Continuar empreendimentos que já têm histórias bem consolidadas é desafio para jovens

É assunto de família: jovens que têm como missão dar continuidade aos negócios


Continuar empreendimentos que já têm histórias bem consolidadas é desafio para jovens

Jovens que dão continuidade aos negócios da família têm uma missão desafiadora: dar seguimento, também, à realização de um sonho que inicialmente não foi deles. Será que não ter de começar do zero é um facilitador? Nem sempre.
Jovens que dão continuidade aos negócios da família têm uma missão desafiadora: dar seguimento, também, à realização de um sonho que inicialmente não foi deles. Será que não ter de começar do zero é um facilitador? Nem sempre.
O professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs), Rogério Villela, coordenador do Curso de Administração de Empresas, diz que o desejo dos pais é que seus sucessores assumam o negócio para sua perpetuidade. Ou seja, que os filhos sejam exatamente como eles - ou ainda melhores.
"Às vezes, devido à grande pressão, o filho faz totalmente o contrário, buscando uma fuga do relacionamento com a família e da sua vida profissional. Estas questões têm de ser trabalhadas desde pequeno", opina Villela, que atua na linha de Formação em Empreendedorismo e Sucessão.
Com 61 anos de história, a loja de calçados Dom Gerson, do bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre, colocou Raiza Ainhorn, 28 anos, no grupo de empreendedores que tem o dever de manter trajetórias consolidadas em movimento. 
Ela é uma das herdeiras da marca. Sorte que sempre foi apaixonada pelo mundo da moda e dos sapatos femininos. Este amor vem de berço, intensificado pela admiração ao avô, Marcos Ainhorn, criador da empresa.
Raiza não segue a crença pessimista de que a terceira geração quebra o negócio, mas sabe que o legado não é para qualquer um. "A ideia da nossa terceira geração é trazer a nova Dom Gerson, e continuar sendo referência, tal qual meu avô planejava", diz.
Para ela, esse processo é natural. "Nasci sentindo aquele cheirinho de couro novo, sempre me identifiquei com a loja", lembra Raiza, que hoje, mesmo morando em São Paulo, ajuda a mãe, Paula Ainhorn, 58, e a tia, Carla Ainhorn, 57, a tocar o patrimônio.
Mãe e filha contam que ex-clientes do fundador ainda procuram a loja. Essa fidelização que perpassa gerações é um prestígio.
Paula acrescenta que a Dom Gerson sempre foi muito presente na sua vida. "A mãe não tinha onde nos deixar e então íamos para o estoque ajudar. Depois fomos tomando conta", expõe.
Conforme Villela, uma pesquisa dos anos 1990 da universidade de Montreal, no Canadá, indicava que 96% das empresas do Brasil eram familiares - o Rio Grande do Sul liderava o ranking entre os estados.
Raiza se formou em Administração e aprofundou os estudos em Empreendedorismo e Sucessão justamente pensando na possibilidade de somar-se à Dom Gerson, embora tivesse intenção de ter um empreendimento próprio. Após outras experiências, sentiu-se com maturidade suficiente para assumir os negócios do avô.

Confeitaria: extensão do lar

Quando Elena, 61 anos, e Claudio Taffarel Maranghello, 60, começaram a informal fabricação de balas de coco, não imaginavam que estavam dando o pontapé ao que seria a grande paixão dos filhos Leonardo, 35, e Renata, 32: a confeitaria Maranghello. Criada em 1987, atualmente conta com quatro lojas distribuídas pela capital gaúcha e cerca de 70 funcionários. Os filhos, que sucederam os pais no empreendimento, dão a dica para a realização profissional: tem de ter visão, mas sem perder o DNA da marca e a essência da família.
Para Renata e Leonardo, o diferencial da Maranghello é o fato de ela ter crescido junto com eles. "Sempre moramos na confeitaria, desde pequenos estamos na empresa", comenta Renata. Hoje, ela cuida da parte comercial, enquanto o irmão toca a área financeira e de compras. Ambos completam-se nas funções, e o pai e a mãe dão suporte quando necessário.
Os irmãos salientam que o carinho pela empresa sempre esteve presente na vida familiar e que, apesar de terem tido experiências profissionais fora da confeitaria, a ideia de um dia trabalhar exclusivamente com a Maranghello sempre existiu. "Ao contrário do que se vê em outros empreendimentos familiares, nossos pais nunca nos colocaram na obrigação de dedicar-se apenas à confeitaria. Tivemos a possibilidade de ver o mundo lá fora", conta Renata, que já trabalhou com publicidade em outras empresas.
A liberdade que Elena e Claudio deram aos filhos se refletiu no amor que os herdeiros têm ao negócio. Em 2008, com a abertura de uma filial no BarraShoppingSul, os irmãos contam que pintou um frio na barriga de largar a empresa na mão de terceiros - já que não conseguem estar em todas as unidades o tempo todo.
"O carinho era tanto que resolvemos entrar de cabeça no negócio. Foi
um momento importante para a nossa família, deixamos de ser uma loja de bairro", expõe Leonardo.
Mesmo com o lado empresarial, Leonardo e Renata afirmam que a Maranghello reflete muito o que é a família. Por causa disso, eles têm uma grande preocupação com a gestão de pessoas. Os empresários se divertem contando que os pais ainda dão muitos pitacos na hora de tomar decisões. "Somos descendentes de italianos e nos expressamos muito, mas sem perder o respeito", afirma Renata.

