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Política

- Publicada em 12 de Outubro de 2015 às 22:18

'Conservadores apostam na regulação das moralidades'

Regina Facchini afirma que pressão fez Dilma frustrar compromissos

Regina Facchini afirma que pressão fez Dilma frustrar compromissos


MARCO QUINTANA/JC
Fernanda Nascimento
O bloqueio de bancadas conservadoras no Congresso Nacional a propostas como a inclusão da discussão de gênero e sexualidade nas escolas, a descriminalização do aborto, a despatologização da transexualidade e a regulamentação da prostituição como profissão estão ligadas a uma estratégia de "regulação das moralidades e do cotidiano", aponta a professora da Unicamp (SP) e doutora em Ciências Sociais Regina Facchini.
O bloqueio de bancadas conservadoras no Congresso Nacional a propostas como a inclusão da discussão de gênero e sexualidade nas escolas, a descriminalização do aborto, a despatologização da transexualidade e a regulamentação da prostituição como profissão estão ligadas a uma estratégia de "regulação das moralidades e do cotidiano", aponta a professora da Unicamp (SP) e doutora em Ciências Sociais Regina Facchini.
Regina analisou os desafios para a militância LGBT diante de um cenário de recrudescimento político e convocou o fortalecimento de relações com movimentos religiosos não conservadores, de luta antimanicomial e reforma sanitária. Considerada uma das principais referências nos estudos de gênero e sexualidade do País, a pesquisadora aponta a necessidade de desfazer a falsa oposição de movimentos de direitos sexuais e famílias.
Jornal do Comércio - A senhora afirma que as bancadas conservadoras têm trabalhado na "regulação das moralidades e do cotidiano", como acontece?
Regina Facchini - Entre as leis em discussão no Congresso Nacional estão pautas relacionadas com o cotidiano, a moralidade, o que poderia ser como tido do âmbito privado. Isso tem se tornado usual no Legislativo e tem relação com a mobilização de uma fatia conservadora do eleitorado. O Brasil é um País bastante conservador: é racista e não se reconhece como tal; é formado por pessoas pobres que admiram os ricos; fala mal de si e trata bem estrangeiros. Mexer no campo das moralidades e do privado faz apelo a esse eleitorado, e isso é bastante estratégico no momento em que se quer retirar o PT do poder.
JC - Como isso impacta a vida dos indivíduos e da militância LGBT?
Regina - Para o movimento LGBT, isso é desastroso, porque a questão da sexualidade é íntima e privada e, ao mesmo tempo, se reflete em questões políticas, como o que pode ser considerado família. Neste sentido, temos pautas do Legislativo em favor dos direitos LGBTs que foram paradas e projetos criados para combater possibilidade de direitos tenham sido aventados. O avanço contra as políticas públicas de saúde, de comunicação, de educação - como a retirada do gênero e da sexualidade dos planos de educação e do consequente financiamento público da discussão - são efeitos desta atuação.
JC - Nem todo o eleitorado é conservador, por que a diferença numérica de deputados é tão acentuada entre os representam esta parcela da sociedade e a dos direitos humanos?
Regina - O eleitor conservador acredita que precisa eleger seu representante. Mas, infelizmente, com toda a campanha anticorrupção que foi feita, o eleitor mais jovem não conservador não acredita que votar é importante, associando a política com sujeira e corrupção. Este eleitor acredita que políticos são iguais, e é assim que a bancada conservadora cresce e a bancada dos direitos humanos se reduz.
JC - Como as setoriais LGBTs, especialmente dos partidos de esquerda, têm tensionado os partidos?
Regina - As setoriais têm um papel importante na construção dos programas eleitorais, mas, depois da eleição, outras relações de poder se tornam importantes: aquelas relacionadas com a possibilidade de governar. Quando outras forças entram em atuação, dependendo da intensidade dos setores conservadores, o plano elaborado com a setorial é parcialmente colocado em prática ou totalmente retirado. Isso aconteceu com Dilma (Rousseff, PT), que, no segundo turno, se aliou com movimentos sociais. Isso fez com que ela fosse eleita, mas, quando começou a governar, a pressão conservadora foi tão grande, que a presidente abandonou a pauta que tinha acordado com os militantes. O caso da Dilma é o ponto mais agudo disso, mas, em outros níveis, há esse tipo de tensionamento do voto conservador e dos políticos impedindo a governabilidade através da pressão contra projetos que apoiem os direitos sexuais, não só de LGBT, mas em questões como aborto e pautas feministas.
