Ricardo Gruner
Em certo momento de Macbeth: ambição e guerra, o ator Michael Fassbender (de Shame e 12 anos de escravidão) diz estar com a cabeça cheia de escorpiões. Embora impactante, a frase nem precisaria ser dita: é visível a loucura febril do personagem-título, interpretado hipnoticamente pelo artista. Com estreia nesta quinta-feira, véspera de Natal, o longa-metragem dirigido por Justin Kurzel apresenta uma versão peculiar - e às vezes difícil - para a peça de William Shakespeare.
Exibido no Festival de Cannes deste ano, quando concorreu à Palma de Ouro, a adaptação cinematográfica promete uma narrativa pouco convencional desde as primeiras cenas. Macbeth é visto em campo de batalha - mas a violência contrasta com a câmera lenta e um incômodo silêncio.
Já levado às telonas anteriormente por nomes que são referência na sétima arte, como Akira Kurosawa, Orson Welles e Roman Polanski, o enredo acompanha uma tragédia anunciada. Na Escócia medieval, o protagonista encontra um grupo de bruxas que prevê para ele um caminho pelos mais altos escalões. Destino semelhante é antecipado para seu companheiro Banquo (Paddy Considine) - ele não se tornará rei, mas dará origem a uma linhagem real. O último e catalisador agente da trama é Lady Macbeth (Marion Cotillard, de Piaf), uma mulher ambiciosa que pretende garantir a presença do marido no topo.
A partir deste quadro, o diretor australiano desenvolve uma obra que foca principalmente no sentimento de culpa e em uma espécie de trauma pós-guerra. São as consequências psicológicas da violência que interessam ao cineasta, e não o derramamento de sangue em si.
Lento, escuro e frequentemente sussurrado, o longa-metragem aposta na imersão do público na mente do protagonista. Para isso, mantém grandes trechos de texto original - apresentados em monólogos pomposos que ora se misturam visualmente com cenas seguintes e ora remetem a um certo teatralismo. O artifício funciona para fazer os dois atores principais provarem que são alguns dos melhores de sua geração: só no olhar, a dupla já revela a tormenta na alma de seus personagens.
Não à toa, há um clima de ressaca que permeia parte da narrativa e o ar contemplativo devem-se ao fato do protagonista e daqueles que o cercam ainda digerirem acontecimentos importantes. A direção de arte e o design de produção do longa-metragem cooperam para evidenciar as transformações através da paleta de cores destacada - que vai de um cinza sem vida até um vermelho alaranjado.
E se a estética é um dos pontos fortes do longa-metragem, com cenários grandiloquentes que dialogam com os conflitos de Macbeth, o mesmo não se pode dizer a respeito do ritmo do roteiro. Elaborado a seis mãos por Jacob Koskoff, Michael Lesslie e Todd Louiso, o texto é um tanto modorrento, principalmente porque há cenas longas que apenas reforçam ideias ou nuances (em vez de apresentar novas situações ou paradigmas).
Fora a participação em Cannes, Macbeth: ambição e guerra (mais um exemplar a ter subtítulo desnecessário em português) teve uma recepção mista no circuito de premiações. A obra concorre ao British Independent Film Awards em seis categorias, inclusive nas principais, mas foi totalmente ignorada pelo Globo de Ouro.
Mesmo assim, parece que Michael Fassbender, Marion Cotillard, Justin Kurzel e Michael Lesslie ficaram satisfeitos com o trabalho em conjunto. O quarteto retomou a parceria em Assassin's Creed, já em fase de pós-produção. Com previsão de estreia em 2016, o filme inclui o trabalho de mais dois roteiristas e é uma adaptação do jogo de videogame homônimo.