Previsto para ter sua primeira unidade inaugurada na segunda quinzena de fevereiro, o Complexo Prisional de Canoas (CPC) promete apresentar um novo modelo de gestão, focado na ressocialização dos presos. A Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), contudo, teme que a casa prisional se torne mais um local nos moldes do Presídio Central de Porto Alegre (PCPA), dominado por facções criminosas.
Para organizar suas inseguranças a respeito, a entidade apresentou, no dia 11 de janeiro, nota técnica assinada por Marcos Rolim, especialista em segurança pública e integrante do Conselho Administrativo do Centro Internacional para la Promoción de los Derechos Humanos (CIPDH), órgão vinculado à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Segundo o presidente da Ajuris, Gilberto Schäfer, a associação tem acompanhado a situação do sistema prisional, através do Fórum da Questão Penitenciária, desde sua denúncia a respeito do PCPA, para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). "Denunciamos a superlotação da unidade, bem como a situação precária de sua estrutura, a falta de oferta de trabalho profissionalizante e a realização de revista íntima vexatória. A partir disso, o governo federal deu respostas e apontou a construção de novas casas prisionais como solução", relata. Foi aí que surgiu o projeto do CPC.
Desde que a ideia do complexo foi ventilada, a Ajuris quis saber qual seria o perfil do preso, como seria gerido e quem faria a guarda. "Até hoje, a Brigada Militar faz a guarda no PCPA, apesar de não ter formação para isso. Em nossa nota técnica, mostramos que, aparentemente, o CPC não está dimensionado para o trabalho prisional e que seu primeiro objetivo não é oferecer a ressocialização do detento, através de trabalho e educação, tanto ampla quanto profissionalizante", pondera Schäfer.
O magistrado critica, ainda, a falta de debate por parte da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) desse projeto com outras instituições, como o Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública e associações das instituições e da sociedade. "Parece que estamos vivendo a cultura da improvisação. Está se repetindo o mesmo sistema de depositar presos. Se for dessa forma, logo, logo, teremos a repetição, em Canoas, do PCPA. Está na hora de o Estado e a sociedade perceberem a necessidade de modificarmos nossa relação com o trato prisional, que impacta diretamente a segurança. Hoje, as próprias facções controlam os pavilhões no Presídio Central. Queremos isso para Canoas?", questiona.
Schäfer assegura que a Susepe dá retorno às questões apresentadas pela Ajuris, mas não as respostas adequadas. "Queremos um debate. Precisamos de um retorno adequado, sem pensar apenas na questão do aumento de vagas, e sim em como isso será feito. Qual o projeto, além do arquitetônico? Ao que tudo indica, tudo nas novas unidades é voltado para a contenção", explica. A entidade pretende voltar a se reunir em fevereiro, com o Fórum da Questão Penitenciária, a fim de avaliar o que o Judiciário pode fazer a respeito.
Susepe garante que há espaço para ressocialização nas unidades
Em nota ao Jornal do Comércio, a Susepe negou a ausência de estrutura para ressocialização de presos no Complexo Prisional de Canoas e adiantou que está previsto, em cada galeria, um pavilhão de trabalho. Além disso, o projeto arquitetônico contempla unidades de saúde, salas de aula, espaços para leitura, pátios com refeitório e acomodações para visitas.
"A proposta é uma nova concepção para um atendimento diferenciado aos apenados que lá cumprirem pena, pois já possuiremos os espaços adequados dentro das estruturas físicas", afirma a superintendência.
A Brigada Militar fará a segurança externa das unidades. Na parte interna, o trabalho será feito por agentes penitenciários, agentes penitenciários administrativos e técnicos superiores penitenciários. O trabalho de cozinha, limpeza e manutenção da estrutura, apesar de ser de responsabilidade do Estado, será realizado pelos presos, como ocorre em outras unidades prisionais gaúchas.
A proposta, conforme a Susepe, é dar condições plenas a uma resposta social mais eficiente, além de um tratamento penal diferenciado. Para tanto, serão selecionados detentos com um perfil específico, que não pertença a facções e demonstre vontade de passar por uma ressocialização.