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Recuperação Judicial

- Publicada em 28 de Setembro de 2015 às 14:22

Afogados em dívidas, empresários buscam salvação


FREEIMAGES.COM/DIVULGAÇÃO/JC
Quem já se aventurou em um jogo de xadrez sabe o que é ver o cerco se fechar. A cada jogada, peças são posicionadas com o nítido objetivo de inviabilizar ao outro uma saída. É assim que ocorre o primeiro xeque da partida, permitindo, ainda, alguma alternativa para evitar o temido xeque-mate, que decreta a derrota.
Quem já se aventurou em um jogo de xadrez sabe o que é ver o cerco se fechar. A cada jogada, peças são posicionadas com o nítido objetivo de inviabilizar ao outro uma saída. É assim que ocorre o primeiro xeque da partida, permitindo, ainda, alguma alternativa para evitar o temido xeque-mate, que decreta a derrota.
Para muitas empresas, enfrentar um processo de recuperação judicial é como estar em um tabuleiro de xadrez, lutando pela sobrevivência e pela vitória. A saída frente ao xeque do inimigo, que pode ser um revés na condição econômica do País ou efeito de erros internos, é apelar para a reorganização da estrutura empresarial, contando com o apoio da Justiça e dos credores para recuperar a saúde financeira e voltar a crescer.
Instituída há 10 anos no País, a Lei nº 11.101/2005 substituiu a Lei nº 7.661 (Lei de Falências), que estava em vigor desde 1945, possibilitando às empresas que enfrentam dificuldade uma alternativa ao encerramento das atividades. A perspectiva de estruturar um plano de recuperação, com ajuste das dívidas junto aos credores e projeção de crescimento para sustentar as obrigações firmadas, é vista por especialistas na área como um grande avanço.
Um avanço que ganhou ainda mais expressividade no atual contexto econômico, que tem acirrado as dificuldades das empresas brasileiras. Segundo levantamento feito pelo Instituto Nacional de Recuperação Empresarial (Inre), somente no primeiro semestre deste ano, foram 420 pedidos, em todo o País, contra 305 registrados no mesmo período do ano passado, uma alta de quase 40%. O crescimento é mais expressivo na quantidade de falências decretadas, com alta de 52% no primeiro semestre deste ano frente a igual período de 2014. Foram 309 casos nos primeiros seis meses de 2015 (no mesmo período do ano passado, haviam sido 202).
Em uma década, cerca de 7 mil empresas já pediram recuperação judicial no Brasil. Porém, apesar da grande procura, a perspectiva é a de que o número de empresas recuperadas ainda seja baixo. Um número que não é consenso é o de que apenas 1% das recuperandas consegue, de fato, se reerguer. Esse percentual é, no entanto, bastante contestado por uma razão simples: os processos se arrastam por longos anos, o que exige que a avaliação sobre o número de recuperações concretizadas seja feito considerando um prazo maior.
Segundo o desembargador e presidente do Instituto Nacional de Recuperação Empresarial (Inre), Carlos Henrique Abrão, o prazo do ingresso do pedido a conclusão do plano de recuperação varia de sete a 10 anos. "Portanto, precisamos esperar pelo menos um ano e meio para ter alguma noção sobre esse percentual", aponta. "A maioria dos ingressos de pedidos começaram em 2006, então só vamos ter essa escala de sucesso e insucesso em maio de 2021."
Mas mesmo sem um número preciso, ninguém refuta que a quantidade de empresas recuperadas é baixo. Isso porque muitas companhias chegam ao xeque praticamente sem recursos para vencer a partida ao final. Ou seja, enfrentam o processo já sem chance de se posicionar no mercado de forma a gerar resultados suficientes para cumprir com o acordo firmado no plano.
O sócio-fundador da MR&Z - Martins, Rillo e Zago Advogados Associados, de Porto Alegre, Roberto Martins destaca que há um comportamento padrão e compreensível na lógica do empresário: ele tenta de todas as maneiras solucionar os problemas que enfrenta até não ter outra alternativa senão a recuperação judicial. E aí está o grande problema, enquanto nutre expectativas de que irá contornar os desafios, o empreendedor esgota recursos que poderiam sustentar o crescimento durante a execução do plano. E sem isso, não tem ferramenta que consiga evitar o xeque-mate.

Medida nem sempre se constitui na melhor opção

O aumento de casos de organizações que buscam saída da crise por meio de recuperação judicial já é sentido pelos escritórios que atuam com o tema, como a Corporate Consulting, especializada no assunto. De acordo com o presidente da companhia, Luiz Alberto de Paiva, há uma procura crescente, mas, muitas vezes, de forma equivocada. "As empresas têm pedido recuperação judicial de uma maneira desesperadora. Não tenho visto muito planejamento", aponta. "O que tem acontecido é pedidos tentando atenuar a falência da empresa", acrescenta.
Essa sensação de que a tentativa principal é postergar o encerramento das atividades é compartilhada pelo advogado Roberto Martins, da MR&Z - Martins, Rillo e Zago Advogados Associados, que indica como uma falha comum a procura tardia por ajuda. "Normalmente, a empresa procura a recuperação em um momento muito tardio", comenta, explicando que é comum que os empresários nutram inúmeras expectativas de resolução dos problemas, o que leva ao prolongamento da situação até um nível em que é difícil manter as operações durante a execução do plano de recuperação. "Esse é um dos principais problemas que, lá no frente, levam ao insucesso."
Segundo Paiva, o aumento expressivo de taxas e a redução da disponibilidade de linhas de crédito, somadas à crise econômica, fazem com que as empresas tenham que reduzir suas atividades e custos. "Com isso, os empresários se desesperam e pedem recuperação judicial, mas muitas dessas empresas não precisariam pedir recuperação judicial", sustenta.
Ao buscar na recuperação um escudo, muitas organizações acabam limitando ainda mais a saída da crise. Um dos primeiros efeitos que podem fragilizar ainda mais as organizações que enfrentam dificuldades é ter o acesso ao crédito restringido, explica Gabriele Chimelo, coordenadora da área de recuperação judicial da Scalzilli Advogados e vice-presidente da comissão de falências da OAB-RS. "O mercado financeiro se fecha: o crédito se restringe, e os fornecedores fecham as portas", alerta Gabriele sobre os efeitos imediatos após o ingresso do pedido. "Por isso, sempre fazemos um diagnóstico minucioso da situação da empresa para avaliar a viabilidade."