JC - Como os movimentos se articulam para reagir a estas medidas, como a questão dos planos de educação?
Regina - A legislação, muitas vezes, é específica e, quando se coloca para votação um projeto de lei de interesse de LGBT, dificilmente se consegue mobilizar mulheres e negros. Mas no caso da retirada de gênero dos planos de educação, a partir da atuação capilarizada dos conservadores, houve a mobilização de outros setores. Quando se retira gênero também se mexe com mulheres, juventude, com o movimento de mulheres negras que sofrerá o maior impacto - pois são elas que morrem ao fazer abortos e precisam da educação sexual na escola. Se somam atores. Sem falar no absurdo da distorção denominada "ideologia de gênero", que mobilizou associações profissionais da Psicologia, Ciência Política, Sociologia, Antropologia, que discutiram essa construção. A capilaridade das igrejas é difícil de confrontar e, se escolhem uma pauta, pelo poder e compromisso moral dos fiéis, por mais que os movimentos se unam, será complicado.
JC - Como as formas de militância têm se alterado, especialmente em decorrência da tecnologia?
Regina - Temos ativistas bastante jovens que não viveram a ditadura, a inflação galopante e têm outra leitura de Brasil. Uma pessoa com 18 anos praticamente só lembra dos governos petistas, que tiveram problemas, mas tiveram ampliação de direitos. Essas pessoas tomam este período como eterno e desconsideram o que têm que fazer para que as coisas não retroajam. Ativistas jovens, muitas vezes, não acreditam na política institucional e querem fazer política de ação direta. O mais interessante seria que a crítica da ação direta servisse para melhorar a política institucional. As políticas para LGBTs estão acontecendo menos, estão restritas pela pressão dos conservadores e só se pode reivindicar política pública com identidades e sujeitos coletivos, e não através de uma fragmentação de identidades, que se tornaram individuais.
JC - Essa mobilização acontece para além do meio virtual?
Regina - Muitas vezes, a linguagem do convite para os eventos presenciais não é atrativa para quem milita na internet. Nem sempre o pessoal sai de trás do computador para fazer uma coisa que tem impacto político concreto, mas as pessoas tendem a se mobilizar por outros tipos de pautas que não são muito ligadas aos direitos concretos, à ocupação de espaços em um conselho ou à retirada de gênero do plano de educação.
JC - Neste cenário, quais são as estratégias de articulação para o futuro?
Regina - Temos que nos unir especialmente com movimentos religiosos que não sejam conservadores e com movimentos de luta antimanicomial e reforma sanitária, porque corremos o risco de repatologização da homossexualidade com este avanço do conservadorismo, e temos ainda as pessoas transexuais patologizadas. Precisamos articular várias formas e estratégias de fazer política. Temos que mobilizar atores e desfazer as falsas oposições que foram feitas em torno de "criança, família e vida". É por todas as famílias, família não é unívoca. Crianças também sofrem pelo racismo, pelo sexismo, pela homofobia e transfobia e, para isso, não precisamos dizer que as pessoas são homossexuais, ninguém precisa saber nada de sexualidade para ser maltratado ou chamado de "gayzinho" na escola e sofrer violência por isso. E a vida, todos temos direito à vida. Por que a vida de um é protegida e a do outro sequer é chorada?
JC - Como o movimento das mães pode contribuir?
Regina - No momento em que o conservadorismo coloca como completamente desvalorizado moral e socialmente os movimentos por direitos sexuais, o lugar da mãe de dizer "quando a homofobia e a transfobia estão presentes na sociedade, a minha família é destruída, o meu filho ou filha pode ser morto" é importante, traz empatia e ajuda a desfazer as falsas oposições do movimento LGBT às famílias.
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