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SETOR LEITEIRO

- Publicada em 15 de Novembro de 2015 às 22:09

Fraude no leite se aprimora, mas não inibe ação do MP-RS

Promotores se esforçam para fechar lacuna das 12 operações realizadas

Promotores se esforçam para fechar lacuna das 12 operações realizadas


RICARDO GRECELLÉ/MPRS/DIVULGAÇÃO/JC
"Um crime rentável." É assim que o promotor de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) Mauro Rockenbach define as recorrentes fraudes constatadas na cadeia leiteira do Estado desde maio de 2013. Ele justifica a afirmação fazendo referência à Teoria Econômica do Crime, formulada pelo economista norte-americano Gary Becker, que define que a decisão de incorrer no crime é racional e realizada quando "o retorno da ação supera os custos diretos, psicológicos e da repressão". Essa é a lógica que tem sustentado as adulterações do leite e, mais recentemente, do queijo, como uma prática lucrativa.
"Um crime rentável." É assim que o promotor de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) Mauro Rockenbach define as recorrentes fraudes constatadas na cadeia leiteira do Estado desde maio de 2013. Ele justifica a afirmação fazendo referência à Teoria Econômica do Crime, formulada pelo economista norte-americano Gary Becker, que define que a decisão de incorrer no crime é racional e realizada quando "o retorno da ação supera os custos diretos, psicológicos e da repressão". Essa é a lógica que tem sustentado as adulterações do leite e, mais recentemente, do queijo, como uma prática lucrativa.
A 10ª Operação Leite Compensado e a 2ª Operação Queijo Compensado, realizadas simultaneamente em 21 de outubro, provam que as ações têm cercado, mesmo que em parte, a concretização das adulterações. "Hoje, a fraude diminuiu", sustenta Rockenbach, que atualmente coordena, juntamente com o promotor de Justiça Alcindo Luz Bastos da Silva Filho, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) - Núcleo Segurança Alimentar. "As empresas estão muito mais criteriosas e rigorosas com a recepção das cargas em suas plataformas de recebimento do que estavam antes", continua. Por outro lado, para contornar o controle maior da indústria, os criminosos buscam outras formas de comercializar o leite adulterado ou impróprio para consumo.
"Esse leite ruim, que está sendo rejeitado pela indústria que se preocupa com a qualidade, está migrando para as pequenas indústrias, principalmente as queijarias, por isso já fizemos duas Operações Queijo Compensado", contextualiza Rockenbach. A ação conjunta do dia 21 de outubro retrata a situação referida pelo promotor. Segundo aponta a investigação, a empresa Lactibom aproveitava toda a carga de leite entregue à indústria, mesmo quando a matéria-prima não atendia aos padrões de qualidade exigidos. "A empresa, mesmo envazando leite ruim, ainda tinha um leite pior, que não podia ser levado para a linha de processamento e era remetido para a queijaria, que aceitava", explica.
A queijaria envolvida nessa fase da operação era a Latte Bios, de Lajeado. Rockenbach acrescenta que a mudança no modus operandi da prática criminosa tem visado, sobretudo, estabelecimentos de inspeção municipal. "O fraudador achava que, pelo fato de a fiscalização ser municipal, fugiria da nossa ação." Para o consumidor, um indício de má qualidade do produto é, fatalmente, o preço, orientam.
Cientes de que o trabalho está longe de acabar, os promotores se esforçam para fechar lacunas das operações realizadas até agora. Das 52 prisões decorrentes da ação, há apenas seis réus presos, vinculados às duas últimas operações. Sem a conclusão dos processos, que seguem o trâmite judicial, as prisões não podem ser mantidas indefinidamente, permitindo que os denunciados respondam em liberdade. Até agora, o MP-RS já denunciou 136 pessoas por crimes de adulteração de leite.

