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Transporte

- Publicada em 25 de Setembro de 2015 às 19:15

Crise econômica mascara falta de caminhoneiros

Ofício que, tradicionalmente, era repassado de pai para filho, hoje convive com baixa oferta de mão de obra; redução do volume de carga, devido à depressão econômica, suaviza o problema

Ofício que, tradicionalmente, era repassado de pai para filho, hoje convive com baixa oferta de mão de obra; redução do volume de carga, devido à depressão econômica, suaviza o problema


JOÃO MATTOS/JC
"É uma cilada, Bino!" A icônica frase da série televisiva "Carga Pesada" pode resumir o que muitas pessoas pensam hoje da profissão de caminhoneiro. Um ofício que, tradicionalmente, era repassado de pai para filho, hoje vê a oferta de mão de obra escassear. O reflexo no setor de logística somente não é maior, porque a crise econômica diminuiu o fluxo de mercadorias e, por consequência, também o de caminhões.
"É uma cilada, Bino!" A icônica frase da série televisiva "Carga Pesada" pode resumir o que muitas pessoas pensam hoje da profissão de caminhoneiro. Um ofício que, tradicionalmente, era repassado de pai para filho, hoje vê a oferta de mão de obra escassear. O reflexo no setor de logística somente não é maior, porque a crise econômica diminuiu o fluxo de mercadorias e, por consequência, também o de caminhões.
Conforme a NTC&Logística, que representa as empresas do transporte de cargas, no ano passado, o déficit de motoristas em relação à frota das companhias era de 12,1%, o que significava uma carência de cerca de 106 mil profissionais. Atualmente, porém, o diretor técnico da instituição, Neuto Gonçalves dos Reis, informa que, com o retrocesso da economia, muitos caminhões encontram-se parados, o que disfarça o problema. "Temos 160 mil veículos parados nas empresas de transportes (sem contar os autônomos), de uma frota total de cerca de 1,2 milhão de caminhões, porque não tem carga", lamenta. Devido a esse problema maior, a falta de motoristas tornou-se uma dificuldade menor, segundo Reis.
Entretanto, o dirigente adianta que, quando a economia voltar aos eixos e retomar o crescimento, a ausência de profissionais será mais sentida. O diretor da NTC&Logística aponta várias causas para a diminuição do número de motoristas. A principal delas é que os caminhoneiros não querem mais que seus filhos sigam o mesmo destino. Reis admite que se trata de uma profissão sacrificada, que obriga a pessoa a ficar longe da família, sofrendo riscos de acidentes e assaltos.
Outro ponto que contribuiu para a disparidade entre o número de caminhoneiros e veículos, conforme Reis, foi que entre 2012 e 2013, aproveitando financiamentos com juros baixos do Bndes, de até 2,5%, houve uma grande quantidade de compras de caminhões.
No mercado gaúcho, o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística no Estado do Rio Grande do Sul (Setcergs), Afrânio Kieling, afirma que a entidade identifica, desde 2012, a falta de caminhoneiros. O sindicato, inclusive, promoveu algumas ações para apoiar a profissionalização na área. "A exemplo do que a Mercúrio (transportadora incorporada pelo grupo TNT) fez no passado, dando oportunidades a quem dirigia um caminhão menor ir progredindo até chegar a um veículo maior", detalha.
O Setcergs buscou parcerias com entidades como o Serviço Social do Transporte e o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Sest/Senat) para tentar formar essa mão de obra. "Realmente, estamos sentindo essa carência, embora, neste momento, como a economia está desaquecida, não seja algo tão percebido", observa o presidente da entidade.
Para Kieling, com a popularização da tecnologia e comodidades da vida moderna, como a televisão e a internet, aquele quadro do filho assumindo a função do pai caminhoneiro ficou mais raro. A maioria dos jovens hoje busca as opções ofertadas nas cidades. No entanto, o dirigente ressalta que, como todas as profissões, a atividade tem o lado positivo e negativo. Como benefícios, o presidente do Setcergs cita a independência e o fato de passar o dia dirigindo.
Kieling salienta que os caminhões modernos têm muita tecnologia embarcada, o que facilita a condução do veículo. Contudo, acrescenta que isso obriga os profissionais a serem melhor preparados para manusear equipamentos de rastreamento, telemetria e demais aplicativos. Outra ferramenta tecnológica que está contribuindo para o setor e sendo utilizada para treinar novos profissionais são os simuladores.

