Caroline da Silva
A Cinemateca Paulo Amorim da Casa de Cultura Mario Quintana apresenta, até hoje, a mostra 3X Murilo Salles, com três estreias do diretor. Além de O fim e os meios, o cineasta lançou dois documentários: Aprendi a jogar com você e Passarinho lá de Nova Iorque. O primeiro longa, ficcional, segue em cartaz por mais uma semana na Sala Norberto Lubisco (Andradas, 736), às 17h30min.
A exibição conjunta, na opinião de Salles (de Nunca fomos tão felizes, 1984), proporciona uma interação entre as três reflexões sobre o Brasil. O que une o cineasta Cícero Filho, personagem de Passarinho..., ao DJ Duda de Aprendi a jogar com você e a Paulo Henrique, publicitário de O fim e os meios? Os três buscam a afirmação social e profissional, mas as dificuldades cotidianas acabam levando-os, cada um por seu contexto, a entrar em crise com a sua nação. "Os três são mergulhos num Brasil louco, profundo, que nos molda, consome. São filmes que dialogam e se complementam. Eles nasceram do desejo de querer olhar o Brasil das formações, dos jeitinhos, das virações."
Aprendi a jogar com você ganhou o troféu de Melhor Montagem no Festival de Paulínia de 2014 e Passarinho lá de Nova Iorque foi selecionado para a Mostra Autores do Festival de Tiradentes, também no ano passado. Exibido no último Festival de Cinema de Gramado, O fim e os meios saiu sem nenhuma distinção - incompreensível para um tradicional júri que costuma dividir as premiações entre os concorrentes.
O thriller político merecia mais reconhecimento, pela grandiosidade e complexidade da história que se propõe a contar. No Festival do Rio de 2014, a produção já havia recebido o Troféu Redentor de Melhor Roteiro (para Fellipe Barbosa, Murilo Salles). "O cinema narrativo me desafia", disse o diretor na Serra gaúcha.
No enredo (bem enredado, aliás), o casal Cris (Cintia Rosa) e Paulo (Pedro Brício) decide ficar junto após o nascimento da filha - o pai havia desaparecido durante quase toda a gravidez. Eles resolvem ir a Brasília em busca de novos desafios profissionais. Ela é jornalista, quer cobrir o Congresso Nacional. Ele é publicitário e vai comandar a campanha eleitoral de um senador da República. Os dois acabam se envolvendo num jogo de interesses em que mídia e política se confundem, e caem no olho do furacão do poder.
Sobre a fotografia de O fim e os meios, Salles justificou que "o Brasil é escuro": "Este filme é som e imagem, não é diálogo". O cineasta afirmou que o drama/suspense dialoga com Raízes do Brasil (livro publicado por Sérgio Buarque de Holanda pela primeira vez em 1936). "No nosso País, a corrupção é uma endemia. Meu assunto não é o Senado em si, é a formação da sociedade."
A interpretação da tríade de atores (Cintia, Brício e Marco Ricca - no papel do político cafajeste) inspira destaque nas reviravoltas da trama, contadas em diversas elipses e difíceis ao espectador comum. Mas ousadia poderia ser o sobrenome do meio na assinatura artística de Murilo Salles. "Meus filmes são esquisitos... Ninguém gosta, é impressionante. Mas considero isso uma qualidade, é sinal de que estou no caminho certo", brincou o diretor na coletiva no Festival de Gramado.
Ele também comparou a personagem de Cintia Rosa, forte e intensa, a Anna Karenina (protagonista homônima do livro de Tolstói de 1877). "O cinema brasileiro é, hoje, assombrado pelo politicamente correto. Questionaram o fato de a atriz ser negra. Ela é uma mulher!" O diretor comentou que paixões por homens truculentos é um clichê: "Não podemos discutir clichê? O que interessa é a releitura que vou fazer dele. Se ela não ficasse apaixonada pelo personagem do Marco Ricca o filme não existiria".
Segundo ele, este era o elemento fundamental para provocar - síntese de sua obra. "O artista é um provocador, temos que provocar. Estamos perdendo esse caráter, o cinema deixou de ser provocativo", lamentou Salles.