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Tecnologia

- Publicada em 21 de Setembro de 2015 às 18:04

Serviços digitais desafiam a velha ordem global


ARTE/JC
O Uber não é dono de táxis e o Airbnb não é proprietário de quartos de hotéis, mas pessoas do mundo todo estão usando carros e se hospedando em casas e hotéis intermediados por essas plataformas. São empresas novas, criadas na esteira da sharing economy, a economia do compartilhamento, e que apostam em um modelo de negócios baseado no uso, e não na posse de determinado serviço.
O Uber não é dono de táxis e o Airbnb não é proprietário de quartos de hotéis, mas pessoas do mundo todo estão usando carros e se hospedando em casas e hotéis intermediados por essas plataformas. São empresas novas, criadas na esteira da sharing economy, a economia do compartilhamento, e que apostam em um modelo de negócios baseado no uso, e não na posse de determinado serviço.
Com alto potencial de crescimento e cada vez mais acessadas pelos consumidores, as startups que atuam sob a égide da colaboração e do mundo digital modificaram a forma de as pessoas utilizarem serviços. Há mais de uma década, o tsunami causado pela música digital na indústria fonográfica - que ainda luta para se reerguer e se reinventar - já era um prenúncio do que ainda viria. Agora, nomes como Uber - serviço de transporte urbano -, Airbnb - locação de estadias alternativas -, Netflix - assinatura de filmes pela internet - e WhatsApp - ligações e sms gratuitos -, entre outros representantes desse novo mundo, estão estremecendo as estruturas de setores que atuam nas áreas de transporte, hotelaria, telefonia e TV por assinatura.
Primeiro, porque conquistam parte cada vez mais significativa dos clientes. Segundo, por serem plataformas tecnológicas que fazem a intermediação entre pessoas físicas que desejam utilizar determinado serviço e, dessa forma, não estão sujeitas às mesmas regras que precisam ser seguidas pelos negócios tradicionais. No afã de proteger seus mercados, alguns desses segmentos partem para a ofensiva e defendem, inclusive, o banimento dos chamados negócios disruptivos - produtos ou serviços que introduzem uma inovação tecnológica que rompe com a estrutura vigente.
Há algumas semanas, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou o projeto de lei que impede a Uber de operar na cidade - falta apenas a assinatura do prefeito. A decisão provocou polêmica. "Proibir é um dos maiores contrassensos que pode existir no mundo da tecnologia", critica o presidente do Instituto Brasileiro de Direito Digital (Ibddig), Frederico Meinberg Ceroy.
A principal alegação de quem quer tirar do ar esses serviços, prestados a partir de plataformas tecnológicas, é a de que eles praticam concorrência desleal. O economista-chefe do Departamento de Estudos Econômicos (DEE) do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Luiz Esteves, tem uma opinião diferente: "Se é desleal, há mecanismos para torná-lo leal sem ser a proibição. Reduz-se as assimetrias, cobra-se taxas, regula-se, mas não se proíbe, pois isso não faz sentido econômico e ainda prejudicará o consumidor", defende.
A polêmica ilustra bem a dificuldade de fazer com que a legislação atual responda por serviços típicos de uma nova realidade baseada na inovação. A Uber, por exemplo, não se considera uma empresa de transporte, nem um aplicativo de táxi ou de carona e, sim, um player de tecnologia. A gerente de comunicação da startup no Brasil, Leticia Mazon, admite que, por ser uma plataforma inovadora, não há leis que regulam as suas atividades, mas faz uma ressalva. "Falta de regulação não significa ilegalidade. As redes sociais, por exemplo, existem há muito tempo e só foram reguladas com o Marco Civil da Internet", destaca.
A investigadora residente da Information Society Project, na Yale Law School (EUA) com pesquisas na área de políticas de regulação de sharing economy, Sofia Ranchordás, observa que as plataformas sociais têm abalado as estruturas jurídicas existentes. "Quando isso acontece, a tendência do Direito é de coibir para repor o status quo ou impor as mesmas regras", relata. Ela, que também é professora-assistente de Direito Constitucional e Administrativo na Universidade de Tilburg, na Holanda, se opõe a esse tipo de posição. "Sou contra a proibição - que tem acontecido em vários países europeus com a Uber, por exemplo." Ceroy sugere a criação de um estatuto federal para a economia compartilhada, com diretrizes a serem seguidas por todas as corporações que fazem parte desse novo mundo. "Se não fizermos isso, estaremos apenas transferindo o monopólio dos táxis e das operadoras de telefonia tradicional para a Uber e provedores como Google ou Facebook", exemplifica. "É preciso criar uma regulamentação nova e leve, que não coloque empecilhos do mundo off-line no on-line", defende.

