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- Publicada em 03 de Outubro de 2011 às 00:00

Internet dá novo significado à participação popular


MARCELLO CASAL JR/ABR/JC
Jornal do Comércio
Esqueça a forma tradicional como a política vem sendo feita no mundo. As novas tecnologias se consolidam como aliadas para ajudar a colocar o cidadão de volta no papel de protagonista das principais decisões que afetem a sua cidadania. E esse parece ser um caminho sem volta.
Esqueça a forma tradicional como a política vem sendo feita no mundo. As novas tecnologias se consolidam como aliadas para ajudar a colocar o cidadão de volta no papel de protagonista das principais decisões que afetem a sua cidadania. E esse parece ser um caminho sem volta.
No dia 20 de setembro, enquanto os gaúchos comemoravam a Revolução Farroupilha, cerca de 2,5 mil pessoas se reuniram na Cinelândia, no Rio de Janeiro, no protesto Todos Juntos Contra a Corrupção. Orquestrado pelo Facebook, o evento tinha 30 mil confirmações de presença na sua página na rede social, mas os próprios organizadores apostavam que esse número não passaria de 4 mil. Em Brasília, no dia 7 de setembro, dia da Independência do Brasil, cerca de 25 mil pessoas participaram da Marcha contra a Corrupção na Esplanada dos Ministérios, organizada por meio da internet.
O número de participantes, porém, parece ser o menos importante nesse momento. Chama atenção a capacidade da internet de juntar indivíduos com objetivos ou indignações comuns, que experimentam uma forma diferente de se comunicar, muito mais aberta e ágil.
O ciberativismo não é uma novidade e, no mundo, tem inúmeros exemplos marcantes. Em países como Argélia, Tunísia, Egito e Líbia, em meio a protestos contra o desemprego e corrupção, as redes sociais em muitos momentos foram a única forma de expressão dos manifestantes. Em meio aos tumultos, depoimentos e fotos eram postados em sites como do Twitter e Facebook. E a esses se somam cada vez mais exemplos.
O mesmo vem acontecendo no Brasil. “A internet não tem um poder mágico, mas sem dúvida é um instrumento facilitador para a união em torno de um ideal”, comenta Alberto Carlos de Almeida, diretor do Instituto Análise.
Os brasileiros já viram e promoveram manifestações importantes ao longo da sua história. Entre os anos de 1983 e 1984, a mais importante delas: mais de 1,5 milhão de pessoas se uniram no movimento Diretas Já, que buscava a volta das eleições presidenciais diretas no País, depois de 30 anos sob a ditadura. Mais recentemente, quem não lembra do movimento dos caras pintadas, quando a população foi às ruas em 1992 pedir o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, acusado de corrupção?
Para o professor de Sociologia e Política da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs), Hermilio Santos, existem diferenças importantes entre os movimentos atuais e os do passado.
A começar pelo fato que os movimentos de três décadas atrás eram capitalizados e liderados por organizações bastante consolidadas, algumas delas com vínculos com partidos políticos. “Hoje há uma pulverização na liderança, embora boa parte das grandes manifestações permaneça sendo liderada pelos movimentos consolidados”, comenta o professor.
O dinamismo da internet e a forma de pensar das novas gerações também trouxeram outras mudanças significativas. Hoje, não é mais preciso pensar apenas em grandes manifestações e nem mesmo constituir associação e estabelecer temas estanques para os debates.
As alianças são construídas a partir de interesses comuns e mutantes. Assim, um indivíduo pode estar junto a um grupo social manifestando seus pensamentos às 10 horas da manhã e, à noite, já estar ligado a outras pessoas e temas, com o mesmo engajamento.

Movimento contra corrupção diz que web tem poder democratizante

Há algum tempo, o rótulo da alienação recai sobre os jovens brasileiros. Com uma democracia consolidada e a melhora nas condições de vida da população, as novas gerações estariam, segundo algumas correntes de pensamento, se excluindo dos temas relacionados à política brasileira.
Não é o que pensa o juiz de direito e membro do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Márlon Reis. “É como se depois do término da ditadura tivéssemos que conviver com uma geração alienada. Mas o que temos visto é o oposto”, diz.
Segundo ele, a internet tem um poder democratizante e vem sendo muito bem aproveitada justamente pelos mais jovens. Como exemplo, relembra o forte apoio que a Lei da Ficha Limpa teve a partir das ações dos brasileiros na internet. “Milhões de pessoas mandaram e-mails para o Congresso, postaram mensagens nas redes sociais e criaram comunidades online, o que foi fundamental para o movimento”, destaca.
A professora e diretora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ivana Bentes, cita ainda como fato concreto decorrente do ciberativismo a mobilização e esclarecimento contra o chamado “AI-5 digital”, o projeto de lei que tem como relator o senador Eduardo Azeredo e que tenta criminalizar as práticas de compartilhamento de arquivos digitais. Há outros, como a campanha pela Banda Larga para um maior número de pessoas e a Reforma da Lei dos Direitos Autorais. “As redes têm um potencial de intervenção e mobilização que pode se materializar em ações bem importantes de pressão a partir de novos movimentos que estão surgindo”, diz.
Para o diretor do Instituto Análise, Alberto Carlos de Almeida, um fator em especial contribui para estimular a participação das pessoas em movimentos políticos: o exemplo dos líderes. A postura firme que vem sendo adotada pela presidente da República, Dilma Rousseff, então, explica o aumento nos últimos meses das manifestações contra a corrupção, tanto na internet como nas ruas. “Se você quer se mobilizar para algo e tem a percepção de que o seu principal líder está alinhado com esse ideal, isso funciona como um empurrão”, comenta.
Para Almeida, entretanto, com o passar do tempo, a tendência é a de as pessoas se envolverem cada vez menos com a política. Isso porque, na medida em que a economia está em crescimento e as pessoas passem a viver melhor, é normal que deixem de protestar. É uma lógica alinhada com a noção de que, cada vez mais, os indivíduos procuram resolver os problemas da sua vida no mundo privado. “Se você passa a achar que a sua vida não depende do sistema político, vai se envolver menos com esse tema”, observa.

