Rodrigo Ferreira
A economia mundial é uma piada. O mercado financeiro é uma piada. Se há alguma "moral da história" por trás de A grande aposta, comédia de Adam McKay - conhecido por sua colaboração com Will Ferrell em O âncora -, parece ser essa. Com um elenco de primeira - que inclui Brad Pitt, Ryan Gosling, Steve Carrell e Christian Bale, além de pontas de Margot Robbie, Anthony Bourdain e Selena Gomez -, a produção reconta os anos que levaram ao colapso da economia global em 2008. O roteiro é baseado no livro de não-ficção publicado pelo jornalista Michael Lewis em 2010. O filme tem cinco indicações ao Oscar, incluindo melhor ator coadjuvante para Bale.
A ordem em que o quarteto de protagonistas é apresentado acompanha a cronologia da crise. Christian Bale interpreta o excêntrico gênio dos números que percebe, ainda em 2005, o cataclisma que se forma. Sem traquejo social algum, sua perspicaz constatação é rapidamente taxada de maluquice por seus colegas. Exceto Jared Vennett, encarnado por Gosling, banqueiro egocêntrico que não economiza no bronzeamento artificial. É ele quem, por acidente, coloca em cena Mark Baum.
O personagem de Carrell equilibra a gravidade com a intenção cômica do filme. Baum gerencia um fundo de investimentos de alto risco. Desconfiado, falastrão e de pavio curto, ele é o único personagem cujo passado é razoavelmente exposto - Marisa Tomei é subaproveitada como sua esposa, em uma produção na qual pouquíssimas mulheres aparecem, a maioria delas como strippers ou coadjuvantes irrelevantes. Seu desgosto/insatisfação com o sistema se equipara ao demonstrado por Brad Pitt, que entra em cena como um ex-figurão ecologicamente consciente.
À primeira vista, parece difícil fazer comédia usando majoritariamente um vocabulário esotérico e inacessível. Siglas herméticas do setor como CDO e CDS aparecem a cada esquina. Mas a escolha de um elenco charmoso ajuda a tornar o tema mais palatável. Recorrendo frequentemente a quebra da 4ª parede e intervenções do narrador, Ryan Gosling, McKay impede que a falação frenética em termos técnicos aliene o público.
A primeira metade do filme causa uma espécie de febre surrealista. As situações mostradas são tão absurdas e desconjuntadas que o próprio conhecimento de que algo assim de fato se passou é o responsável pela comicidade. Conforme o roteiro se aproxima do clímax, o efeito se esvanece.
Alguns personagens passam a germinar algo próximo de uma consciência, nem mesmo a miopia moral que parece acometer a todos é capaz de encobrir a mastodôntica estupidez que alimenta Wall Street. Não há racionalização ou lógica capaz de explicar o que acontece: uma a uma, as partes envolvidas no sistema econômico - agências de ratings (Standard & Poor's, Moody's), bancos internacionais, agentes imobiliários, os próprios departamentos estatais incumbidos de fiscalizar o mercado - provam que seu principal interesse é maximizar lucros. Sobra até para o Wall Street Journal, que prefere não investigar evidências de fraude em nome da "reputação". (Aliás, a escolha do título da resenha publicada pelo jornal sobre o filme - As belezas cômicas de uma bolha - é muito infeliz).
Por conta do grande impacto e da proximidade histórica, outros filmes abordaram, recentemente, o tema. O lobo de Wall Street, de Scorsese, sem se importar com o didatismo, foi menos direto nas suas considerações críticas, e bem mais grandiloquente. O documentário Inside job, de Charles Ferguson e narrado por Matt Damon, por sua vez, adotou uma postura meticulosa ao investigar as causas e consequências - políticas, econômicas, sociais - da crise global que, estima-se, custou US$ 20 trilhões. Nesse sentido, o trabalho de McKay fica num agradável ponto médio.
A grande aposta, claro, trata-se de uma obra de ficção, mas as consequências do que é retratado são bem reais e continuam a ser sentidas. Uma quantidade obscena de pessoas perdeu casa e emprego, nos Estados Unidos e além. No fim das contas, o filme é uma piada sobre a crise de 2008 que só funciona às custas dessas pessoas.