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50 ANOS DO GOLPE

- Publicada em 07 de Abril de 2014 às 00:00

Bar do Antonio foi reduto de militantes da resistência


GILMAR LUÍS/JC
Jornal do Comércio
Até a década de 1970, o Bar do Antonio era ponto de encontro de estudantes e militantes que estudavam no campus Central da Ufrgs, onde funcionava a maioria dos cursos oferecidos pela universidade – inclusive o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), conhecido por formar um núcleo crítico ao regime militar.
Até a década de 1970, o Bar do Antonio era ponto de encontro de estudantes e militantes que estudavam no campus Central da Ufrgs, onde funcionava a maioria dos cursos oferecidos pela universidade – inclusive o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), conhecido por formar um núcleo crítico ao regime militar.
Nas mesas do estabelecimento, os frequentadores discutiam arte, debatiam ideias políticas, planejavam manifestações e, em alguns casos, formavam grupos que, posteriormente, se tornaram guerrilhas armadas. Muitos dos antigos clientes do Antonio, que hoje são professores, políticos, se reuniram no local para relembrar os acontecimentos daquela época, atendendo ao convite do deputado estadual Raul Pont (PT), que participou da luta armada através do grupo Política Operária (Polop).
O professor do Instituto de Letras Paulo Guedes foi um dos que participaram do encontro. Guedes entrou na Universidade em 1962, onde estudou e participou do ambiente universitário antes e depois do golpe de 1964. “Na universidade, existiam vários espaços onde os estudantes se reuniam regularmente para discutir sobre arte, política, sociedade. Éramos muito preocupados com o que estava acontecendo no Brasil: as reformas de base do presidente João Goulart (PTB), as ideias de esquerda, a interferência dos Estados Unidos na política internacional, a Tropicália, o Cinema Novo etc”, relembrou.
Guedes relatou como a atmosfera mudou depois do golpe militar. “Eu morava perto do campus (Central) e sempre atravessava o Parque Farroupilha para ir para as aulas. No dia do Golpe, quando estava indo para a faculdade, encontrei um amigo que me falou que os militares tinham derrubado o presidente. No princípio, achei difícil de acreditar, porque, aparentemente, tudo estava normal. Mas, quando chegamos ao Campus Central, estava tomado de militares”, lamentou.
Embora os espaços frequentados pelos estudantes começassem, a partir daí, a ser monitorados pelos militares, o Bar do Antonio continuou sendo reduto de estudantes e militantes de esquerda. Pont enfatiza que as mesas do bar se converteram organicamente em um importante ponto de crítica à ditadura.
“Discutíamos muito a situação do País. Dessas discussões, formaram-se correntes de pensamentos e dissidências de partidos políticos que, em alguns casos, já estavam ilegais, como o PCB. Alguns grupos formaram guerrilhas; outros juntaram-se com movimentos armados que já estavam estabelecidos; e outros ainda seguiram a carreira acadêmica, que também acabou sendo um caminho de enfrentamento ao regime militar”, avaliou o ex-preso político.  

Estudantes se sentiam mais seguros no estabelecimento

O encontro que reuniu ex-estudantes que frequentaram o Bar do Antonio durante os anos 1960 foi marcado por rememorações do período que sucedeu o golpe militar.
“Havia discussões bastante acaloradas sobre a situação política, social e cultural do Brasil. E também intercâmbios culturais entre as regiões do País, porque existiam turnês nacionais de grupos de teatro, de músicos, e o cinema nacional estava bem forte. As peças e os shows que vinham para cá eram discutidas em espaços como o Bar do Antonio. Inclusive, alguns debates eram tão exaltados que quase dava briga”, afirma o professor do Instituto de Letras da Ufrgs Paulo Guedes.
A tradutora Maria Regina Jacob Pilla, que entrou na Faculdade de Jornalismo em 1967, e hoje voltou à Ufrgs para estudar Letas, lembra que os estudantes se sentiam seguros no Bar do Antonio, o que os deixava à vontade para debater idéias.
“O Bar do Antonio sempre foi solidário aos estudantes. De certa forma, nos sentíamos protegidos nas mesinhas do bar, que, no começo, era bem pobre. Claro que tomávamos cuidado para não falar certas coisas na frente de pessoas suspeitas, porque já havia agentes da ditadura infiltrados nesses locais. Mas, naquele momento, éramos bastante esperançosos.”

Investigação de crimes em dependências militares é recebida com ceticismo e dúvidas

Entre ex-presos políticos e familiares de mortos e desaparecidos na ditadura, a informação de que as Forças Armadas vão investigar denúncias de violações de direitos humanos ocorridas em dependências militares foi recebida com dúvidas. Elas envolvem desde a composição dos grupos de sindicância à abrangência da investigação. Segundo levantamento da Comissão Nacional da Verdade, ao menos nove pessoas morreram nos centros militares de 1964 a 1985. Há ainda 15 casos de tortura.
Na avaliação do jornalista Alípio Freire, ex-preso político e militante de direitos humanos, uma sindicância conduzida exclusivamente por militares corre o risco de ter seus resultados questionados. “As sindicâncias deveriam feitas por comissões mistas, com a presença de representantes da sociedade civil, do governo e dos militares”, disse.
A presidente do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, professora Victoria Grabois, pôs em dúvida a possibilidade de resposta para um assunto tão amplo em 30 dias. “É impossível, a menos que tenham todas as informações organizadas em seus arquivos, que eles já disseram que foram destruídos.”
Victoria, cujo pai figura na lista dos mortos e desaparecidos do Araguaia, não descartou a hipótese de os militares ensaiarem algum sinal de boa vontade. Na avaliação dela, poderiam admitir alguns casos, como o do ex-deputado Rubens Paiva, e apontar alguns responsáveis. Entre estes últimos estaria o coronel reformado Paulo Malhães, que já admitiu à Comissão Nacional da Verdade o seu envolvimento com casos de desaparecidos.
O ex-preso Ivan Seixas, da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos de São Paulo, levantou dúvidas quanto aos locais investigados. “Não acredito que nomeiem lugares de tortura que eram mantidos na clandestinidade, fora das dependências oficiais, como a Casa da Morte, em Petrópolis.”
A jornalista e ex-presa Rose Nogueira, do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, considerou positiva a iniciativa. “Estão dizendo com isso que não pensam como os militares do passado. Resta saber até que ponto estão dispostos a mostrar o que têm.”
Hoje, a Comissão Nacional da Verdade vai apresentar, em audiência em São Paulo, um relatório parcial com o mapeamento dos centros clandestinos usados pelas Forças Armadas na ditadura para torturar e matar presos políticos.
O levantamento, realizado pela historiadora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Heloísa Starling, que presta assessoria ao grupo, vai elencar alguns desses centros clandestinos e os nomes dos militantes mortos nesses locais.
O mais famoso centro clandestino usado durante aditadura foi a Casa da Morte, em Petrópolis (RJ). Mas, como mostrará o trabalho de Starling, a ditadura teria usado vários outros. Entre os exemplos, estão o local conhecido como Sítio 31 de Março, que funcionava em São Paulo, a Casa de Itapevi, no interior, além de uma casa na zona Sul do Rio de Janeiro.
Militares que atuaram na repressão justificam o uso dos centros clandestinos por serem locais discretos para trabalhar.
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