Brasileiros vão às ruas por diferentes temas

Possivelmente, a maior parte das manifestações realizadas hoje no Brasil a partir da mobilização criada na internet é voltada para causas comportamentais. Um grande exemplo disso é a Marcha da Liberdade, que reuniu milhares de pessoas em passeatas realizadas em diversas cidades brasileiras, em junho desse ano.
A iniciativa tomou força depois que, no dia 21 de maio, em São Paulo, uma passeata que reivindicava alteração na legislação em defesa da legalização da produção e do comércio de maconha foi impedida de ser realizada na capital paulista.
A partir disso, as pessoas passaram a ser incentivadas, especialmente através de correntes disseminadas na internet, a ir para as ruas e protestar pelas mais diferentes causas, como pelas florestas, direitos dos ciclistas e dos animais e contra o racismo e a homofobia.
A professora e diretora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ivana Bentes, observa ainda que a Marcha da Liberdade realizada em todo o Brasil trouxe uma nova conexão das redes com as ruas e também mobilização das ruas para as redes.
“É um momento de estabelecimento de novas linguagens políticas, para além do protesto clássico”, comenta. Segundo ela, esses encontros incluem uma classe média que parecia anestesiada, mas que acabou mobilizada para sair às ruas através das ferramentas das redes sociais como o Facebook, Twitter, Orkut, blogs e listas de discussão.
Os temas comportamentais, de fato, têm encontrado maior atratividade entre os brasileiros, mas isso não significa que sejam únicos. Hoje as pessoas usam as redes sociais para reclamar do atendimento de empresas, da postura de políticos nos quais votaram e de decisões tomadas no Congresso.
Da mesma forma, crescem movimentos de cidadania, nos quais se procura identificar problemas nas cidades ou até mesmo nos bairros e levá-los à discussões na internet.
Para o professor de Sociologia e Política da Pucrs Hermilio Santos esse movimento todo está acontecendo no Brasil por diversos aspectos, e a tecnologia é apenas um deles. Existem ainda questões importantes como a consolidação da democracia e um maior número de pessoas incluídas no processo de educação formal. “Quanto mais gente informada, mesmo que precariamente, maior a capacidade de se manifestar”, diz.
Além disso, a consolidação dos direitos a partir de 1988 encorajou as pessoas a manifestar suas opiniões. “Elas não precisam mais ir contra a política e as instituições jurídicas para dizer o que pensam, porque isso é um direito”, complementa.
Para o professor, as principais instituições públicas e privadas se tornaram atentas às manifestações que chegam através das redes sociais. “É fundamental a consciência de que a sua ação no mercado ou na prestação de serviços se legitima na medida em que ela estiver por dentro das demandas das pessoas”, relata.

Novas formas de conexão aumentam mobilizações

O Brasil vivencia, nos últimos anos, novas formas de conexão em rede, o que tem aumentado a capacidade de organização de mobilizações, manifestações e até revoluções, como no mundo árabe. “Essas mesmas ferramentas que estão servindo para mobilizar e protestar dão pistas de como é a nova democracia do século XXI”, comenta Marcelo Branco, ativista pela liberdade de conhecimento e responsável pela campanha de Dilma Rousseff na internet na época em que concorria à presidência da República.
É algo muito diferente em relação ao que existia na era industrial, quando os partidos, sindicatos e outras estruturas de poder ou contrapoder é que serviam para organizar interesses coletivos. Com a revolução digital, toda essa intermediação não precisa mais ser feita, o que, inclusive, tem obrigado essas instituições a redefinirem o seu papel. “A internet empoderou o indivíduo como nunca vimos antes”, destaca o especialista.
Para Hermilio Santos, professor de Sociologida da Pucrs, a tecnologia tem contribuído para levar o Brasil a um patamar em que países como Estados Unidos e os europeus já estavam. “Em outras sociedades civis é comum as pessoas se manifestarem de forma não organizada, através de cartas e grupos, sem formar associação. É o que vemos acontecer aqui agora”, observa.

