Em reunião com o governador José Ivo Sartori em janeiro deste ano, pouco depois de assumir o cargo, uma comitiva composta por membros do Conselho Regional de Contabilidade (CRCRS) apontava soluções radicais como alternativa de estabilizar a economia gaúcha e garantir o cumprimento das obrigações básicas esperadas do Executivo. "O governador colocou que estava muito assustado com o que já tinha visto e não conseguia enxergar condições de resolver isso apenas com os recursos do governo. Nós apresentamos como alternativa as Parcerias Público-Privadas (PPPs)", lembra o presidente do CRCRS, Antônio Palácios.
Passados nove meses, a situação se agravou - ou foi deflagrada -, o Executivo gaúcho não tem conseguido pagar em dia os servidores e ameaça fechar fundações, sociedades de economia mista e autarquias. Recentemente, um projeto que prevê o aumento do ICMS foi aprovado pela Assembleia Legislativa, acirrando o debate entre os que condenam e os que apoiam a medida. Porém, indica Palácios, "ele tem que esquecer que talvez não seja reeleito - e provavelmente não será - e planejar o futuro". "Ante esse cenário, o contador não pode ficar alheio", defende Palácios. Para o presidente de uma das entidades representativas da classe contábil, os assuntos polêmicos, de alguma forma, impactam na categoria.
JC Contabilidade - Como os contadores representados pelo CRCRS avaliam a situação econômica atual e como veem as soluções que vêm sendo apontadas pelo governo do Estado?
Antônio Palácios - O CRCRS tem uma preocupação, porque nós, profissionais da Contabilidade, somos diretamente afetados pela crise, já que o empresário infelizmente ainda não tem a consciência da verdadeira importância da Contabilidade. Normalmente, quando ele entra numa crise e se encontra em dificuldade financeira, os cortes começam por essa parte. A recessão nos afeta diretamente à medida que a vida das empresas fica mais difícil, e o nosso profissional tem o perfil de ser um batalhador pelos interesses dos seus clientes. Em princípio, o ICMS não afeta em nada o serviço contábil, mas afeta a vida dos clientes para os quais nós prestamos serviços. Nossa preocupação também se dá com a perspectiva de futuro, porque, uma vez que o Estado admite que não consegue, mesmo com o aumento do ICMS, cobrir mais do que um terço do rombo que está previsto para 2016, os empresários começam a se segurar. E a atividade econômica não nos sinaliza com melhora.
Contabilidade - Tem algum segmento que sofre mais?
Palácios - A auditoria é um ramo da Contabilidade que sofre muitos efeitos da crise. A grande maioria das empresas do nosso Estado não tem auditoria por obrigação. Ele contrata porque acredita ser um diferencial, algo que vai qualificar a gestão, porque vai lhe dar mais segurança, mais respaldo nas ações. Mas, justamente por não ser algo imprescindível para a atividade-fim, é uma coisa que tende a ser cortada.
Contabilidade - Esse aumento de impostos pode levar a um crescimento, também, no número de fraudes?
Palácios - Eu não sei se isso vai ter um efeito. O cara que é fraudador vai fazê-lo com dinheiro ou sem. Isso está na cultura de cada um, na formação ética. A crise não pode ser usada como justificativa para o aumento de fraudes. Porém, evidentemente, tentando construir alguma coisa por esse viés que tu estás colocando, se a auditoria é uma forma de prever fraudes, e eu vou reduzir a auditoria, estou fragilizando minha empresa. Mas com auditoria ou sem, as fraudes acontecem.
Contabilidade - Você acredita que falta planejamento de longo prazo para o Estado?
Palácios - O problema do Rio Grande do Sul é decorrência de muitos governos anteriores. Além disso, todo governador sabe que vai entrar e não vai ser reeleito, por isso o governador se prepara para se sair bem em quatro anos. Alguns ainda fazem uma de bonzinho, como fez o último (Tarso Genro). Criam os aumentos e deixam para o outro pagar. Acredito que este governador está pagando o preço por essa transparência. O planejamento que o governo deve fazer é de longo prazo e projetar o futuro.
Contabilidade - O aumento do ICMS é um caso de mudança para salvar apenas um mandato?
Palácios - Isso é uma coisa errada que fizeram agora. Para conseguir o aumento da alíquota do ICMS, aprovaram por três anos. Assim, em 2019, quando entrar um novo governo, haverá outro problema e será preciso entrar com outro projeto para tentar resolver. Isso gera um desgaste, porque o Rio Grande do Sul não vai resolver seu problema até 2018. São 30, 40 anos de coisas erradas.
Contabilidade - E quanto à possível extinção de fundações para cortar gastos?
Palácios - Já deveria ter acontecido há muito tempo. É só pegar o balanço para ver que, a cada dia que essas fundações abrem as portas, é dinheiro que sai pelo ralo. Elas desenvolvem atividades que poderiam perfeitamente ser realizadas pela atividade privada.
Contabilidade - O benefício fiscal também é um ponto polêmico, pois, muitas vezes, o governo dá mais do que recebe após a instalação das empresas. Qual sua opinião sobre a extinção de alguns desses benefícios?
Palácios - Isso é profundamente lamentável, porque é essencial usá-lo para atrair investimentos que façam a economia crescer. Porém, infelizmente, neste momento, o Estado não tem mais condição de conceder esses benefícios. Isso é um custo que a iniciativa privada vai pagar injustamente e, consequentemente, a sociedade como um todo.
Contabilidade - Vocês chegaram a ter um espaço para sugerir soluções?
Palácios - Na primeira quinzena de janeiro, tivemos uma reunião com o governador José Ivo Sartori. Ele colocou que estava muito assustado com o que já tinha visto e não estava conseguindo enxergar condições de resolver isso apenas com os recursos do governo. Nós apresentamos para o governador como alternativa as Parcerias Público-Privadas (PPPs). Ele gostou da ideia e construiu, inclusive, uma comissão junto à Secretaria de Planejamento para organizar e fazer alguns projetos. Mas, politicamente, é difícil implantar isso, porque a esquerda vê a PPP como privatização, quando na verdade não é isso. A PPP é um negócio isolado, como se fosse um consórcio, no qual se divide responsabilidade.
Contabilidade - E que conselho o CRCRS daria hoje ao governador?
Palácios - Entendemos que o governador Sartori deve continuar o que está fazendo, por mais que isso custe um desgaste político.