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Estatuto do desarmamento

- Publicada em 16 de Outubro de 2015 às 17:49

Flexibilização da lei do desarmamento divide opiniões

Estatuto do Desarmamento exige adequação a critérios específicos

Estatuto do Desarmamento exige adequação a critérios específicos


JOÃO MATTOS/JC
Enquanto alguns acreditam que estatuto restringe a liberdade individual, outros defendem que ampliar o acesso às armas incita a violência. O Projeto de Lei (PL) nº 3.722/2012, elaborado pelo deputado federal Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC), versa sobre as normas de aquisição, posse, porte e circulação de armas de fogo e munições no Brasil. Enquanto o PL aguarda o parecer da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, existem opiniões favoráveis e contrárias às alterações propostas. Enquanto os primeiros acreditam que o Estado não deve decidir como o cidadão escolhe se defender, os segundos sugerem que a medida incitaria ainda mais a violência.
Enquanto alguns acreditam que estatuto restringe a liberdade individual, outros defendem que ampliar o acesso às armas incita a violência. O Projeto de Lei (PL) nº 3.722/2012, elaborado pelo deputado federal Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC), versa sobre as normas de aquisição, posse, porte e circulação de armas de fogo e munições no Brasil. Enquanto o PL aguarda o parecer da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, existem opiniões favoráveis e contrárias às alterações propostas. Enquanto os primeiros acreditam que o Estado não deve decidir como o cidadão escolhe se defender, os segundos sugerem que a medida incitaria ainda mais a violência.
A proposta de Peninha flexibiliza o atual Estatuto do Desarmamento, estabelecido em 2003, e reduz a idade mínima para o porte de armas de fogo de 25 anos para 21; transforma o registro, que atualmente deve ser renovado a cada três anos, em permanente; e pede que esse registro seja concedido pela Polícia Civil, e não mais pela Federal. Além disso, o projeto também defende que o cidadão possa adquirir até nove armas e 600 munições por ano hoje, o estatuto prevê o limite de cinco armas e 50 munições. Em ambas as legislações, é exigida a ausência de antecedentes criminais para que a compra possa ser efetuada.
O promotor de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Criminal do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS), Luciano Vaccaro, explica que há muita polêmica em torno do assunto. "Quando sai uma manchete falando sobre flexibilização, já parece que vai ficar tudo liberado, gente com armas nas ruas, e não é assim. O PL do deputado Peninha quer desburocratizar a questão da compra e porte de arma", esclarece. Para ele, a intervenção do Estado restringe a liberdade do cidadão. "Ninguém vai ser obrigado a comprar, mas o atual estatuto interfere no desejo daquela pessoa que quer. Acho legítimo que cada cidadão possa se valer de uma arma de fogo para se defender."
Existe uma ideia de que, no Brasil, os chamados "cidadãos de bem" estão à mercê, desarmados, enquanto os considerados criminosos e marginais podem atacar - e sabem que não encontrarão resistência. O assessor de advocacia do Instituto Sou da Paz, Felippe Angeli, considera traiçoeiro esse argumento. "A população fica dividida. Não se pode balizar a sociedade a partir do viés de quem não cumpre a lei. Buscar uma alteração na lei, porque os criminosos não a cumprem não faz sentido." Para ele, cabe ao Estado o monopólio do uso da força e a responsabilidade pela segurança pública. "Esperarmos que cada cidadão faça justiça com as próprias mãos nos colocaria em uma posição anterior ao Estado moderno."
O Mapa da Violência deste ano mostra que, anualmente, morrem cerca de 40 mil pessoas por arma de fogo no País - média de 116 por dia. Dados coletados entre 1993 e 2003, os dez anos anteriores ao estatuto, apontam que os homicídios, na época, cresceram de 7 a 8% ao ano, chegando a 36 mil mortes anuais. Seguindo essa progressão, no ano de 2012, seriam esperadas 71.118 vítimas fatais por disparos de armas de fogo. De acordo com o Ministério da Saúde, houve 40.077. No Rio Grande do Sul, somente de janeiro a outubro de 2015, 1.047 armas de fogo foram entregues à Polícia Federal. De 2004 até hoje, foram mais de 50 mil.