Treinamento intensifica qualificação dos motoristas e melhora desempenho

Se por um lado falta caminhoneiros no mercado, por outro essa mão de obra tem hoje uma necessidade de qualificação maior do que no passado. O coordenador de Desenvolvimento Profissional do Sest/Senat da unidade de Florianópolis, Marcos Antônio Ávila, defende que houve uma evolução enorme na qualidade dos motoristas profissionais desde a década de 1980. O dirigente lembra que naquela época só havia capacitação para transporte de produtos perigosos e eventualmente alguma empresa fazia alguma outra capacitação específica.
Ávila elenca como um avanço importante a resolução 168, de 2004, na qual o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) estabeleceu normas e procedimentos para a formação de condutores. Além disso, o coordenador de Desenvolvimento Profissional salienta que atualmente há uma tecnologia embarcada cada vez maior nos caminhões. Porém, Ávila sustenta que é preciso ter alguns cuidados com a categoria. "Tem que se quebrar esse paradigma que motorista de ônibus ou de caminhão pode dormir em qualquer lugar", defende. O dirigente ressalta que é preciso criar uma infraestrutura adequada para esses profissionais pernoitarem durante as suas viagens.
Uma das opções ofertadas pelo Sest/Senat para qualificar os motoristas é o curso Transportador Autônomo de Carga (TAC), feito a distância e gratuitamente, que é exigido para obter o Registro Nacional do Transportador Rodoviário de Carga (Rntrc). O TAC tem quatro módulos: Conhecimento Básico do Setor, Legislação Específica, Procedimentos Operacionais e Qualidade na Prestação de Serviços, todos voltados para o transporte de carga.
A administração do curso é feita pela plataforma virtual e o aluno conta com suporte pedagógico e técnico. O curso a distância apresenta inúmeras vantagens como flexibilidade de estudo, materiais didáticos interativos e desenvolvimento de habilidades importantes ao mercado de trabalho como: fluência digital, gerenciamento do tempo, educação continuada, organização, autonomia, dentre outras. Além do TAC, o Sest/Senat possui outros cursos como gestão do tempo, noções de meio ambiente, DST/AIDS Da prevenção ao tratamento, Logística: Gestão de Estoques e Armazenamento e Logística: Custos e Nível de Serviço.