Uber ilustra rompimento de modelos de transporte

Criada em 2010, na cidade de São Francisco (EUA), para conectar motoristas parceiros e usuários, a Uber já chegou a 58 países. É um case mundial e que ilustra bem o sucesso dos aplicativos baseados no conceito da economia compartilhada. É também o que, nesse momento, está no centro das maiores polêmicas envolvendo o modelo disruptivo de negócios.
No serviço criado pela empresa norte-americana, o usuário solicita o carro pelo aplicativo, coloca o destino e, assim que o motorista particular aceitar, é informado sobre o tempo estimado para o trajeto e o valor aproximado da corrida. No Brasil, a empresa oferece aos usuários duas opções: o UberBlack - carros do tipo sedan com bancos de couro e ar-condicionado ligado - e o UberX, com modelos mais simples.
Os serviços, que estão disponíveis em São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, têm conquistado clientes e despertado desafetos entre aqueles que, até então, dominavam a atividade. "A Uber é uma afronta ao mercado e à sociedade, na medida em que vincula passageiros a um serviço clandestino, em veículos particulares sem licença, desrespeitando a legislação brasileira", critica o presidente da Associação Brasileira das Associações e Cooperativas de Motoristas de Táxi (Abracomtaxi), Edmilson Americano.
Segundo ele, os motoristas do aplicativo não se enquadram na Lei Federal nº 12.468, que regulamenta todos os serviços de táxi no Brasil, e na Lei nº 12.587, que trata da mobilidade urbana. "Eles descumprem também o Código de Trânsito Brasileiro, que veda o transporte de passageiros sem licença para tal", diz.
Já a Uber alega que oferece um serviço completamente legal no Brasil. A gerente de comunicação da companhia no País, Letícia Mazon, diz que a Política Nacional de Mobilidade Urbana prevê a modalidade de serviços de transporte individual privado, e é nessa categoria que a Uber se enquadra. Além disso, a executiva argumenta que essa modalidade de transporte é diferente do modelo individual público, que é atividade privativa dos táxis.
"Somos uma empresa legalmente constituída no Brasil e pagamos impostos. Não somos uma concorrência desleal. O nosso motorista parceiro paga IPVA anualmente e o IPI na hora da compra, diferentemente dos taxistas, que têm isenção em impostos na compra do carro, no IPVA anual e cujos alvarás são sorteados gratuitamente pelas prefeituras", contrapõe.
Os gestores da startup estão em contato com os poderes Executivo e Legislativo nas cidades em que a Uber atua para buscar uma regulamentação que fomente a inovação e seja mais adequada à realidade brasileira. A Cidade do México, por exemplo, foi a primeira da América Latina a normatizar serviços como o da Uber. Lá, criou-se um fundo municipal para financiar formas de transporte público no município e para o qual uma porcentagem do valor de cada viagem realizada é remetida. Nos Estados Unidos, há mais de 51 jurisdições com leis próprias. "No caso de Nova Iorque e São Francisco, a legislação é bem específica, mas ambas favoráveis à inovação e à mobilidade urbana compartilhada", exemplifica Letícia.
O tema é árido. Em um estudo recente, o Cade analisou o mercado de transporte individual de passageiros e entendeu que os serviços prestados pelos aplicativos como a Uber fornecem um mecanismo de autorregulação satisfatório e atendem um mercado até então não alcançado - ou atendido de forma insatisfatória - pelos táxis.
O levantamento considerou, inclusive, a desregulamentação. "As novas tecnologias conseguem endereçar problemas que, antes, justificavam a regulação, mas que, agora, estão deixando de existir", diz o economista-chefe do Cade, Luiz Esteves. Como? Antes de o serviço ser regulamentado, o passageiro não sabia onde encontrar um carro e nem mesmo se a corrida seria aceita ou o valor. Por isso, foram criadas as regras. "Com os apps, a pessoa pode escolher antecipadamente o veículo, o motorista e a forma de pagamento, ficando mais protegida de que receberá esse serviço", afirma.

