Ricardo Gruner
Escritor, cineasta e até roteirista de quadrinhos, o gaúcho Tabajara Ruas demonstra um interesse especial pela história e mitos do Sul. O autor que, ao longo de sua trajetória já se debruçou sobre a figura de Antônio de Sousa Netto em Netto perde sua alma, dedica o ano a duas incursões audiovisuais.
Uma delas é Os senhores da guerra, que já passou pelo Festival de Gramado e teve algumas exibições na Capital. Baseado na saga de dois irmãos que se enfrentaram na Revolução de 1923, o filme deve entrar em cartaz em 15 capitais. Já a outra marca o retorno do escritor ao universo em torno de um nome que conhece bem: Gumercindo Saraiva. O realizador pretende gravar o longa-metragem Gumercindo a partir de outubro, com metade do orçamento já viabilizado através de edital da Agência Nacional de Cinema.
A novidade no cronograma de Tabajara tem, de certa forma, origem em 1997. Naquele ano, ele e Elmar Bones lançaram o livro A cabeça de Gumercindo Saraiva, no qual contam como, a partir de 1893, um desconhecido caudilho da fronteira se tornou o principal chefe militar da Revolução Federalista. Em 2015, Tabajara já havia voltado ao tema em outro livro, Gumercindo, dessa vez para relatar a imaginária caçada ao oficial encarregado de levar a cabeça do personagem-título (decapitada e mandada como troféu para Júlio de Castilhos). É com base nessa segunda interpretação que o artista pretende se dedicar novamente ao cinema, em produção na qual ele trabalha no roteiro e direção.
Conforme o realizador, o fascínio por destacar contos relativos à formação do Estado ou do País é impulsionada pelo panorama da sétima arte nacional. "Nossa história é pouco explorada. Nós não temos muitas imagens do passado, mesmo em pintura. E há espaço intelectual para isso", afirma ele, também autor de obras como O amor de Pedro por João - livro que destaca o exílio durante a ditadura militar.
Integrante de uma geração que cresceu assistindo ao western americano, o cineasta acredita que faltam no Brasil produções que ajudem a impregnar a história do País no imaginário popular. "Minha geração sabia tudo sobre os Estados Unidos... A conquista do Oeste, Guerra da Secessão, Independência, assistíamos a tudo isso no cinema", lembra, comparando. "Já a literatura do nosso Estado, em boa parte, tenta recuperar o passado, mas é uma arte de dois séculos atrás. No cinema, algo contemporâneo, isso quase não acontece", completa.
Para Ruas, as produções americanas de época também estabeleceram o faroeste como um gênero que segue forte até hoje. Nesse sentido, pode-se ver um estrada de via dupla: o gênero fortalece a história e os mitos, que também são matéria-bruta para a arte. Ainda segundo o cineasta, O regresso, candidato ao Oscar ainda em cartaz na Capital gaúcha, é uma prova que o status do western se mantém até hoje. "É um faroeste clássico", coloca ele, referindo-se ao filme inspirado na história do explorador Hugh Glass.
Para falar sobre o universo cinematográfico, produção regional, teoria, linguagem e convenções de gênero, o escritor ministra o curso O prazer do cinema no StudioClio (José do Patrocínio, 698) a partir do dia 22 de fevereiro. Durante as aulas, o professor promove aos alunos exibição sessões dos clássicos Assim estava escrito (Vincent Minnelli, 1952), Crepúsculos dos deuses (Billy Wilder, 1951), A condessa descalça (Joseph L. Mankiewicz, 1954).
"Ao mesmo tempo que são inventivos enquanto a roteiro, edição e proposta narrativa, são títulos que apontaram para o moderno do cinema americano. E tratam do cinema em si, da criação de filmes, com discussões estéticas", justifica Ruas, que levanta o histórico das produções e faz considerações sobre as mesmas. De acordo com ele, o objetivo é explorar aspectos do roteiro, da direção de elenco e dos conflitos entre atores e cenários. "O curso apresenta informações para que se possa fazer a leitura de filmes com mais intensidade."
Interessados na oficina podem se inscrever pelo site
www.studioclio.com.br. São quatro encontros, nas segundas e terças-feiras, das 18h às 21h, até 1 de março. Além dos três clássicos, há também uma exibição do próprio
Senhores da guerra. O investimento fica entre R$ 645,00 (professores e estudantes) e R$ 765,00 (público geral).