As tecnologias, por si só, não representam nada, diz Markun

Para Markun, ferramentas da internet só têm relevância se servirem

para criar alguma transformação social. RENATO TARGA/DIVULGAÇÃO/JC
Durante as eleições de 2008, Pedro Markun se viu em um boteco da vida, reclamando sobre o resultado do pleito e do novo prefeito da sua cidade. Entre uma cerveja e outra, acabou se convencendo de que a internet poderia ser uma aliada e tanto para mudar algumas coisas que, sozinho, seria muito difícil fazer. Hoje, aos 25 anos, ele está engajado em uma série de projetos como os da empresa Esfera (blog.esfera.mobi), criada em parceria com Daniela B. Silva para promover a transparência pública e a participação política por meio da rede. Um dos episódios curiosos da vida do jovem foi quando ele criou um clone do Blog do Planalto, na época do seu lançamento pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Menos por uma questão de estratégia e mais porque era possível, fizemos em 15 minutos um clone do blog, só que com espaço para as pessoas comentarem”, relembra.
JC Empresas & Negócios - Como você avalia a participação dos brasileiros hoje na política?
Pedro Markun - Acho que estamos redescobrindo, de alguma forma e coletivamente, o que é ser e fazer política. Passamos um bom tempo acreditando que a política era algo separado da vida normal e que ser político era fazer parte de um grupo de pessoas e práticas com as quais ninguém mais queria realmente se relacionar. Esses movimentos mais recentes, todas essas marchas e esses grupos autônomos que não só não têm filiação partidária como sequer ligam de fato para isso me parecem um interessante movimento no sentido de redescobrir e ressignificar a política e a cidadania. E isso não só no Brasil, acho que o mundo inteiro está ecoando um pouco essa frustração do nosso modelo de democracia representativa, que não representa nada, nem ninguém.
Empresas & Negócios - Você acredita que a internet tem tido, de fato, um papel preponderante para estimular as pessoas a participarem desses movimentos?
Markun - A internet e as mídias digitais são tecnologias extremamente poderosas, que colocam o cidadão de volta no papel de protagonista e não mais de consumidor passivo de um mundo sobre o qual não exercemos controle ou influência. O digital vem sistematicamente ameaçando e transformando as estruturas da nossa sociedade, horizontalizando as relações, democratizando o poder e, essencialmente, sacudindo os intermediários. Vimos isso acontecer com a indústria da música, da comunicação e agora também com a educação e a política. Mas não acredito na internet como uma panaceia que vá resolver automaticamente todos os problemas do mundo. Não tenho nenhum fetiche por isso e sequer acho que essas ferramentas 2.0 sejam realmente o que importa nesse processo.
Empresas & Negócios - Qual a real relevância das novas tecnologias nesse processo?
Markun - As redes sociais, como Facebook e Twitter, têm se mostrado ferramentas eficientes para mobilizar e articular grandes grupos por causas importantes. Mas muito mais do que os aspectos técnicos das ferramentas, acho que a força dessas tecnologias todas se traduz na transformação que estamos tendo na forma de pensar o mundo e processar as coisas. Interessa para mim muito mais o sentimento e a compreensão que os blogueiros têm de que também são veículos de mídia, com poderes e responsabilidade de comunicar, do que propriamente a ferramenta e suas especificidades. A tecnologia só tem relevância se servir para criar alguma transformação social. Hoje tudo isso parece que tem algo de mágico e de glamour e é muito fácil ficar deslumbrado com as pirotecnias e se perder em um parnasianismo da tecnologia por ela mesma. As tecnologias por si só não fazem nada. É o uso que fazemos delas que pode realmente transformar alguma coisa.
Empresas & Negócios - O que representa para você o termo ciberativismo?
Markun - Eu tenho problema com esses rótulos pré-fabricados. Acho que eles têm sua função e ajudam as pessoas a serem introduzidas em temas complexos, mas não acredito muito em ciberativismo. E digo isso tanto pelo lado ciber - que reduz as ações e as enquadra dentro de uma ideia de tecnologia e redes cibernéticas - quanto pelo ativismo, que coloca uma carga pesada em algo que para muitos pode ser apenas a expressão de uma cidadania ou mesmo de uma leitura de mundo. Ao mesmo tempo, acho que hoje é complicado falar de ativismo ou política sem considerar a internet e o digital. É um novo canal de comunicação que está extremamente presente na estrutura do mundo em que vivemos. Cada vez mais existe uma relação visceral entre tudo isso. A política se funde com a internet para (potencialmente) criar uma nova esfera pública, onde podem acontecer os debates e as discussões políticas importantes para fundamentar o processo democrático.
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