Um crime e duas versões: latrocínio (roubo seguido de morte) ou execução sob encomenda, por vingança. A morte do ex-vice-prefeito e ex-secretário de Saúde de Porto Alegre Eliseu Santos (PTB), em 26 de fevereiro, chocou o Estado. E a causa do assassinato ainda causa divergências entre as autoridades.
A denúncia apresentada pela promotora de Justiça do Ministério Público (MP) Estadual Lúcia Helena Callegari na semana passada e subscrita por outros três promotores sustenta que o crime, ocorrido na rua Hoffmann, em Porto Alegre, foi premeditado.
Eles detalharam sua investigação ontem, em coletiva de imprensa no MP. Explicaram que partiram do inquérito policial, ouvindo além dos nomes arrolados pela polícia, outras testemunhas que "complementaram as investigações".
Uma delas teria papel-chave. Os promotores da 1ª Vara do Júri não apresentaram provas materiais, mas citaram que essa pessoa - "figura de notável respeito no Rio Grande do Sul", como afirmou Lúcia Callegari - garante que Eliseu Pompeo Gomes (autor dos disparos que mataram o secretário) era funcionário da empresa de segurança Reação.
"Ainda aguardamos a remessa de documentos e o acesso às escutas telefônicas autorizadas pela Justiça. Em especial de um documento que comprove essa relação de Pompeo Gomes com a empresa Reação", afirmou Lúcia.
A informação é considerada decisiva para a tese do MP, que chegou à conclusão de que o diretor da Reação Jorge Renato Hordoff de Mello e o ex-diretor jurídico da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) Marco Antônio de Souza Bernardes (PTB) arquitetaram o assassinato de Eliseu Santos.
Em maio de 2009, Mello, cuja empresa era contratada pela SMS para prestar serviços de segurança nos postos de saúde da Capital, denunciou Bernardes por cobrança de propina para manter o contrato e afirmou que Eliseu Santos tinha conhecimento.
O ex-secretário foi à Câmara Municipal contestar a versão e instaurou uma sindicância para apurar as responsabilidades - de imediato, exonerou Bernardes. O contrato com a Reação foi rompido, restando uma dívida de pelo menos R$ 1 milhão.
Segundo o MP, o filho de Eliseu Santos (Arthur Gonçalves dos Santos Neto) informou que o pai estava sendo perseguido e recebendo ameaças de morte semanas antes do crime.
A promotora Lúcia Callegari afirmou que, por vingança, Jorge Renato Hordoff Mello, da Reação, e o ex-assessor Marco Antônio de Souza Bernardes, da SMS, teriam se associado para cometer o crime, contratando os assassinos. A denúncia do MP encaminhada à Justiça não aponta a ligação entre os mandantes e a quadrilha que roubava carros.
Outro argumento utilizado pela promotoria foi o de que a vítima foi morta no dia em que o MP ofereceu denúncia referente ao esquema de propinas existentes na SMS, impedindo qualquer depoimento de Eliseu Santos.
Horas depois da coletiva do Ministério Público, o diretor do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), Ranolfo Vieira Júnior, chamou a imprensa para sustentar a tese da Polícia Civil. Para ele, não resta dúvidas de que se trata de um roubo mal-sucedido - os assaltantes buscariam levar o automóvel Corolla do ex-secretário Eliseu Santos e o teriam assassinado porque a vítima reagiu. "Não há provas que contemplem a versão sustentada pelo MP", reforçou Ranolfo.
Os delegados que falaram na coletiva evidenciaram o descontentamento da polícia com o tratamento dado pelo MP ao trabalho de investigação, em especial pelos promotores que fizeram a denúncia de que a morte foi encomendada.
O delegado da Homicídios, Bolívar Llantada, que ao lado do chefe da delegacia, Pedro Diniz, conduziu inquérito, repudiou a atitude dos promotores Eugenio Paes Amorim e Lúcia Callegari, que teriam pedido o seu afastamento e o de Diniz, em reunião que ocorreu no MP com a presença do diretor do Deic.
"A ética não foi respeitada neste caso. O pedido para meu afastamento das investigações teria ocorrido de forma informal, pois a polícia estava sendo pressionada a aceitar a versão de homicídio qualificado. Embora tenha descartado esta linha, continuei investigando", garantiu Llantada.
Ele ainda rebateu a suspeita lançada pelo MP com relação à Diniz, casado com a ex-mulher de Mello. "Não admito que coloque em dúvida a seriedade de meu chefe. Não houve prevaricação e se houve, quero ser afastado juntamente com ele."
Para o diretor de Divisão Judiciária de Operação da Polícia Civil, delegado Alexandre Vieira, um dos primeiros a chegar ao local do crime na noite do dia 26 de fevereiro, todas as provas materiais apontam para roubo, resultando em morte. "Não há nenhuma relação entre a quadrilha que executava roubo de carros e os donos da empresa Reação. Em nenhuma escuta telefônica ou extrato telefônico dos acusados (Eliseu Pompeo Gomes, Fernando Júnior Treib Krol e Robson Teixeira dos Santos) há ligações para Mello ou Bernardes", garantiu Ranolfo Vieira.
Ele ainda afirmou que em nenhum momento os familiares de Eliseu Santos afirmaram em seus depoimentos à Polícia Civil que o ex-secretário da Saúde estaria sendo perseguido ou sofrendo ameaças de morte. Porém, os policiais deixam clara a disposição de prestar todas as informações necessárias à Justiça e colaborar com o MP.
Admitem ainda revogar o indiciamento, se revelada prova material que comprove a tese de crime premeditado. Os delegados de polícia do Rio Grande do Sul através de sua entidade representativa - Asdep - emitiram, ontem à noite, nota oficial repudiando a atitude de membros do Ministério Público no caso Eliseu.