Deságio e alongamento de dívidas no horizonte

Se a recuperação judicial for bem conduzida, gera condições efetivas para salvar a empresa. Antes disso, é importante analisar a situação, ponderando outras alternativas e também qual é o fôlego da companhia para gerar resultado e fazer frente à crise. O advogado Roberto Martins, da MR&Z - Martins, Rillo e Zago Advogados Associados, explica que o efeito imediato é o de 180 dias de suspensão de execuções. "Isso permite reverter um quadro grande de efetivações."
O segundo ponto, elenca, é que, nas recuperações judiciais bem-realizadas, é possível alongar os passivos até acima de 15 anos, além de assegurar a redução de taxas de juros e volumes adequados de deságio. "Temos trabalhado com deságio de até 50%, alongamento de cinco anos com três anos de carência e juros em torno de até 1% ao mês."
O MR&Z ingressa na Justiça com um processo por semana, em média, sobre o tema, mas, neste segundo semestre, a procura tem sido maior, chegando a até três processos. "Recebemos consultas diárias sobre recuperação judicial, o que não acontecia no ano passado", cita. O contexto macroeconômico é o principal componente por trás do crescimento da procura. "Setores como o de plásticos e metalomecânico têm sofrido muito", acrescenta, ao estimar uma alta significativa de recuperações em 2015. Para aqueles que conseguirem passar pelos planos com sucesso, ele projeta oportunidades futuras. "Quem se mantiver no mercado nos próximos dois anos talvez consiga navegar de outra maneira. Haverá grandes mudanças no mercado, com a saída de muitas empresas."
Uma das principais características da lei é o deságio, que funciona como uma "solidariedade" do credor por um bem maior, que é a manutenção das operações da empresa, evitando, assim, a falência. Esse é um ponto que tem encontrado cada vez mais resistência, sobretudo entre os bancos, explica Gabriele Chimelo, coordenadora da área de recuperação judicial da Scalzilli Advogados, escritório que obteve para um cliente a conquista de deságio de 70%.
Os valores, no entanto, variam muito conforme a situação. "Houve uma certa banalização do processo de recuperação. Já tivemos, em Porto Alegre, deságio de 90%", aponta, ponderando que, embora pareça muito bom para a empresa recuperanda, o ideal é chegar a um nível justo de dívida. O resultado é que essa banalização foi tornando cada vez mais duras as negociações.

O tamanho do caixa é o novo limite

Gabriele destaca a necessidade de considerar a realidade de cada cliente

Gabriele destaca a necessidade de considerar a realidade de cada cliente


BANCO DE IMAGENS DA SCALZILLI/FMV ADVOGADOS/DIVULGAÇÃO/JC
Desde que se formou em Direito, Gabriele Chimelo, da Scalzilli Advogados, atua com recuperação judicial. Os 10 anos de experiência, complementados com especializações adicionais na área de Contabilidade e Direito Empresarial, mostraram a ela que não existe receita pronta. "Cada empresa é um universo único, que não irá se replicar", afirma. É partindo desse pressuposto que a especialista coordena os processos na Scalzilli, sempre considerando o perfil de cada cliente, com base em diagnósticos feitos pela equipe.
No entanto, há um fato que vale para todos que enfrentam o processo: a realidade passa a ser ditada pelo fluxo de caixa gerado. Uma prática adotada pelo escritório é montar um conselho de gestão de crise nas empresas, no qual são repassadas as informações estratégicas. "Nesse conselho, sempre pedimos para que a empresa faça um caixa, pensando, especialmente, nos compromissos assumidos no plano de recuperação judicial", explica.
O conselho de gestão de crise concentra profissionais de áreas estratégicas, como financeira, contabilidade e recursos humano. No início do processo, as reuniões são frequentes e, depois de aprovado o plano de recuperação judicial, passam a ser mensais. O objetivo, explica a coordenadora da Scalzilli, é acompanhar o cumprimento do plano para salvar a organização. "Se a empresa não fizer um caixa ou uma poupança e esquecer que está em recuperação judicial, continuará se endividando", adverte. "É preciso fazer cortes e formar uma poupança para pagar os credores. Se a carência para começar a pagar o passivo é de três anos, por exemplo, esse período deve ser para fazer reservas."
Em outras palavras, o caixa começa a mandar na empresa. "É preciso ajustar a provisão de dinheiro, que é o que determinará se é momento de demitir ou admitir", especifica. O lado bom é que, seguindo esses passos e reunindo condições de manutenção no mercado, a superação é quase certa.
Para ela, o trabalho conjunto que tem o conselho de crise como central é fundamental para sustentar o crescimento durante o processo. Gabriele cita como exemplo o caso de sucesso de um de seus clientes, uma empresa que atuava exclusivamente com licitação pública e estava em recuperação judicial. "Conseguimos o primeiro precedente, que possibilitou que uma empresa pudesse manter licitação no decorrer da execução do plano, e ela continuou operando." Hoje, o processo é referência para outras empresas, graças à jurisprudência garantida.