Ricardo Gruner
O diretor Hector Babenco (Carandiru) frisa que sua nova incursão audiovisual, Meu amigo hindu, não é autobiográfica. Entretanto, antes das primeiras imagens do longa-metragem, há uma mensagem: "O que você vai assistir é uma história que aconteceu comigo e a conto da melhor forma que eu sei". A partir de então, o espectador acompanha a trajetória de um cineasta, Diego (papel do americano Willem Dafoe, de Platoon e Anticristo), que, assim como Babenco, vence a batalha contra um linfoma.
Primeiro longa-metragem do argentino-brasileiro em quase uma década - o último foi O passado (2007) -, o título tem um caráter existencial, mas faz também uma ode à contação de histórias. Na trama, Diego vai se tratar nos Estados Unidos, para onde viaja com a esposa, com quem recém casou-se. Em meio a complicações familiares e procedimentos médicos, se depara com um garoto indiano, e começa a narrar casos a ele.
O elenco inclui nomes como Maria Fernanda Cândido, Selton Mello, Bárbara Paz, Reynaldo Gianecchini e Maitê Proença - mas, curiosamente, o filme é todo falado em inglês. Para interpretar o papel principal, Dafoe perdeu peso, raspou o cabelo e se viu em uma situação ímpar: trabalhava em sua língua nativa, mas via seus colegas de set todos conversando em português nos bastidores - o que contribuiu para viver a sensação de isolamento do personagem. Conforme o cineasta, no entanto, este não foi nenhum artifício para impulsionar o desempenho do intérprete de nenhuma forma. "Deixei ele à vontade", resume Babenco.
Ainda de acordo com o argentino-brasileiro, a ideia inicial era ter um brasileiro no papel de Diego. Como obra do acaso, os artistas com quem ele gostaria de contar estavam dedicando-se a outros trabalhos, mas o americano tinha espaço em sua agenda. "Ele entendeu o espírito do projeto. E obviamente conversávamos, dividíamos coisas, procurávamos soluções juntos.", cita o diretor, referindo-se à construção do protagonista.
A linha que separa ficção da realidade ainda inclui uma série de referências à trajetória de Babenco. Gianecchini, por exemplo, interpreta o médico que acompanha a doença de Diego no Brasil e, mais tarde, menciona um estudo sobre Carandiru - uma alusão a Drauzio Varella, escritor do livro que originou o filme. A presença de Bárbara Paz no elenco é ainda mais direta: cônjuge do cineasta na vida real, na ficção ela também vive uma mulher de extrema importância para o protagonista.
De acordo com Babenco, não há demérito algum em fazer ficção tendo a si mesmo com base. "O Scorsese está fazendo o mesmo filme há 30 anos. E quando Milan Kundera escreve A insustentável leveza do ser, você não acha que está falando dele mesmo?", exemplifica o cineasta, crente de que é o olhar de quem enxerga que faz a obra. "Todo mundo, de alguma forma, se utiliza disso para contar uma história. Acho que é uma coisa muito moderna, e temos que aceitar isso como um modelo que enriquece."
Nesse sentido, o menino hindu também é fruto da licença poética do diretor e roteirista. A inspiração está em um garoto que Babenco viu apenas uma vez, no hospital onde fazia tratamento, também nos Estados Unidos. Tempos depois, lembrou-se da criança e refletiu sobre que história contaria para ela. "Eu não sei fazer outra coisa", comenta Babenco, sobre a essência do seu ofício.
Já o longa-metragem, segundo o artista, surgiu do fim. "Eu tinha a cena final, de explosão de vida e do amor ao cinema, e passei a reconstruir a história. À medida que escrevia, percebia que era sobre um diretor que queria fazer outro filme, que não queria morrer por achar que tem alguma missão ainda a cumprir", comenta ele.