Michele Rolim
Uma das principais demandas da classe teatral é por espaço. Nas últimas décadas, a produção aumentou, mas os locais não. São poucos os grupos que conseguem manter lugares próprios para ensaiar e pesquisar linguagens. O que, por vezes, acaba precarizando as montagens. Talvez, outros venham somar a esta realidade.
Amanhã, os coletivos teatrais que ocupam os pavilhões 5 e 6 do Hospital Psiquiátrico São Pedro prometem reunir centenas de artistas e simpatizantes na manifestação Daqui não saio... Daqui ninguém me tira, marcada para as 15h, na Esquina Democrática. A concentração é resposta à comunicação que os grupos receberam no dia 7 passado, exigindo a devolução do espaço à Secretaria da Saúde. A pressão deve continuar mesmo depois da manifestação: uma página no Facebook, criada pelos grupos já reuniu mais de oito mil apoiadores. Além disso, uma petição pública pela continuidade do convênio que garante a permanência dos grupos já circula na área cultural.
A manifestação da última quinta-feira é o capítulo mais recente da novela da ocupação dos pavilhões, que já dura 16 anos. Naquela data, em reunião com representantes dos grupos teatrais, que integram o Condomínio Cênico, e da Secretaria de Estado da Cultura (Sedac), a Secretaria da Saúde comunicou sua disposição de retomar o espaço, a ser reformado e utilizado para serviços administrativos da pasta.
Acordos de cooperação técnica entre a Sedac e a Secretaria da Saúde garantiam que os grupos ocupassem culturalmente os pavilhões. O local já foi palco de vários espetáculos, e até da Bienal do Mercosul, em 2001. Entretanto, desde 2008, não ocorrem mais apresentações. O local foi interditado após vistoria da Secretaria de Obras, depois que um laudo apontou riscos estruturais.
O laudo é contestado pelos grupos, que relatam opiniões divergentes de arquitetos e engenheiros. Atualmente, as companhias que participam do condomínio - Caixa-Preta, Falos & Stercus, Neelic, Oigalê e Povo da Rua - usam os espaços para ensaios, criação, pesquisa e armazenamento de material.
Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae), o local precisa passar por obras de recuperação. Não alheios a isso, os grupos de teatro, inclusive, têm um projeto de restauro, elaborado em 2012 pelo Escritório Modelo Albano Volkmer, vinculado à Faculdade de Arquitetura da Ufrgs.
Durante a reunião do dia 7, foram levantadas algumas questões, entre elas, de onde viriam os recursos para o restauro por parte do governo, em virtude da difícil situação financeira do Estado, quanto seria o valor necessário e quanto tempo o processo demoraria. Segundo o arquiteto e vice-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil/RS Rafael Pavan dos Passos, a situação é preocupante: "Daqui a pouco, retirar os grupos seja o primeiro passo para esvaziar o local e não ter ninguém de cúmplice da entrega dele ao tempo. Esses prédios vão se deteriorar a tal ponto, que fique inviável para o poder público investir e acabe procurando uma parceria privada". Ele também adverte: "Essa atitude de política frente aos edifícios tombados é mais ou menos o que acontece no Cais Mauá; a justificativa é a da revitalização e ganha apoio de uma parcela da sociedade. Tu deixas um processo tão grande de deterioração que os custos aumentam muito".
A questão é juridicamente controversa. Um dos pontos de discussão é a cláusula oitava do termo, intitulada "Denúncia e rescisão": "o presente acordo de cooperação técnica poderá ser denunciado pelos partícipes, dando-se notificação por escrito com, pelo menos, 30 (trinta) dias de antecedência". Os grupos do Condomínio Cênico alegam em sua defesa que ambas as partes devem concordar, e que o registro do imóvel ainda seguia na Secretaria da Cultura (ao menos até 07/01), ou seja, o gestor desta pasta poderia negar a entrega.
No mesmo dia do conturbado encontro, a Secretaria de Cultura enviou uma nota à imprensa alegando que reconhece a importância do Condomínio Cênico para a cultura, mas que não questiona a legitimidade da Secretaria Estadual da Saúde que, considerando as condições físicas dos pavilhões, solicitou a rescisão do termo de Cooperação Técnica. No documento, também prometeu encontrar espaços de propriedade do Estado, que estejam ociosos e possam ser utilizados para fins culturais para acomodar esses grupos. Os coletivos, por sua vez, garantem que a promessa já foi feita por outras secretarias e para eles é importante a manutenção daquele espaço, exigindo uma postura mais firme da Secretaria de Cultura do Estado.