temos de colocar em marcha em nossas empresas e nossas vidas algo que nos possibilite lidar criativamente com o caos e a incerteza do mundo. Essa coisa de "empresa quântica" reflete simplesmente isso: os pressupostos que sempre usamos, os princípios em que sempre nos apoiamos no dia a dia para guiar nossa ação - produzir, ser feliz.- nada disso está funcionando mais. Assim, precisamos do equivalente a uma linguagem quântica para a empresa. É verdade que tive minha quota de problemas por causa do título. É que há muito lixo, muita embromação, com essas coisas "quânticas" e houve quem desconfiasse que eu era mais um. A verdade é que física quântica não pode ser usada para interpretar nada no mundo do dia a dia; ela só serve mesmo, comprovadamente, para descrever o mundo do infinitamente pequeno. Isso ela faz perfeitamente. Fora daí, só como metáfora, simbolismo. As empresas, como organizações sociais, são complexas e tendem à desorganização.
Por que isso ocorre e qual a vacina para que a desordem natural não comprometa os objetivos e viabilidade das empresas?
CN - As organizações tendem a se desorganizar por causa de uma lei da Física que, essencialmente, diz que o estado natural de qualquer coisa é a desordem, a não ordem. É chamada de lei da entropia. Entropia é uma medida da desordem de um sistema. Sistemas de quaisquer naturezas tendem à desordem (entropia crescente) se não forem submetidos a fluxos contínuos de energia. Tudo o que vemos organizado/estruturado no mundo natural está submetido a fluxos contínuos de energia. Pode ser um feto, uma flor, um animal. Tudo depende de energia que em última análise vem do sol. Na empresa e organizações em geral, essa energia vem da liderança - a mais importante função gerencial. É a liderança que impede o sistema empresarial de se acomodar em seu estado natural. É ela que tira o sistema do equilíbrio, da uniformidade, da "entropização" crescente.
O senhor criou um conjunto de práticas que viabilizam a construção de inovação em organizações, chamado Innovatrix. Qual a premissa dessa metodologia e em que tipo de organizações ela pode ser aplicada?
CN - Innovatrix é um método de solução de problemas baseado na TRIZ -uma abordagem inventada por um russo chamado Geinrich Altschuller nos anos 1940. Foi ele que originou o que hoje chamamos de inovação sistemática. A aplicação do método começa identificando contradições existentes no sistema que estamos tratando. Contradições geram lacunas que afastam o sistema do que chamamos de seu estado ideal. O método sugere rotas para fazer alterações no sistema de modo que ele se aproxime do seu estado ideal. A inovação sistemática (Innovatrix) enfatiza a eliminação do que impede o funcionamento ideal do sistema, não a adição de recursos a ele. Para produzir inovação ela valoriza a reconfiguração do que já existe. Suas soluções são desenhadas a partir de um vasto corpo de conhecimentos muito gerais sobre soluções que deram certo em contextos diferentes. O ponto de partida do Innovatrix é o seguinte: alguém, em um contexto qualquer, já resolveu um problema "parecido" com o que você tem. Busque sua solução a partir daí. Há uma base que justifica esta afirmação - essa base tem origem num tipo de saber não intelectual, muito prático. Inovação sistemática é uma ciência prática que se apoia na análise de (literalmente) milhões de problemas em áreas distintas. Uma ciência experimental, digamos assim, que começou "artesanalmente" nos anos 1940 e tem ganhado relevância nas últimas décadas. Uma ciência baseada no conhecimento de quem faz (a practitioner science). Ela não tem teoria por trás. Chamam conhecimentos deste tipo de "conhecimento heurístico"; ele é baseado em regras práticas que funcionam grande parte das vezes. Regras de heurísticas não são rigorosas, mas funcionam. Não sabemos direito porque, mas funcionam! A experiência direta mostra que funcionam. Um físico muito conhecido- Stephen Hawking, personagem central do filme "A Teoria de Tudo"- capturou bem esse espírito quando disse: "desisti de ser rigoroso, quero apenas estar certo". Hoje há um culto à inovação. Ela apresenta-se como a grande perspectiva, mas também como um enorme desafio para as corporações.
Em que medida a inovação efetivamente pode garantir a sobrevivência das empresas? Por que inovar é algo tão difícil para as organizações? Vivemos um cenário econômico bastante difícil para as empresas. Nesse contexto, há espaço e fôlego para investir em inovação?
CN - Inovação pode ser sistematizada e tornar-se um processo nas empresas. O desafio maior é que, por definição, inovação tem riscos maiores do que aqueles do dia a dia. Inovação é sobre o futuro. Em qualquer organização, inovar conflita com a operação do dia a dia.
Inovar é sempre antinatural para a organização. Por quê?
CN - "Operação do dia a dia" embute tudo o que a empresa aprendeu a fazer bem ao longo de sua existência. É previsível e confiável. É graças a ela que a empresa adquire seu direito de existir. Mas, esse direito não é vitalício. Para estender " seu prazo de validade" ela tem que inovar, ou seja tem que desafiar a moldura definida por aquilo que faz melhor. Inovação é antítese de operação dia a dia. Tem mais riscos. É experimental e aberta. Pessoas numa organização só começam a tratar produtivamente de temas conflitantes como "dia a dia versus Inovação" (sem se colocarem na defensiva), quando aprendem juntas. Quando desenvolvem conhecimento novo em sintonia umas com as outras. Inovação só acontece por meio de times. Só emerge a partir de aprendizado coletivo.

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