Profissionais do setor veem oportunidadede boa remuneração

Ocupação dispensa o cumprimento de horários fixos, destaca Lara

Ocupação dispensa o cumprimento de horários fixos, destaca Lara


FREDY VIEIRA/JC
Apesar de incômodos, como os longos dias fora de casa e a insegurança nas estradas, a dispensa de um diploma é apontada como uma das vantagens da carreira de motorista. Victor Hugo Faccin Lara, com 27 anos e há seis levando a vida como caminhoneiro, é um dos que indicam a profissão como uma alternativa que permite uma boa remuneração, sem a necessidade de uma maior escolaridade.
Os salários variam muito, mas, em média, para dirigir caminhões de maior porte e que fazem longas distâncias, os números vão de R$ 3 mil a R$ 4 mil. Lara é uma prova da questão da hereditariedade no setor. "O pai sempre foi caminhoneiro, o meu irmão é, até a mãe é caminhoneira lá em casa; o pai viaja, ela viaja também, então a profissão chama", conforma-se.
O profissional trabalha para uma agropecuária e, segundo ele, existem prós e contras de ser empregado e não autônomo. Lara comenta que há uma liberdade maior ao ser dono de um caminhão, porém os contratos estão sendo muito explorados. Já o funcionário que está em folha tem um rendimento garantido no final do mês.
Entre os pontos que lhe agradam dentro da sua ocupação, Lara cita o fato de não precisar cumprir horários fixos. Como negativo, o motorista reclama que, quando ocorre um acidente ou problemas no trânsito, a culpa sempre recai sobre os ombros do caminhoneiro. Outros reveses são a limitação de lugares para tomar banho e descansar e as esperas de várias horas ou até mesmo dias que acontecem, por exemplo, em frente a portos.
Marlon Rigon, de 24 anos, é profissional desde os 21 e também é descendente de caminhoneiro. Ele recorda que o pai não chegava a dizer para evitar a profissão, no entanto, não apoiava a decisão do filho. "Mas fui insistindo, tirei a carteira cedo e acabei largando o estudo e indo viajar", complementa. Para Rigon, os salários pagos em relação ao grau de escolaridade exigido é um dos atrativos da área. Como contraponto, ele ressalta que, devido à falta de um horário determinado de trabalho, a agenda social e compromissos são prejudicados. O caminhoneiro reclama ainda do estresse no trânsito. "Tem motorista aí que é só portador de carteira, porque motorista não é", enfatiza.
Já Alessandro Rodrigues dos Santos, com 24 anos, tirou a sua habilitação há cerca de um ano e está começando na profissão. Se Rigon e Lara tinham, nos seus genes, a lida no caminhão, o pai de Santos trabalha na lavoura e a mãe é dona de casa. Sobre as motivações que o levaram a fazer a sua escolha, ele revela que estão o seu prazer em dirigir e de ficar mais tempo sozinho.
O caminhoneiro comenta que os seus pais advertiam sobre a opção que tomaria: "não é bom, tu vais ver", diziam. Porém, Santos está satisfeito até agora. "Eu vim para conhecer, mas estou gostando, para mim está bom, era o que esperava", sentencia.

Infraestrutura dificulta paradas para descanso

De acordo com Pierotto, não existem acomodações adequadas nas estradas

De acordo com Pierotto, não existem acomodações adequadas nas estradas


MARCELO G. RIBEIRO/JC
Apesar da implementação da Lei dos Caminhoneiros (Lei nº 12.619/12), que estipulou regras para a jornada de trabalho da categoria, ainda há obstáculos que precisam ser superados para que, na prática, a determinação seja mais eficaz. O consultor e ex-presidente do Setcergs João Pierotto frisa que não há uma infraestrutura adequada para que os benefícios da norma sejam melhor aproveitados.
"A lei foi jogada no colo das transportadoras e dos autônomos, mas não foi dito onde os caminhões irão parar", critica. Segundo o consultor, sobram apenas postos de combustíveis na beira da estrada, que, muitas vezes, cobram pelo estacionamento. Pierotto é alguém que conhece a fundo a profissão de caminhoneiro, tendo atuado dentro e fora da boleia. Aos 18 anos de idade, comprou uma Kombi e foi trabalhar com vendas e distribuição. Aos 21 anos, adquiriu um caminhão FNM 1954, em seguida trocado por um mais novo, iniciando assim a carreira de caminhoneiro. Foi também gerente de frota de uma transportadora e executivo de empresas nacionais especializadas no transporte de produtos perigosos (cargas líquidas a granel).
Pierotto também confirma a atual falta de oferta de profissionais qualificados no mercado. Outra característica que diminui o número de mão de obra no segmento, destaca o consultor, é que poucas mulheres demonstram interesse pela área. Para o presidente da Federação dos Caminhoneiros Autônomos dos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina (Fecam), André Luis Costa, perdeu-se o romantismo de sair para a estrada e viajar tranquilamente.
Uma das preocupações do dirigente é quanto à substituição da presença física do policial nas rodovias pela tecnologia (câmeras e outros dispositivos). O integrante da Fecam considera essa tendência como um retrocesso na fiscalização.
Quanto às comparações entre autônomos e os motoristas empregados pelas companhias transportadoras, Costa diz que não nota maiores diferenças entre as qualificações dos dois tipos de profissionais. O dirigente comenta que, em ambas as categorias, há pessoas aptas a lidar com cargas perigosas, como combustíveis e inflamáveis, assim como com artigos em geral, de baixo valor agregado. Entretanto, o presidente da Fecam argumenta que uma distinção que pode ser feita é que o autônomo está conduzindo o seu próprio patrimônio.