Estado precisa evitar prática criminosa com mais fiscalização e leis rigorosas

Os promotores do MP-RS Mauro Rockenbach e Alcindo Luz afirmam que os esforços para retirar da cadeia leiteira os fraudadores esbarra na falta de instrumentos legais capazes de inibir a prática criminosa e nas lacunas de fiscalização. "Só a repressão não tem o condão de acabar com a cultura criminosa", declara Rockenbach. "Ao lado da repressão, vem a necessidade de uma fiscalização mais atuante e rigorosa. O que nós estamos observando é o movimento contrário: o Estado está cada vez com maior dificuldade financeira, reduzindo seus quadros."
A crítica dos promotores é feita justamente no momento em que o atual modelo de inspeção e fiscalização é questionado no Estado. A perspectiva de adoção de um sistema semelhante ao que foi implantado em Santa Catarina, que permitiu a inspeção privada, realizada por empresas habilitadas para a função e fiscalizada pelo poder público, vem sendo discutida pelos Poderes Legislativo e Executivo do Rio Grande do Sul. Para Rockenback e Alcindo Luz, a mudança seria um retrocesso. "É evidente que quem está pagando por esse serviço não vai receber um laudo contrário aos seus interesses", incita Alcindo Luz. "Nossa posição particular é contrária, porque o Estado não pode delegar uma atividade oficial de inspecionar para terceiros, porque isso permite a negociação jurídica entre particulares", acrescenta Rockenbach.
Desde o início das operações de combate à fraude no leite, os promotores fazem questão de frisar o auxílio recebido dos fiscais agropecuários federais e estaduais, mas reclamam da deficiência de pessoal e da ineficiência das leis. "Agora é que nós estamos com um projeto de lei que foi encaminhado para Assembleia", fala Rockenbach sobre oprojeto de regulamentação do setor leiteiro gaúcho encaminhado pelo governo do Estado para o Legislativo na última semana. Os promotores do MP-RS colaboraram com essa iniciativa na fase final do texto. "Só que isso só veio três anos depois do início desse trabalho de combate às fraudes", frisa. Há ainda uma proposta de mudança na redação do artigo 272 do Código Penal, por meio de um projeto de lei do deputado federal Heitor Schuch (PSB), que propõe aumentar a pena para crime de adulteração em produtos alimentícios de quatro a oito anos de detenção para oito a 12 anos.  

Leite Compensado gerou combate à corrupção no poder público

As Operações Leite Compensado também constataram o envolvimento de servidores públicos em corrupção. Em dezembro de 2014, foi deflagrada a Operação Pasteur, pela Polícia Federal, para investigar o caso de um servidor que recebia propina de laticínios da região de Lajeado - as evidências surgiram das ações de combate à fraude no leite realizadas pelo MP-RS.
Na época, a PF desmontou um esquema de corrupção envolvendo um fiscal federal da Agricultura e quatro agentes de inspeção por conta do recebimento de propina paga por indústrias instaladas no Vale do Taquari. De acordo com as informações preliminares dos investigadores, o fiscal federal recebeu valores das organizações por cerca de duas décadas. Prestes a completar um ano, a investigação da PF já foi concluída e está nas mãos do Ministério Público Federal (MPF), que tem o poder para apresentar a denuncia dos indiciados. "Estamos certos de que o MPF agirá com celeridade", afirmam os promotores estaduais do MP-RS Mauro Rockenbach e Alcindo Luz Bastos Filho.
Em maio deste ano, a Operação Semilla, da Polícia Federal, desarticulou uma quadrilha que agia dentro da Superintendência Federal da Agricultura do Rio Grande do Sul (SFA-RS) e que era comandada pelo então superintendente Francisco Signor. A investigação ainda está em curso, reunindo provas da corrupção, que envolvia o pagamento de propina de empresas para não sofrerem aplicação de multas. Uma série de processos estavam parados com Signor, no gabinete e em sua casa.
"A relação com Signor era truncada", comenta Rockenbach, citando que o ex-superintende, que se manteve no cargo desde 2003, criticava publicamente as operações conduzidas pelo MP-RS. "Ele chamava de pirotecnia", conta. Hoje, a SFA-RS é comandada por Roberto Schoreder, servidor de carreira. "Não sofremos as intervenções que ocorriam antigamente, quando o superintendente tentava inviabilizar o nosso trabalho e o da fiscalização", aponta.