O Airbnb não é inimigo dos hotéis, diz gestor

Uma plataforma complementar e não adversária dos serviços tradicionais de hotelaria. É dessa forma que o gerente de Marketing do Airbnb, Samuel Soares, diz que a startup está posicionada no mercado. "O Airbnb não é inimigo dos hotéis. O público e a proposta são diferentes dos modelos tradicionais. Estamos comprometidos a trabalhar com os principais líderes do mercado para encontrar soluções condizentes, mostrando que a plataforma é complementar", relata.
Ele admite, porém, que é natural que, em um primeiro momento, os novos modelos de negócios causem estranhamento. Quando iniciou suas operações no País, em 2012, a grande questão era se o brasileiro iria abrir a porta da sua casa para receber estranhos. A reposta: hoje, já são mais de 49 mil anúncios em mais de 670 cidades. "O Brasil é reconhecido entre a comunidade mundial do Airbnb como um dos mais hospitaleiros do mundo", comemora Soares.
Em março deste ano, a startup norte-americana fechou parceria oficial com o Comitê Olímpico Rio 2016 para ser o fornecedor oficial de hospedagem alternativa durante os jogos, com intuito de suprir a demanda de turistas e aumentar a capacidade de estadias no Rio de Janeiro.
Dentro do modelo de negócios da empresa, o anfitrião que decide abrir a sua casa no Airbnb, além de viver uma experiência de troca cultural, tem na plataforma uma maneira de gerar renda extra. Já quem se hospeda também experencia essa troca cultural, pois tem a oportunidade de viver como um local.
Estudos do Airbnb indicam que as pessoas que se hospedam pela plataforma tendem a ficar mais tempo na cidade, e muitas vezes longe dos centros comerciais, onde normalmente se encontram os hotéis da cidade. "Esse movimento fortalece os comércios locais, como padarias, mercados e salões de beleza; isso significa maior renda não só para o anfitrião, mas para as aqueles que moram e trabalham no bairro", observa o executivo.

Atividades tradicionais questionam o sistema de economia colaborativa

Imagine um taxista que já está tentando se adaptar ao mundo digital, ao passar a atender via aplicativo, e, de repente, descobre que os consumidores querem ainda mais? Ou uma grande rede hoteleira que construiu um império global durante décadas e, de repente, vê surgir um concorrente que, em poucos anos, tem um estoque de quartos maior, mas sem ser dono de nenhum, só fazendo intermediação, como é o caso do AirBnb? "Essa ruptura diante de uma ameaça que será inevitável causa desconforto. Muitas empresas tradicionais não veem forças para vencer isso", comenta o diretor de industry solution da IBM Brasil, Mauro D'Angelo. O gestor, aliás, fala com conhecimento de causa, já que atua em uma companhia que, há 103 anos, consegue identificar as tendências de um mercado dinâmico como o de tecnologia e se reinventar. "A tecnologia invadiu todos os segmentos e alguns não estão lidando bem com isso por achar que é ameaça", acrescenta a especialista em Direito Digital e sócia do Assis e Mendes Sociedade de Advogados, Gisele Arantes.
O fato de serem novos modelos de negócios faz com que surjam muitas dúvidas sobre como enquadrar cada um deles. Para o presidente do Instituto Brasileiro de Direito Digital (Ibddig), Frederico Meinberg Ceroy, é precisa analisar caso a caso. "Existem especificidades. Não dá para colocar essa questão como uma simples disputa entre o velho e o novo mundo", defende.
No setor de telefonia, uma das situações que tem incomodado as companhias é a chegada de aplicativos como WhatsApp e Viber, que permitem que as pessoas troquem mensagens e falem usando apenas a internet - quando tiver Wi-Fi, totalmente de graça. Uma das argumentações é a de que estes aplicativos não podem usar o número de telefone concedido pelas operadoras para os usuários fazerem o login nesses serviços. Gisele não concorda. "Não faz o menor sentido, porque o número passa a ser do usuário quando ele adquire o serviço", analisa.
Já Ceroy destaca os investimentos pesados que as operadoras precisam fazer nas suas redes de 3G e 4G, cada vez mais demandadas. "Além do uso destes apps reduzir o consumo dos serviços de voz, o que já fez com que as receitas das operadoras caíssem, ainda exigem mais da receita de dados, o que faz com que elas tenham que investir mais", analisa. Para ele, a saída talvez seja mudar a formatação do setor de telecomunicações brasileiro, focando mais na questão dos dados e, então, ver como taxar os aplicativos.