A cobrança entre os membros do clã é maior

Em 1953, Lins Ferrão, em sociedade com o irmão Waldemar, criou a loja A Principal, em Camaquã, no Rio Grande do Sul. Anos depois, buscando consolidar-se no mercado de vestuário masculino, Lins deu um passo maior e decidiu mudar o nome do negócio: surgia assim a Pompéia - referência em roupas, cama, mesa e banho. Com a expansão, a loja virou grupo: o Lins Ferrão. Atualmente, Carmem Ferrão, 58 anos, filha do fundador da Pompéia, atua na área de marketing e vendas. O grupo, formado também por outros familiares, recentemente adquiriu as lojas Gang. O negócio é tão de família que no comando desta nova aquisição está Ana Luiza Ferrão Cardoso, 29, filha de Carmem e neta de Lins.
A publicitária e diretora geral da Gang, conta, nesta entrevista, sobre como é trabalhar em uma empresa familiar. Para Ana, o melhor é ter paixão, independente da relação de parentesco.
GeraçãoE - Como começou a sua atuação no Grupo Lins Ferrão?
Ana Luiza Ferrão - Estava trabalhando na área de marketing em uma empresa que foi comprada por uma multinacional. Neste processo de aquisição, eu teria a oportunidade de morar e trabalhar em outro Estado. Foi então que eu senti que era o momento de ter a experiência no negócio da família. Nesta ocasião, fui convidada a entrar na Pompéia. Já preenchia  os critérios exigidos pela empresa, então, foi um processo natural. De minha parte foi mais por vontade de agregar e poderfazer a diferença no negócio da família.
GE - Participar dos negócios da família sempre esteve presente em seus projetos de carreira?
Ana - No início da minha formação eu imagina ser uma executiva de mercado. Achava importante fazer a minha própria história e ser reconhecida pelo meu trabalho e não por ser um membro da família Ferrão. Depois de formada, de ter experiências em diversas empresas e ter sido reconhecida pelo meu desempenho, me dei conta de que era mais um desafio próprio do que uma real necessidade, foi então que aceitei a oportunidade de agregar no grupo.
GE- Existe um segredo para separar o lado familiar e pessoal do lado profissional?
Ana - Me considero uma "worklover", pois sou uma apaixonada pela minha profissão. Acredito que este é o "segredo". Na verdade acredito que o ideal seja o equilíbrio entre o lado pessoal e profissional, mas aceitando que, por vezes, um dos lados irá "pesar" um pouco mais que o outro e devemos saber como geri-los. 
GE - Qual o maior desafio para atuar em uma empresa familiar?
Ana - O primeiro passo é trabalhar com paixão, dedicação e comprometimento com o negócio. Acredito ser fundamental a profissionalização da empresa, para que os membros da família assumam papéis (ou não) pela sua competência e não apenas por fazerem parte da família. Como membros da família somos muito mais cobrados e nos exigimos muito mais do que os demais colaboradores.
GE - Qual conselho daria a quem está assumindo os negócios da família?
Ana - Uma das frases que mais me inspira é "nós somos do tamanho dos nossos sonhos". Então, somente entre para o negócio da família se você realmente ama o que faz e se for para fazer a diferença.

Fique ligado

>> O maior desafio da empresa familiar é conciliar o lado profissional com o pessoal. Nossas fontes alertam quem quer seguir o exemplo: o negócio é a família, não dá para separar completamente. "Tem horas que eu preciso refletir que minha mãe é também minha chefe”, diz Leonardo Maranghello.