'Arma não é sinônimo de segurança', diz advogado

O consenso de que qualquer pessoa com uma arma nas mãos seja capaz de se defender é contestado por Angeli. "As pessoas imaginam que, na intuição, conseguirão agir. Mas é preciso treino e aptidão para manusear uma arma de fogo. Quem não os possui, dificilmente vai fazer algo, ou pior, pode causar danos a si mesmos". O advogado e integrante da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio Grande do Sul (OAB/RS) Rocke Reckziegel atribui à vigência do estatuto a preservação de cerca de 30 mil vidas, de acordo com a progressão evidenciada pelo Mapa da Violência. "A arma não dá segurança a ninguém. Ela foi feita para matar, não para defender. Todos os estudos demonstram que, quanto maior o acesso às armas de fogo, maiores são os índices de criminalidade e violência. O bandido não vai se dissuadir do crime só porque a pessoa que vai atacar está armada", comenta.
O promotor do MP-RS discorda dessa visão. Vaccaro concorda que alguns aspectos do projeto de lei são brandos demais, como a intenção de permitir que o registro de posse e porte seja permanente - atualmente, é preciso renová-lo a cada três anos. "É bom que as autoridades competentes tenham contato com a pessoa e que ela responda sempre aos requisitos. Um prazo de três anos é muito curto, mas quem sabe cinco ou dez?", pondera. Vaccaro também discorda da redução da pena do comércio ilegal de armas, fixada em quatro a oito anos, para três a cinco. Quanto à redução da idade mínima de 25 para 21 anos, o promotor ainda não está decidido. "Do ponto de vista legal, se o cidadão de 21 anos comprovar capacidade mental e tiver os documentos necessários, estaria apto. A criminalidade de armas tem maior incidência entre os jovens e também vitima mais jovens. Mas há muito tráfico de armas também. Baixar a restrição para 21 não quer dizer que vai haver mais homicídio, mas tenho minhas dúvidas."
Ainda assim, Vaccaro aponta a diminuição do preço de R$ 60,00 para R$ 50,00 da taxa para obter o registro e a manutenção das penas dos principais crimes relacionados a armas de fogo, como posse e porte ilegal, disparo em via pública e tráfico de armas, como aspectos positivos. O projeto também apresenta uma definição do conceito de porte e do "prazo de validade" do instrumento, considerados válidos pelo promotor. Evidentemente, em um país violento como o Brasil, a sensação de insegurança existe. "É algo muito grave, mas não cabe ao cidadão decidir a prevalência da vida de outra pessoa. Isso pode gerar linchamentos, como o que houve há um ano, no Guarujá, em que uma mulher foi condenada e morta, sem julgamento, quando a comunidade a confundiu com uma pessoa que raptava crianças", argumenta Angeli.
Em maio do ano passado, Fabiane de Jesus foi linchada em Guarujá, no litoral de São Paulo. A foto dela foi divulgada nas redes sociais junto a um boato que a associava à utilização de crianças em rituais de magia negra. Ela foi agredida até a morte. Cinco pessoas foram presas pelo crime.
Reckziegel considera que a alteração do estatuto é um retrocesso. "As mortes ocorrem mais entre a faixa etária dos 15 aos 29 anos, e vamos armá-los? Vamos colocar lenha na fogueira em vez de reduzir o número de homicídios. Quanto mais jovem, mais audaciosa é a pessoa. Além de crimes, vemos acidentes, crimes de paixão, suicídios, tudo com arma de fogo. Todos eles só ocorrem porque há, de fato, uma arma de fogo à mão", defende. Para o advogado, a tentativa de revisão da lei está ligada ao lobby da indústria de armamentos.